Internacional

Escolas sustentáveis contra a desnutrição

Um grupo de alunas da escola República da Venezuela, na aldeia lenca de Coalaca, no oeste de Honduras, na horta pedagógica onde cultivam e aprendem sobre a importância da alimentação nutritiva e saudável. Foto: Thelma Mejía/IPS
Um grupo de alunas da escola República da Venezuela, na aldeia lenca de Coalaca, no oeste de Honduras, na horta pedagógica onde cultivam e aprendem sobre a importância da alimentação nutritiva e saudável. Foto: Thelma Mejía/IPS

As 48 escolas espalhadas por Las Flores têm o propósito de melhorar o estado nutricional dos estudantes e ao mesmo tempo dar um apoio direto aos pequenos produtores, mediante uma metodologia integral e laços efetivos entre o local, o regional, o governo central e a cooperação internacional.

Por Thelma Mejía, da IPS – 

Coalaca, Honduras, 5/7/2016 – Ele tem apenas 11 anos, cursa a sexta série primária e sonha em ser agricultor para cultivar alimentos e assim conseguir que nunca falte comida aos indígenas de sua comunidade. Trata-se de Josué Orlando Torres, do povo indígena lenca, que vive em um afastado rincão do ocidente de Honduras. Ele é parte de uma história de sucesso, que se escreve nesta aldeia de Coalaca, de 750 habitantes, no município de Las Flores, departamento de Lempira.

Aqui, há cinco anos se desenvolve o Programa de Alimentação Escolar Sustentável (Paes), que melhorou os níveis nutricionais na região e conta com ampla participação local, governamental e internacional. Torres está orgulhoso de sua escola, República da Venezuela, onde os 107 alunos, com apoio de seus três professores, trabalham em uma horta pedagógica onde cultivam legumes, vegetais e frutas, usadas em sua dieta escolar diária.

O jovem contou à IPS que antes não gostava das verduras, mas “agora comecei a sentir seu gosto e também gosto de saladas e sucos verdes. É que aqui me ensinaram a comer e também a semear produtos para estar sempre bem nutrido. Temos uma horta onde todos plantamos coentro, rabanete, pepino, mandioca, abóbora, mostarda, alface, cenoura e outros produtos nutritivos”, contou Torres enquanto mostrava cada planta da horta escolar.

Josué Orlando Torres, de 11 anos, sonha em ser agricultor para garantir que as crianças como ele tenham acesso a alimentos gratuitos e de qualidade na escola, na comunidade de Coalaca, uma região indígena onde um programa de escolas sustentáveis começa a derrotar a desnutrição crônica. Foto: Thelma Mejía/IPS
Josué Orlando Torres, de 11 anos, sonha em ser agricultor para garantir que as crianças como ele tenham acesso a alimentos gratuitos e de qualidade na escola, na comunidade de Coalaca, uma região indígena onde um programa de escolas sustentáveis começa a derrotar a desnutrição crônica. Foto: Thelma Mejía/IPS

Por isso, quando for adulto Torres não pretende ser médico, engenheiro ou bombeiro, como outros meninos de sua idade. Ele afirmou que quer ser “um bom agricultor para cultivar alimentos e ajudar minha comunidade, ajudar as crianças como eu para que estejam bem nutridas e não durmam durante as aulas por não terem comido e estarem doentes”, como acontecia antes.

As 48 escolas espalhadas por Las Flores, junto a outras de Lempira, especialmente as localizadas no chamado corredor seco de Honduras, caracterizado pela pobreza e pelos embates da mudança climática, fazem parte de uma série de projetos-piloto e sustentáveis impulsionados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), entre eles o Paes.

O propósito dessas escolas é melhorar o estado nutricional dos estudantes e ao mesmo tempo dar um apoio direto aos pequenos produtores, mediante uma metodologia integral e laços efetivos entre o local, o regional, o governo central e a cooperação internacional.

Graças a esse esforço em comunidades indígenas lenca e de ladinos (mestiços), comoCoalaca, La Cañada, Belén e Lepaera, todas em Lempira, os estudantes e professores deram adeus aos refrigerantes e às balas, como parte de uma mudança radical em seus hábitos alimentares. Pais, docentes, alunos, cada comunidade e cada governo municipal, três ministérios e a FAO, entre outros, uniram esforços para que essas remotas regiões hondurenhas estejam se despedindo da fome e da desnutrição que apresentavam.

Também foi desenvolvida uma pequena cadeia de produtores familiares que abastecem as escolas, para completar a produção das hortas pedagógicas e assim fornecer alimentos aos estudantes, que, em média, passam de uma centena em cada uma delas Esses pequenos agricultores deixam, toda segunda-feira, seus produtos em um centro de recolhimento, de onde veículos da Prefeitura os levam às escolas.

Erlín Omar Perdomo, dirigente comunitário da aldeia de La Cañada, do município de Belén, disse à IPS que, no começo, “quando a FAO nos organizou, nunca pensamos chegar tão longe, nossa preocupação inicial era aplacar a fome que havia aqui, ajudar nossos filhos a serem mais bem nutridos. Mas, na medida em que desenvolvíamos a experiência, nos prepararam para também sermos geradores de alimentos. Hoje nesta comunidade abastecemos 13 escolas de Belén com produtos frescos e de qualidade”, destacou, satisfeito.

Vista de Belén, um povoado e cabeceira do município rural de mesmo nome, em meio às montanhas do ocidente de Honduras, no departamento de Lempira, onde um programa com foco nas escolas melhora a nutrição de suas remotas comunidades indígenas. Foto: Cortesia de Thelma Mejía
Vista de Belén, um povoado e cabeceira do município rural de mesmo nome, em meio às montanhas do ocidente de Honduras, no departamento de Lempira, onde um programa com foco nas escolas melhora a nutrição de suas remotas comunidades indígenas. Foto: Cortesia de Thelma Mejía

Para isso, se organizaram em Caixas Rurais, microcooperativas de poupança onde seus sócios depositam pequenas cotas e financiam projetos ou negócios, a juros baixos e sem necessidade de requisitos como nos bancos comerciais ou do pagamento de taxas de juros abusivas, como exigem os intermediários.“Não sonhávamos com essa magnitude de agora. A FAO nos enviou ao Brasil para conhecermos a experiência de como o alimento chega às escolas por meio das famílias e veja, aqui estamos contando este conto”, apontouPerdomo, de 36 anos.

“Todos participamos, geramos renda e desenvolvimento para nossas comunidades, ao ponto de em nossas escolas não haver abandono dos estudos e nossas mulheres também entrarem no processo, organizando-se em grupos que a cada semana vão na escola cozinhar os alimentos de nossos filhos”, acrescentouPerdomo.Em 2012, um informe do Programa Mundial de Alimentos (PMA) revelou que Honduras era o segundo país com maiores níveis de desnutrição infantil na América Central, atrás da Guatemala.

Segundo o PMA, uma em cada quatro crianças sofre de desnutrição crônica, sendo o sul e o oeste do país as regiões em que o problemaé maior.No caso de Coalaca, La Cañada e outras aldeias e povoados vizinhos, a história começou a ser revertida há cinco anos. O processo iniciado pela FAO se apoia na criação de uma nova cultura nutricional, com uma especialista que assessora e educa as famílias para uma alimentação saudável e balanceada.

“Já não usamos condimentos na comida, substituímos por ervas aromáticas, fomos capacitados pela FAO que nos ensinou a quantidade de nutrientes que tem cada verdura, fruta ou legume”, explicouRubenia Cortes. “Veja, agora nossas crianças têm uma pele bonita e não triste, como antes”, ressaltou orgulhosa à IPS esta cozinheira da escola Claudio Barrera, em La Cañada, uma aldeia de 700 habitantes, parte do município de Belén, com 32 centros no Paes.

Rubenia Cortes, uma das mães que são cozinheiras voluntárias na escola da remota aldeia de La Cañada, no departamento de Lempira, no ocidente de Honduras. Elas cozinham em um espaço que deve sua construção à contribuição de pais e professores. Foto: Cortesia de Thelma Mejía
Rubenia Cortes, uma das mães que são cozinheiras voluntárias na escola da remota aldeia de La Cañada, no departamento de Lempira, no ocidente de Honduras. Elas cozinham em um espaço que deve sua construção à contribuição de pais e professores. Foto: Cortesia de Thelma Mejía

Cortes e suas companheiras são todas chefes de família que colaboram voluntariamente na elaboração dos alimentos na escola. “Antes vendíamos as laranjas para comprar refrigerantes ou churros, mas agora não, porque com as laranjas fazemos sucos e todos bebemos”, contou a título de exemplo.

De segunda a sexta-feiras, os alunos das escolas que integram o Paes têm um cardápio altamente nutritivo, que comem no meio da manhã. A mudança é notória, segundo Edwin Cortes, diretor da escola de La Cañada. “As crianças já não dormem como antes. Eu perguntava a elas se haviam entendido a lição. Mas quem iria me responder, se eles vinham sem ter comido nada em casa. Como iriam aprender desse modo?”,questionou .

Para a representante da FAO em Honduras, María Julia Cárdenas, o mais valioso desta experiência é que “podemos sair do processo, mas este não morrerá porque todos se apropriaram dele. É altamente sustentável e, com modelos como este, deixam de existir fronteiras porque todos se unem com um fim comum, que é a alimentação das crianças”, pontuou à IPS, após percorrer com uma delegação de especialistas e parlamentares centro-americanos as histórias não contadas que acontecem nesta parte do corredor seco de Honduras.

Os alunos dos ensinos primário e básico em Honduras somam 1,4 milhão, em um país de 8,7 milhões de habitantes, onde coexistem sete grupos étnicos, sendo o lenca o mais numeroso, com pouco mais de 400 mil pessoas. Envolverde/IPS