Internacional

Humanidade com milhões de crianças sofridas

Um menino carrega um grande saco com seus pertences pelos trilhos de uma ferroviaque leva da Macedônia à Sérvia. Foto: Georgiev/Unicef
Um menino carrega um grande saco com seus pertences pelos trilhos de uma ferroviaque leva da Macedônia à Sérvia. Foto: Georgiev/Unicef

Por BaherKamal, da IPS – 

Roma, Itália, 17/8/2016 – Atualmente, nossa humanidade se caracteriza por crianças vítimas de redes de tráfico de pessoas, que sofrem abusos sexuais, são mutiladas, assassinadas para retirada de órgãos, e recrutadas como soldados ou escravizadas de alguma outra maneira. Além disso, não só 69 milhões de menores morrerão por causas que, em grande parte, poderiam ser prevenidas, como 167 milhões serão pobres, 263 milhões não irão à escola e 750 milhões  de meninas estarão casadas até 2030.

Esses são alguns dos terríveis números que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e outras agências da Organização das Nações Unidas (ONU), entre outras organizações, divulgaram semanas antes do Dia Mundial da Assistência Humanitária, celebrado no dia 19 de agosto.“As meninas e os meninos continuam sofrendo torturas, mutilações, abusos sexuais, fome e assassinatos em conflitos”, resumiu o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

“Em lugares como Iraque, Nigéria, Somália, Sudão do Sul, Síria e Iêmen, as crianças vivem em um inferno”, destacou Ban na abertura de um debate no Conselho de Segurança sobre crianças e conflitos armados, no dia 2 deste mês.O futuro da humanidade continuará sendo desolador, “a menos que o mundo se concentre mais na difícil situação de suas crianças mais desfavorecidas”, alerta um informe das Nações Unidas.

Menino segura uma parte de um dispositivo de artilharia que caiu sobre Al Mahjar, um bairro de Saná, no Iêmen. Foto Mohamed Hamoud/Unicef
Menino segura uma parte de um dispositivo de artilharia que caiu sobre Al Mahjar, um bairro de Saná, no Iêmen. Foto Mohamed Hamoud/Unicef

“Negar uma oportunidade justa na vida de centenas de milhões de crianças tem consequências que excedem o risco para seu futuro concreto, pois, ao avivar ciclos intergeracionais de pessoas desfavorecidas, coloca-se em perigo o futuro de suas sociedades”,destacou o diretor executivo do Unicef, Anthony Lake, por ocasião da apresentação do documento Estado Mundial da Infância, no dia 28 de junho.“Podemos escolher: investir nessas crianças agora ou permitir que nosso mundo se torne ainda mais desigual e dividido”, afirmou.

O informe do Unicef destaca alguns dos avanços significativos, como salvar a vida das crianças, conseguir que continuem na escola e tirar muitas pessoas da pobreza. Mas estes não são parelhos nem justos. “As crianças mais pobres têm o dobro de probabilidades do que as mais ricas de morrer antes dos cinco anos e de sofrer má nutrição crônica”, adverte o documento.

Na Ásia meridional e na África subsaariana as crianças cujas mães não foram escolarizadas têm três vezes mais probabilidades de morrer antes dos cinco anos do que aquelas cujas mães concluíram o ensino secundário, ressalta o informe do Unicef. “As meninas das famílias mais pobres têm o dobro de probabilidade de se casar ainda menores de idade do que as de famílias mais ricas”, acrescenta.

A África subsaariana sofre a pior parte: pelo menos 247 milhões  de meninos e meninas, dois em cada três menores, vivem em uma pobreza multidimensional, privados do que necessitam para viver e se desenvolver, e quase 60% dos jovens entre 20 e 24 anos do um quinto mais pobre frequentaram a escola menos de quatro anos, alerta o estudo.

Mantida a tendência atual, a região concentrará quase a metade dos 69 milhões de crianças que até 2030 morrerão antes dos cinco anos por causas que podem ser prevenidas, mais da metade dos 60 milhões de estudantes que não vão à escola e nove em cada dez crianças que vivem em condições de extrema pobreza, acrescenta o Unicef.

Além disso, aponta que cerca de 124 milhões de meninos e meninas não cursam o primário, nem os primeiros anos do secundário, e que quase dois em cada cinco dos que terminaram o curso primário não aprendem a ler nem a escrever e nem a realizar cálculos aritméticos simples.

“Na atualidade, cerca de 70 milhões de jovens buscam trabalho, e 160 milhões trabalham, mas são pobres. Esses números representam uma enorme perda de potencial e colocam em risco a coesão social”, escreveu, no dia 12 deste mês,AzitaBerarAwad, diretora do Departamento de Políticas de Emprego da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“O desemprego dos jovens e a falta de trabalho decente desvalorizam o capital humano, e é significativa sua influência negativa sobre a saúde, a felicidade, o comportamento antissocial e a estabilidade sociopolítica. Tem consequências sobre o bem-estar atual e futuro de nossas sociedades”, destacou Berar.Além disso, as condições do mercado de trabalho para os jovens mudam rapidamente e de forma constante, bem como o perfil e as aspirações dos jovens que entram diariamente no mercado profissional, acrescentou.

Berarexplicou que “para a maioria as expectativas de trabalho decente não significam apenas ter uma renda e ganhar a vida. Para os jovens é o pilar de seu projeto de vida, o catalizador de sua integração à sociedade e o caminho para participar de círculos sociais e políticos mais amplos”.

O Dia Mundial da Assistência Humanitária, amanhã, será celebrado depois de um dos momentos mais significativos dos últimos tempo que foi a Cúpula Mundial Humanitária, realizada em Istambul, na Turquia.

O principal objetivo desse encontro foi que os governantes desse seu apoio coletivo à nova Agenda para a Humanidade e que se comprometessem com medidas contundentes para reduzir o sofrimento e fazer mais esforços pelos milhões de pessoas que necessitam de ajuda humanitária.

Mais de 500 milhões de crianças vivem em áreas com muitas inundações e 160 milhões em zonas com secas severas. E, dos 530 milhões em zonas alagáveis, cerca de 300 milhões estão em países onde mais da metade da população é pobre. Foto: Unicef
Mais de 500 milhões de crianças vivem em áreas com muitas inundações e 160 milhões em zonas com secas severas. E, dos 530 milhões em zonas alagáveis, cerca de 300 milhões estão em países onde mais da metade da população é pobre. Foto: Unicef

A cúpula só conseguiu atrair a atenção mundial para a atual emergência humanitária, mas não pôde mobilizar os tão necessários fundos urgentes para aliviar o sofrimento dos mais de 160 milhões  de pessoas que vivem em condições-limite, apenas US$ 21 bilhões, uma quantia razoável.

A campanha “opções impossíveis” foi lançada em abril deste ano para que os governantes do mundo participassem da cúpula e se “comprometessem com a ação”.

O lançamento amanhã da fase final dessa grande iniciativa digital da ONU coincidirá com o Dia Mundial da Assistência Humanitária e continuará até setembro, quando o secretário geral da ONU apresentar na Assembleia Geral o informe sobre a Cúpula Mundial Humanitária.

Nesse dia também será lançada outra campanha digital, “o mundo que gostaria”. De forma semelhante ao popular jogo “O que você prefere”, esta campanha revelará os verdadeiros contextos em que vivem as pessoas em situações de crise.

Após conhecer as difíceis alternativas, os usuários poderão compartilhar um gráfico personalizado nas redes sociais tuitar aos seus governantes a respeito e saber mais sobre a Agenda par à Humanidade.

É difícil para a ONU criar consciência entre dirigentes políticos e mobilizar a humanidade, bem como impulsionar ações contundentes para aliviar, terminar e, com sorte, prevenir o sofrimento humano sem precedentes.

E, no entanto, as grandes potências continuam gastando US$ 1,7 trilhão ao ano na fabricação e no comércio de armas.

Uma humanidade? Sim. Mas de quem para quem? Envolverde/IPS

*Este artigo faz parte de uma cobertura especial da IPS pelo Dia Mundial da Assistência Humanitária, celebrado em 19 de agosto.