Por Stella Paul, da IPS –
Mahbubnagar, Índia, 29/2/2016 – “O casamento precoce arruína o corpo das meninas e as deixa com danos psicológicos. É impossível que alguém se diga crente e apoie algo assim”, afirmou VirayyaShastri, sacerdote principal do tempo MaddiMaduguAnjaneyaSwamy, neste distrito de Mahbubnagar, no sul da Índia. A ira é um demônio interno que devemos nos esforçar muito para controlar, insistiu Shastri. Mas, ao falar do casamento infantil, fica extremamente difícil manter a calma.
Duas vezes ao ano, em dezembro e março, milhões de pessoas visitam o templo MaddiMadugu para rezar ao deus hindu Hanuman. Durante anos, dentro dessas festividades, foram celebrados casamentos em massa com noivas menores de idade. Porém, desde 2013, o casamento infantil está proibido graças à forte oposição de Shastri, que também consegui sensibilizar outros 200 sacerdotes de distritos e Estados vizinhos contra essa prática.
No pequeno povoado de Amrabad, a 44 quilômetros do templo, o sacerdote ShriKumarSharma pendurou um cartaz diante de sua casa alertando sobre as penalidades legais para punir o casamento de menores de idade. O casamento infantil é um crime, está escrito, e toda pessoa a ele vinculada é passível de ser condenada a dois anos de prisão e a pagar multa de centenas de milhares de rúpias.
No pequeno escritório que tem em sua casa, o sacerdote guarda registros de cada casal que casou: fotografias, cópias dos documentos de identidade, certificados de “sem objeção” do conselho da aldeia e certidão de nascimento, bem como outros mais do ritual de casamentos que ele mesmo elaborou. “Alguns riem de mim. Dizem ‘seu trabalho é encontrar uma data propícia (para o casamento), porém se converteu em um contador’. Mas é uma luta importante contra uma prática perniciosa”, afirmou Sharma, pai de uma adolescente.
Junto com Sharma, são 14 os líderes religiosos que se opõem ao casamento infantil, inclusive o clérigo muçulmano QaziSardarQawali e o padre cristão ShyamSundar. O movimento de religiosos contra o casamento de menores de idade começou em 2012, depois que uma pesquisa realizada dentro da iniciativa da MV Foundation em 43 aldeias perto de Amrabad mostrou que havia pelo menos 24 meninas casadas na região.
As razões da vigência do casamento infantil são várias, pobreza, propriedade, trabalho infantil, falta de confiança na educação e ignorância sobre as consequências negativas para as meninas. Após a pesquisa, a organização lançou um projeto de luta contra uma prática prejudicial para as meninas baseando-se na estratégia de Fortalecer o Sistema Existente e que apostou em envolver os líderes religiosos da região.
“Os pais podem escolher uma noiva para seu filho, mas necessitarão de um sacerdote que oficie o casamento”, pontuou A V MSwamy, da MV Foundation. “Então pensamos em envolver os sacerdotes que obviamente têm tremendo poder e autoridade. Além disso, se ajustava ao nosso princípio de incluir todos na resolução de um problema social”, acrescentou.
O projeto incluiu a realização de um painel organizado por Swamy e sua equipe especial para os religiosos de todas as confissões da região. O espaço permitiu falar sobre como o casamento infantil afeta a saúde física e mental das meninas, além de prejudicar sua educação e liberdade. Também foram informados sobre as consequências legais para toda pessoa vinculada ao casamento de menores de idade, segundo a Lei de Proibição do Matrimônio Infantil, de 2006.
“Digo aos meus companheiros sacerdotes que os órgãos das meninas que se casam antes da idade legal (18 anos) não estão bem formados e nem prontos para consumar o casamento, nem para gerar filhos. Não podemos fazer parte de algo que coloca em risco suas vidas”, explicouShastri.
Os funcionários do governo local também aderiram à iniciativa, disserem numerosos religiosos. Sharma contou o caso de uma menina de 16 anos da aldeia de Padra, cujos pais fraudaram uma certidão de nascimento para constar que sua filha tinha 19 anos. Em dúvida, o sacerdote se comunicou com um funcionário do escritório administrativo local para verificar a autenticidade do documento. Após um rápido exame, este lhe confirmou que efetivamente era falso e mandou a polícia resgatar a jovem.
“As pessoas casam suas filhas por diferentes razões, alguns estão obcecados com a virgindade e a pureza, outros temem que tenham um romance e desonrem a família, e outros o fazem por dinheiro”, detalhouSharma. “Temos que ter enfoques diferentes para enfrentar as diferentes situações”, acrescentou.
NillikantiParvatiamma, agora com 16 anos e residente na aldeia de Chitlamkunta, é um exemplo dessa prática, porque seus pais quiseram casá-la quanto tinha apenas 14 anos. “Queriam contribuir com uma grande quantidade de dinheiro e terras como presente de casamento. Decidiram me casar com um homem de 28 anos, mas que era um familiar, para que os presentes ficassem na família”, contou a adolescente. Para sua sorte, a oportuna intervenção dos religiosos, ativistas e funcionários do governo local conseguiu impedir o casamento.
Segundo um informe da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2014, um em cada três casamentos infantis (cerca de 240 milhões de casos) ocorre na Índia. O principal motivo, segundo G Krishnaiya, funcionário administrativo de Amrabad, é a ignorância e falta de educação da comunidade. Ele contou que em Mahbabubnagar o esforço coletivo dos líderes religiosos teve muito êxito para conscientizar e conseguir que a prática já não aconteça tão comumente.
Mas a luta não está terminada, destacouKrishnaiya. “Há muita migração nacional. As famílias emigram e percorrem grandes distâncias e casam suas filhas em distritos afastados. Às vezes, inclusive, o fazem no meio da noite, quando ninguém vê. Nos últimos dois meses, interrompemos seis casamentos. Temos que estar alertas”, ressaltou. Envolverde/IPS