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Mudança climática afeta pesca e lagos

Estudos demonstram que as espécies locais de peixes de Uganda, capturadas no lago Victoria, diminuem devido à elevação da temperatura em razão da mudança climática. Foto: Wambi Michael/IPS
Estudos demonstram que as espécies locais de peixes de Uganda, capturadas no lago Victoria, diminuem devido à elevação da temperatura em razão da mudança climática. Foto: Wambi Michael/IPS

Por Wambi Michael, da IPS – 

Kampala, Uganda, 27/8/2015 – A mudança climática reduz o número de algumas espécies de peixes nos lagos de Uganda e de seus vizinhos na África oriental, com consequências negativas para milhões de pessoas que dependem da pesca para se alimentar e ganhar a vida. Numerosos estudos realizados em lagos deste país, inclusive no Victoria, compartilhado por três países, indicam que espécies locais de peixes diminuíram devido ao aumento da temperatura da água.

“No lago Victoria e em outros há uma mudança na composição dos peixes. Antes dominavam exemplares grandes, e agora a reserva está composta de peixes pequenos”, disse à IPS Jackson Efitre, especialista em gestão pesqueira e ciências aquáticas da Universidade de Makerere, em Uganda. “Isso significa que esses são os que se adaptaram bem às condições variáveis”, acrescentou. “Se continuar assim, a pergunta é se veremos nossa população de peixes dominada por exemplares de tamanho e valor menores”, ressaltou.

Em Uganda, a pesca representa 2,5% do orçamento nacional e 12,5% do produto interno bruto (PIB) agrícola. Emprega 1,2 milhão de pessoas, gera cerca de US$ 100 milhões em exportações e fornece aproximadamente 50% das proteínas da dieta dos seu habitantes.

Efitre participou do estudo Aplicação de Políticas Para Enfrentar a Influência da Mudança Climática nos Ecossistemas Ribeirinhos e Aquáticos Internos, na Pesca e nos Modos de Vida, que analisa a influência da variabilidade climática e da mudança nos recursos pesqueiros e no modo de vida, com estudos de casos dos lagos Wamala e Kawi, nas bacias dos rios Victor e Kyoga. Também avalia até que ponto as políticas atuais podem ser aplicadas para amenizar os impactos da mudança climática, bem como qualquer outro problema relacionado.

As conclusões do estudo indicam que as temperaturas no entorno dos lagos sempre variaram, mas aumentam de forma constante entre 0,02 e 0, 03 graus Celsius ao ano desde a década de 1980, e que as precipitações se desviaram das médias históricas, sendo que no lago Wamala, mas não no Kawi, se situam, geralmente, acima da média desde então. Os resultados são consistentes com o informe do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) de 2007 e 2014 para a região da África oriental.

“Os peixes dependem do ambiente”, afirmou Mark Olokotum, outro dos pesquisadores. “E se aumenta a quantidade de peixes capturados para se ter mais exemplares ou se adquire mais equipamentos para pescar mais. Quando isso acontece, se passa mais tempo pescando, e se ganha muito menos apesar de o preço ser alto porque não há peixes. Por isso, as pessoas comem o que encontram”, pontuou.

Olokotum explicou que o equilíbrio hídrico da maioria dos sistemas aquáticos de Uganda está determinado pelas chuvas, e a temperatura pela evaporação. Cerca de 80% do ganho de água no lago Wamala procede da chuva, enquanto 86% da perda é pela evaporação, o que leva a um equilíbrio negativo e à impossibilidade de o lago reter os níveis históricos de água, destacou.

“Embora se preveja que as chuvas aumentarão na África oriental pela mudança climática, o ganho poderá ficar neutralizado pela maior evaporação associada à elevação da temperatura, a menos que o aumento das chuvas supere a perda de evaporação”, destacou Olokotum.

Essas mudanças dificultaram a vida de pessoas como Clement Opedum e seus oito filhos, que dependem do lago para se alimentar e ganhar a vida. Opedum sempre dependeu do lago Wamala para viver. Antes, a venda de tilápia, com a qual vivia toda sua família e as de outros pescadores, era rápida nos distritos vizinhos, e alguns compradores procediam da República Democrática do Congo. Ao longo dos anos, o lago se afastou de sua antiga faixa costeira, deixando Opedum e seus vizinhos desprovidos e diante da ameaça de seu desaparecimento total.

Outro pescador da região, Charles Lugambwa, teve que se dedicar à agricultura e agora cultiva inhame, batata doce e feijões, em um terreno que antes estava debaixo da água. Ele contou à IPS que, além da tilápia, começaram a desaparecer outras espécies do lago, em 30 ou mais anos em que reside na região. “Em 1994, o lago secou completamente, mas voltou em 1998 após fortes chuvas. Costumávamos pescar tilápias bem grandes, mas agora são bem pequenas, apesar de serem exemplares adultos”, acrescentou.

Cientistas explicam que as causas da redução do lago incluem a evaporação, o aumento de cultivos em suas margens, o corte de árvores e a destruição dos mangues, enquanto a redução do tamanho da tilápia se relaciona com o aumento da temperatura devido ao aquecimento global.

O pesquisador Richard Ogutu-Ohwayo, do Instituto Nacional de Pesquisa de Recursos Pesqueiros, disse à IPS que a resposta à mudança climática em Uganda se concentra na agricultura, na pecuária e na silvicultura, praticamente sem atender o setor pesqueiro. “É hora de o governo tomar medidas para incorporar os ecossistemas aquáticos e a pesca às respostas contra a mudança climática”, enfatizou.

Segundo Ogutu-Ohwayo, a Convenção Marco das Nações Unidas para a Mudança Climática e a Política da Comunidade da África Oriental sobre Mudança Climática preveem construção de capacidades, geração de conhecimento e identificação de medidas de adaptação e mitigação para reduzir os impactos da mudança climática, mas apenas se forem implantadas.

Uganda possui uma política hídrica que prevê a proteção e a gestão do recurso, pontuou Ogutu-Ohwayo, e “devemos aplicá-la para administrar a água nos lagos Wamala, Kawi e outros, mediante um enfoque integrado que inclua a proteção dos mangues, as margens lacustres e as margens fluviais, bem como controlar a extração de água”. Como outras nações da África oriental, Uganda tem uma grande dependência da captura pesqueira ou da pesca natural, com uma tendência a marginalizar a aquicultura na hora de destinar recursos e desenvolver recursos humanos.

Como a mudança climática faz com que diminua o tamanho dos peixes e das reservas pesqueiras, os especialistas dizem que a pesca nos lagos já não basta para atender a demanda, seja do consumo local ou para exportação. As unidades de processamento de pescado próximas ao lago Victoria, por exemplo, operam com menos de 50% de sua capacidade e algumas já fecharam.

Justus Rutaisire, responsável de agricultura na Organização Nacional para a Pesquisa em Agricultura de Uganda, observou à IPS que essa técnica poderia ser usada como uma das medidas de adaptação para ajudar as comunidades pesqueiras a completar suas necessidades. Mas acrescentou que, na maioria dos países da África oriental, o desenvolvimento da aquicultura está limitado pela pouca adoção das tecnologias apropriadas, pelo inadequado investimento em pesquisa e em serviços de extensão. “Se não podemos acordar medidas e implantá-las com rapidez, estamos condenando à morte essas comunidades”, alertou. Envolverde/IPS