Por Wambi Michael, da IPS –
Kampala, Uganda, 19/2/2016 – Monica Mayimuna (nome fictício) é portadora do vírus HIV há mais de dez anos e quer ter um bebê, mas não pode porque em um hospital público de Uganda teve seu útero retirado contra sua vontade quando foi dar à luz ao seu filho mais novo, agora com oito anos. “Retiraram meu útero em 2007. O médico me perguntou por que estava grávida. Respondi que queria ter um terceiro filho. E ele respondeu ‘vocês que vivem com HIV nos irritam porque entendem sua situação, mastambém vêm nos molestar’”, contou.
“Tive o bebê por cesariana. Nesse momento não sabia que haviam retirado meu útero. O tempo passou e quis ter outro filho. Esperei um ou dois anos, mas não engravidei. Fui ao hospital saber o motivo, e então me contaram. Fiquei enlouquecida e me perguntei por que os médicos não me informaram nem deram uma explicação”, acrescentou Mayimuna.
Ela é uma das mulheres cujo caso ficou documentado em uma pesquisa realizada pela Comunidade Internacional de Mulheres que Vivem com HIV/aids da África Oriental (ICWEA), como parte de uma campanha para melhorar os direitos de saúde sexual e reprodutiva de um milhão de jovens afetados pelo vírus causador da aids, em cinco países africanos e asiáticos.
A pesquisa abrangeu 744 mulheres soropositivas de Uganda e foi a primeira de seu tipo a documentar supostos casos de esterilização forçada. A ICWEA e outros grupos também documentaram 50 casos adicionais no Quênia. Dorothy Namutamba, integrantedessa organização, detalhou à IPS que, das 72 esterilizações registradas pela pesquisa, 20 são de mulheres que foram obrigadas a se submeterem à operação irreversível.
“A maioria dos casos ocorreu em hospitais públicos durante o parto por cesariana. Onze mulheres (com idade média de 29 anos) foram forçadas à esterilização. Os trabalhadores da saúde não as informaram corretamente sobre o procedimento. Elas não assinaram nenhum formulário de consentimento. Algumas só ficaram sabendo anos mais tarde, quando não conseguiram engravidar”, disse Namutamba.
Segundo a ativista, “nesses casos as mães eram mal informadas. Por exemplo, entenderam que o procedimento seria reversível, que as trompas atadas poderiam ser desatadas mais tarde. Ou os trabalhadores da saúde as convenciam de que a esterilização seria a melhor opção”.
Entre os efeitos da esterilização forçada estão traumatismo psicossocial, perda da identidade feminina, abandono dos cônjuges e violência de gênero devido à incapacidade para conceber filhos. “Várias mulheres relataram isolamento social (incapacidade para encarar a comunidade e a família). As demandas dos maridos para ter mais filhos tiveram grande impacto em seu bem-estar”, pontuou Namutamba.
A diretora executiva da ICWEA, Lillian Mworeko, informou que alguns casos de esterilização ocorreram em 2014. As mulheres que vivem com HIV em Uganda experimentam diversas formas de violação de seus direitos sexuais e reprodutivos, que vão desde falta de informação, maus-tratos durante o processo de busca dos serviços de saúde reprodutiva nos centros sanitários, até esterilização forçada, denunciou.
Mworeko considera que é preciso investigar mais para averiguar o motivo de o pessoal de saúde coagir as mães a aceitarem a esterilização. “Nosso interesse se centrou principalmente nas mulheres que vivem com HIV. Mas concluímos que a esterilização forçada é uma prática generalizada com incentivos para os trabalhadores da saúde”, ressaltou.
Segundo Mworeko, a prática tem “apoio de algumas organizações. Funciona assim: tragam as mulheres, que sejam esterilizadas e que os trabalhadores da saúde recebam dinheiro”. Elas foram obrigadas, mesmo que os avanços científicos confirmassem que as mulheres HIV positivas dão à luz filhos sem o vírus, destacou.
“Não podemos continuar trabalhando com políticas concebidas em uma época em que não tínhamos tratamento. Devemos avançar com a ciência, com a evidência. Se dizemos que as mulheres podem ter bebês HIV negativos, o que estão dizendo nossas políticas?”, questionou Mworeko. “Como o trabalhador da saúde segue com a ideia de que esta mulher é HIV positiva e a única solução é fazer com que deixe de dar à luz”, enfatizou.
Barbirye Joy (nome fictício) é outra vítima da esterilização forçada. Tinha 23 anos em 2010 ,quando o pessoal da saúde, em conivência com suas irmãs, a obrigaram a adotar esse método anticoncepcional permanente. “Minha irmã me levou ao médico quando estava prestes a dar à luz. Não pedi a esterilização, mas ela disse que o médico a recomendava. Não me deu informação alguma sobre o procedimento e não tive chance de fazer perguntas”, contou a jovem.
“Depois descobri o que me fizeram, quando fui fazer exames. A máquina revelou que minhas trompas de Falópio estavam cortadas. Não me disseram nada nem assinei um documento consentindo”, acrescentou Joy.
John Baptist Wanyayi, o médico encarregado em Mbale, um dos distritos onde foi realizada a pesquisa, afirmou que no contexto atual a esterilização só é feita com o consentimento da mulher ou do marido. “Na maioria dos casos os médicos consideram os perigos que a grávida corre nesse período e que podem ser o fator determinante para essas esterilizações nessa etapa. Porque se teme que a próxima gravidez seja perigosa para essa mãe e provavelmente a condição do HIV não tenha sido o fator primordial”, ponderou.
Segundo Wanyayi, no período pré-natal é possível que as mulheres consintam com o método anticoncepcional permanente e depois mudem de opinião, quando querem ter outro filho. Os resultados da pesquisa revelam as contradições existentes entre as políticas de gestão e atenção do HIV e o planejamento familiar em Uganda, destacou.
Patrick Tusiime, médico encarregado em outro distrito integrante da pesquisa, enfatizou à IPS que a esterilização forçada é uma violação grave dos direitos de saúde reprodutiva da mãe. “Muitos desses casos são ações individuais. Mas devemos incluir as parteiras e chamar sua atenção. Porque quando o pessoal de enfermagem ou médico se forma na faculdade de medicina não nos dizem para esterilizar as pessoas contra sua vontade”, afirmou. Envolverde/IPS