Por BaherKamal, da IPS –
Madri, Espanha, 2/3/2016 – Quando o tsunami de pânico em torno de uma potencial capacidade iraniana de produzir armas nucleares atingiu seu ápice, há cerca de três anos, uma campanha diplomática e nos meios de comunicação se estendeu como uma mancha de óleo, alertando que um país do Golfo teria intenção de produzir bombas atômicas.
Agora que o Organismo Internacional de Energia Atômica anunciou, em 18 de janeiro, que havia verificado que o Irã completou os passos que garantem que seu programa nuclear será exclusivamente pacífico, em aplicação ao acordo entre Teerã e o chamado Grupo 5+1 (China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia, mais a Alemanha) para prevenir o risco de um eventual programa nuclear militar em troca de levantar as pesada sanções, uma nova onda de histeria nuclear parece ter se desatado na região.
Vejamos do que se trata.Durante a Conferência de Segurança de Munique, realizada nos dias 13 e 14 de fevereiro, foi assegurado que no Golfo há países interessados em obter armas nucleares.“Estados do Golfo buscam armas nucleares para enfrentar o ‘mau’ Irã e mantêm reuniões clandestinas com Israel, apesar de não terem laços oficiais com TelAviv”, teria reveladoo ministro da Defesa de Israel, MosheYaalon, durante a conferência, de acordo com informação divulgada pelo canal russo RT, no dia 15 de fevereiro.
“Vemos sinais de que os países no mundo árabe se preparam para adquirir armas nucleares, e não estão dispostos a ficar sentados tranquilamente com o Irã à beira de uma bomba nuclear ou atômica”, teria dito Yaalon aos seus colegas em Munique. O ministro israelense não mencionou nenhum país especifico nem forneceu evidências em apoio à sua afirmação, afirmou o canal RT.
Porém, a emissora acrescentou que o ministro “fez uma declaração surpreendente, no sentido de que os Estados do Golfo – oficialmente hostis a TelAvivpor sua ocupação da Cisjordânia – teriam mantido reuniões clandestinas com Israel”. E “não só Jordânia e Egito”, disse o canal russo, se referindo aos únicos países árabes que assinaram tratados de paz com Israel.
Segundo a versão da RT, Yaalon“falou dos Estados do Golfo e do norte da África também. Infelizmente, não estão aqui para ouvir. Para eles, o Irã e os IrmãosMuçulmanos são o inimigo. O Irã é o mau para nós e para os regimes sunitas. Eles não cumprimentam os israelenses em públicos, mas se encontram com eles em locais fechados”.
No dia 20 de fevereiro a RT colocou em seu serviço em espanhol uma informação com o título Analista saudita à RT: a Arábia Saudita tem bombas atômicas, não é nenhuma notícia.“Riad adquiriu bombas atômicas em 2014 e seu primeiro teste nuclear aconteceria em questão de dias, afirmou à RT um analista político saudita”, dizia a nota. “Temos bombas atômicas. Isso não é nenhuma notícia. As potências mundiais sabem que temos a bomba e que queremos testá-la. Isso poderia já ter ocorrido se o Irã tivesse realizado uma prova nuclear”, declarou à RT o destacado analista político saudita Daham al Anzi.
Fontes norte-americanas disseram, em maio de 2015, que militares da Arábia Saudita haviam viajado ao Paquistão, país aliado, para adquirir armas atômicas “disponíveis para venda”. Essa ação do setor militar saudita foi motivada pela preocupação de Riad diante de uma hipotética ameaça nuclear por parte do Irã, segundo o canal RT.
Em todo caso, essa não é a primeira vez que se apresenta o risco de os países do Golfo poderem adquirir armas nucleares. O príncipeTruki al Faisal, ex-embaixador saudita nos Estados Unidos, afirmou, há mais de dois anos, que as ameaças nucleares de Israel e do Irã poderia obrigar a Arábia Saudita a seguir seu exemplo.
Tal com afirmou o jornal norte-americano The Wall Street Journal, em novembro de 2013, os sauditas podem concluir que a aceitação internacional de um programa nuclear de algum tipo pelo Irã pode obrigá-los a “buscarem sua própria capacidade de armas nucleares por meio de uma simples compra”. O Paquistão, cujo programa nuclear foi financiado em parte pelos sauditas, seria a fonte mais provável.
Essas informações e outras semelhantes trazem à mente o debate de mais de meio século de duração em torno da proposta árabe, encabeçada pelo Egito, de liberar o Oriente Médio de todas as armas de destruição em massa, começando pelas nucleares. De fato, os 22 Estados que formam a região árabe são todos signatários do Tratado a de Não Proliferação Nuclear (TNP), que se reúne a cada cinco anos para revisar a aplicação desse acordo mundial para a prevenção da proliferação das ogivas atômicas.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, em 1995, uma resolução destinada a conseguir esse objetivo, mas as sucessivas reuniões do TNP fracassaram em seus esforços para avançar nessa direção, devido à posição israelense, apoiada pelos Estados Unidos, contra qualquer tentativa que implique que TelAvivtenha de desmantelar seu arsenal nuclear.
Existe consenso mundial de que Israel possui entre 210 e 250 ogivas nucleares, quantidade que supera a soma das que têm a Índia (80) e o Paquistão (90). O governo israelense se nega sistematicamente a confirmar ou negar a existência do arsenal. A única tentativa de aplicar a resolução do Conselho de Segurança de 1995 aconteceu em 2010, quando a reunião de acompanhamento do TNP propôs uma conferência internacional para examinar a possibilidade de declarar o Oriente Médio zona livre de armas atômicas.
Após intensos esforços para encontrar um país disposto a acolher a conferência, a Finlândia se ofereceu para organizá-la, mas as negociações posteriores fracassaram em sua concretização.Diante dessa nova frustração e das arriscadas apostas das grandes potências militares na região, os países árabes em geral, e do Golfo em particular, voltaram ultimamente a expressar temores em relação ao programa nuclear do Irã, e a falar novamente de armas nucleares.
No entanto, os Estados árabes anunciaram sua firme oposição a todo tipo de atividade nuclear na região. De fato, no período transcorrido entre as reuniões do TNP de 2010 e 2015, estadistas árabes reafirmaram essa posição.
Por exemplo, o ministro de Assuntos Exteriores do Bahrein, xeque Khalid Bin Ahmed Bin Mohamed al Khalifa, disse à IPS, em 2013, que seu país e os demais do Golfo não querem nem ouvir falar de atividade nuclear alguma, inclusive com fins pacíficos. E acrescentou que a razão é que mesmo as atividades nucleares civis, de qualquer natureza, têm um forte impacto negativo sobre a vida e o sustento dos povos do Golfo, ao contaminar as águas e sua riqueza piscícola, para não falar do risco de um acidente nuclear.
“Essa posição do Bahrein continua válida e é aplicável a todos os Estados do Golfo”, reiterou agora à IPS um ex-alto funcionário desse país. “Nenhum de nós quer ter algo a ver com armas atômicas. Mas é preciso entender nossos temores diante de um Israel nuclear e um potencial Irã nuclear. Temos que nos defender, proteger nosso povo”, ressaltou. Envolverde/IPS