Por Iralís Fragiel, da IPS –
Cidade do Panamá, Panamá, 2/3/2016 – A esperada entrada em operação das novas eclusas do Canal do Panamá acontecerá em meio a desafios, devido às nuvens negras sobre a economia mundial e em particular sobre a China, mas as autoridades locais e especialistas veem sem alarme o impacto para a via ampliada.
A desaceleração da economia da China, segundo cliente da rota interoceânica, com fluxo de 48.419.974 toneladas em 2015, é um dos fatores de apreensão sobre esse importante motor da economia panamenha, que no ano passado cresceu 6%, a maior taxa da América Latina.
O início das operações do canal ampliado – prevista para maio ou junho –, nesse contexto, não preocupa Luis Ferreira, porta-voz da estatal e autônoma Autoridade do Canal do Panamá (ACP). “Quando houve problemas econômicos no passado, perdemos basicamente de 2% a 3% da carga. Pode ser que aconteça o mesmo desta vez, mas não esperamos uma redução substancial, a menos que exista uma completa recessão na China”, opinou à IPS.
No ano passado, o produto interno bruto (PIB) da China aumentou 6,9%, contra 7,3% em 2014, confirmando a freada da potência asiática, após ver sua economia crescer por vários anos a um ritmo superior a dois dígitos.As obras de ampliação do canal – que em 2014 completou seu centenário e movimenta,em seus 80 quilômetros, em torno de 2,5% do comércio mundial –tiveram investimento de US$ 5,25 bilhões e começaram no dia 3 de setembro de 2007.
Com esse megaprojeto, realizado pelo Grupo Unido pelo Canal, encabeçado pela construtora espanhola Sacyr, o Panamá espera aumentar o tráfego diário, dos atuais 35 a 40 navios, para 48 a 51 embarcações.
As novas eclusas, que sobem ou baixam os navios para equilibrar a diferença entre o nível do mar e o lago do canal, também permitirão a circulação de navios de maior capacidade. Atualmente transitam pelo canal embarcações de até cinco toneladas, e com a ampliação também poderão trafegaros chamados navios neopanamax,de até 13 mil toneladas.
Dessa forma, para além da conjuntura, para os setores produtivos panamenhos a ampliação é uma promessa de crescimento econômico. A equipe de especialistas em comércio internacional da ACP disse à IPS que não houve impacto pelo enfraquecimento da economia mundial na atividade do canal no ano passado, e tampouco se espera que isso aconteça em 2016.
“Os volumes de matéria-prima para uso industrial, como carvão e minério de ferro, destinados à China, não são significativos (para o canal), considerando que há fontes mais próximas na Austrália e no Brasil que não utilizam a via aquática”, apontou os especialistas da ACP em sua resposta coletiva. Por outo lado, os volumes de grãos, especialmente soja, cresceram em bom ritmo nos últimos anos devido ao aumento no consumo de alimentos na China.
Além disso, consideram que a ampliação do canal “abrirá novas oportunidades para os fluxos comerciais de produtos não tradicionais, como gásnatural liquefeito, e oferecerá economia em escala, que tornará mais atraente o uso da rota pelo Panamá para segmentos como os portacontêineres e graneleiros secos”.
As toneladas de carga por origem e destino se mantiveram estáveis nos últimos três anos, segundo a ACP, enquanto os Estados Unidos continuam como maior usuário do canal entre os oceanos Atlântico e Pacífico, com carga total de 160.780.317 toneladas em 2015.
Um exemplo dessa estabilidade foi a carga intercambiada entre os dois maiores clientes. Da China para os Estados Unidos transitaram 10.376.544 toneladas em 2013, 10.963.983 em 2014, e 10.915.510 no ano passado. Dos Estados Unidos para a China foram contabilizadas 24.953.313 toneladas em 2013, 30.771.508 em 2014, e 30.205.802 em 2015.
Diante do cenário econômico chinês e dos intercâmbios no uso de fontes de energia, a ACP também se prepara para o tráfego de navios de gás natural liquefeito. “Avalia-se a incursão em novos negócios que reforcem o conglomerado de transporte e logística, como é o caso do porto de Corozal e a criação de um parque logístico que complementariam as operações do canal ampliado”, disseram os especialistas da ACP.O ingresso do canal em 2015 totalizou US$ 2,610 milhões, contra US$ 2,534milhões em 2014, equivalentes a 5,61% do PIB panamenho.
JordiPrat, economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a América Central, assegurou à IPS que o Panamá tem “um cenário econômico positivo, mas com riscos” e que, no caso do canal, os Estados Unidos,país do qual mais depende, “estão crescendo a uma taxa relativamente boa”, embora a vulnerabilidade possa aumentar se a situação chinesa piorar.O desafio do país é manter as porcentagens de crescimento entre 6% e 8% ao ano e em prevenir baixas no fluxo de comércio marítimo, com o impulso de outras fontes de crescimento, pontuou.
Prat recordou que, no período compreendido entre 2000 e 2014, os setores que mais cresceram no Panamá foram os da construção (37%), de transporte e logística (22%), financeiro (15%) e serviços públicos (12%). E ressaltou que, além das variáveis econômicas, a inclusão se torna chave para o desenvolvimento desse país de quatro milhões de habitantes.
O Panamá conseguiu reduzir de 38,3% para 25,8% a população em situação de pobreza, entre 2006 e 2014, recordou o economista, mas a desigualdade se expressa no fato de que, das pessoas nessas condições, 47% vivem nas cidades, 49,7% na área rural e 86,9% nas comarcas autônomas indígenas. Por isso, afirmou que o Panamá deve avançar para “um crescimento inclusivo, por meio do fomento ao capital humano, à educação, ao acesso à saúde e aos serviços básicos, para que a produtividade aumente, porque não aumentou significativamente nesses tempos”.
O analista e advogado Rodrigo Noriega concorda com Prat quanto ao Panamá ter que “pegar firme” na questão educacional, na formação e pesquisa científica, para consolidar seu desenvolvimento. “É onde estamos vacilantes, e a educação, e a corrupção, há muito tempo afetam e prejudicam a economia panamenha”, ressaltou.
Para Noriega, pode ser que a economia registre um ritmo mais lento entre 2016 e 2017, por fatores externos e pelo impacto da seca provocada pelo fenômeno climático El Niño-Oscilação do Sul. “Estes fatores externos podem estar roubando do PIB panamenho entre 2% e 2,5% ao ano. Estamos falando de que o PIB poderia estar crescendo entre 7,5% e 8% e o faz entre 5% e 5,5%”, pontuou.
Porém, esse analista destacou que uma obra como a ampliação do canal não se encara pensando no curto prazo, mas para atender necessidades dos próximos 30 a 50 anos. “Haverá anos lentos, mas isso até nos convém, porque temos um problema de escassez nesse momento. Convém que o tráfego de navios não seja tão grande, para podermos nos recuperar em matéria de água e dar os passos de bebê para aprender a lidar com as grandes embarcações”, observou Noriega.
Assim, para este advogado, a mensagem sobre a ampliação do canal e as perspectivas econômicas do Panamá desembocam em uma única palavra: confiança. Envolverde/IPS