Por Patricia Grogg, da IPS –
Havana, Cuba, 23/2/2016 – Os presidentes dos Estados Unidos, Barack Obama, e de Cuba, Raúl Castro, já garantiram seu lugar na história como dois estadistas que passaram por cima de hostilidades de mais de meio século e aproximaram os dois países vizinhos, que têm muitos interesses em comum para continuarem se enfrentando. Quando Obama visitar Havana, nos dias 21 e 22 de março, será a quarta vez que se encontrará com Castro, mas a primeira vez que um governante norte-americano será hóspede do governo de Havana desde 1928.
Em dezembro de 2013, na África do Sul, ambos apertaram pela primeira vez as mãos, tendo como pano de fundo o funeral do ex-presidente Nelson Mandela. Então, poucos imaginavam que haveria outros encontros, já não fortuitos, e menos ainda que seriam restabelecidas as relações diplomáticas e Obama visitaria Cuba como mandatário.No entanto, as diplomacias dos dois países já trabalhavam em segredo, desde junho de 2013, com a mediação do Canadá e do papa Francisco, até surpreenderem o mundo, no dia 17 de dezembro de 2014, com a decisão de reatar os vínculos rompidos desde 3 de janeiro de 1961.
No ano passado, se encontraram no dia 11 de abril no Panamá, durante a Cúpula das Américas, e depois em Nova York, no dia 29 de setembro, durante a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Este foi o primeiro encontro nos Estados Unidos dos presidentes dos dois países após o triunfo da Revolução Cubana em janeiro de 1959.
Obama encontrará nesta ilha caribenha, separada da costa sudoeste norte-americana por apenas 90 milhas, gente que o admira e outras que nem tanto.Várias gerações cubanas cresceram sob a retórica anti-imperialista, segundo a qual todo mal provinha dos Estados Unidos, e, embora esta fosse baixando o tom nos últimos anos, ainda é grande o receio sobre “as boas intenções” de Washington para essa aproximação ou a incompreensão sobre por que agora se pode ser amigo do outrora “inimigo”.
Desde a oposição, a jornalista independente Miriam Leiva considera muito importante a visita de Obama. “O povo cubano receberá sua mensagem diretamente. Além disso, chega com resultados, suas medidas trouxeram benefícios, como o aumento das remessas de dinheiro, que melhora a vida de muitas pessoas, não apenas dos que a recebem diretamente”, afirmou à IPS.
Os Estados Unidos são o principal destino da emigração cubana e, portanto, também é o mais importante emissor de dinheiro para seus familiares em Cuba. Segundo dados oficias norte-americanos, no país vivem dois milhões de pessoas de origem cubana e seus descendentes. Desse total, 1,1 milhão nasceram em Cuba e 851 mil no vizinho do norte.
Razão demais para que a migração tenha sido o único tema que durante anos e de maneira regular, embora não sem conflitos, manteve os dois países na mesa de conversações. Nesses diálogos, Cuba critica, sem êxito, a Lei de Ajuste, vigente desde 1966, porque incentiva a emigração ilegal cubana para território norte-americano.
No primeiro contato, que marcou o caminho do degelo – encabeçado por Roberta Jacobson, secretária de Estado adjunta norte-americana para o Hemisfério Ocidental, e Josefina Vidal, diretora-geral dos Estados Unidos do Ministério das Relações Exteriores de Cuba – foram abordados temas que destacaram as áreas de interesse mútuo e de possível cooperação.
Essa agenda, integrada ao processo de discussões para a normalização dos laços bilaterais, inclui direitos humanos, telecomunicações, enfrentamento ao narcotráfico, proteção do ambiente, prevenção de desastres naturais e luta contra epidemias, entre outras áreas de interesse comum e de possível cooperação bilateral.
Ao completar um ano do anúncio de relações e já com suas respectivas embaixadas instaladas nos mesmo imóveis que ocuparam ao serem interrompidos os laços, o presidente Castro tornou público o balanço sobre o caminho percorrido e os temas pendentes, a seu ver, para a plena normalização das relações.
Entre os resultados mencionou a expansão da cooperação já existente em segurança aérea e da aviação, enfrentamento ao narcotráfico, emigração ilegal, tráfico de emigrantes e fraude migratória, enquanto foram abertas possibilidades de colaboração em proteção do ambiente, segurança marítimo-portuária e saúde, entre outros.
Delegações dos dois países trabalham atualmente assuntos mais complexos, com o das compensações mútuas, o tráfico de pessoas e os direitos humanos. Neste último tema,“temos profundas diferenças e estamos mantendo intercâmbios com base no respeito e na reciprocidade”, afirmou Castro.
No dia 20 deste mês, Obama falou sobre sua viagem a Havana e anunciou que conversará com seu colega cubano “sobre nossas sérias diferenças (…) incluindo os temas de democracia e direitos humanos”. As autoridades da ilha habitualmente rechaçam sinalizações sobre este assunto.Entretanto, no dia 18, Vidal disse que Havana está aberta a dialogar com o governo norte-americano sobre qualquer assunto, incluindo os direitos humanos, com base “em respeito, igualdade, reciprocidade e sem a intervenção nos assuntos internos”.
Em um comunicado, a Casa Branca adiantou que, além de manter uma reunião bilateral com Castro, Obama se encontrará “com membros da sociedade civil, empresários e cubanos de diferentes formas de vida”. Há a previsão de que entre seus interlocutores figurem representantes da dissidência interna, sem reconhecimento das autoridades locais, e do emergente setor privado.
Nos últimos 12 meses,vários governadores norte-americanos visitaram Cuba, junto com dezenas de congressistas e empresários. Também visitaram a ilha os secretários de Estado, John Kerry, de Agricultura, Thomas Vilsack, de Comércio,PennyPritzker, e de Transporte, Anthony Foxx, este último neste mês.Pritzker também foi anfitriã, entre 15 e 18 deste mês, do ministro cubano de Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro, Rodrigo Malmierca.
Durante essa visita ambos destacaram o interesse de avançar em sua área, embora tenham reconhecido que são necessárias mudanças para que os negócios bilaterais prosperem.A secretária pontuou que os empresários de seu país enfrentam em Cuba dificuldades como a exigência de as empresas estrangeiras contratarem pessoal cubano por intermédio de organizações estatais, ou quando precisam fazer contato com funcionários governamentais para discutir oportunidades de negócio, entre outros problemas.
Por sua vez, Malmierca reiterou que as medidas de flexibilização do embargo ordenadas por Obama são insuficientes e o mandatário tem prerrogativas para avançar mais na desmontagem das sanções, vigentes desde 1960. Nesse sentido, afirmou que a proibição do uso do dólar nas transações financeiras afeta tanto operações com empresas norte-americanas, como com as de qualquer parte do mundo.
A esse respeito, Gerard Dion, um ex-fuzileiro norte-americano, empresário e autor de Cuba Unchained (Cuba Desencadeada), história-novela sobre as relações de seu país com Cuba, está convencido de que Obama entende quais são as mudanças políticas, econômicas e legais que devem ocorrer conforme passa o tempo para convencer o Congresso dos Estados Unidos de que já é hora de levantar o embargo.“Acredito que ele discutirá esses assuntos com Raúl Castro e trabalhará fortemente para alcançar um acordo benéfico mútuo”, ressaltou à IPS por correio eletrônico. Envolverde/IPS