Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 26/8/2016 – “Onde quer que se encontre no mundo, sua vista ao redor, quase seguramente, verá algo que foi ou será transportado por mar, seja como matéria-prima, componente ou produto acabado”, afirma a Organização Marítima Internacional (OMI).“A cada noite, milhões de pessoas sentam-se em suas poltronas para assistir televisão depois de um árduo dia de trabalho e muitos comerão ou beberão algo. É provável que esse televisor tenha chegado de navio, que o grão do pão do sanduíche tenha chegado em um navio graneleiro e que o café também tenha vindo por mar”, segundo a OMI.
“Inclusive a eletricidade que o televisor utiliza e ilumina a sala provavelmente foi gerada usando combustível que chegou em um enorme petroleiro”, acrescenta a organização.Porém, pouca gente tem ideia de quanto depende do transporte marítimo.“É algo que deve ser considerado. E esse é o motivo de o tema escolhido para o Dia Marítimo Mundial de 2016, celebrado em 29 de setembro, ser O Transporte Marítimo: Indispensável Para o Mundo.
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) informa que cerca de 80% do comércio mundial em volume e mais de 70% em valor é transportado por mar. Essas porcentagens são mais altas no caso da maioria dos países em desenvolvimento, segundo a organização. “Há mais de 50 mil navios mercantes de comércio internacional, que transportam todo tipo de carga. A frota mundial está registrada em mais de 150 países e é tripulada por mais de um milhão de navegantes de quase todas as nacionalidades”, indica.
Entretanto, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) recorda que nem todo transporte marítimo é benigno. O artigo Uma Ameaça Flutuante: Os Contêineres Marítimos Propagam Pragas e Enfermidades, que a FAO publicou no dia 17 deste mês, destaca que, enquanto os vazamentos de petróleo atraem a atenção do público e geram preocupação, os chamados “lançamentos de origem biológica” supõem uma ameaça maior no longo prazo e não têm tanta repercussão.
“Um fungo estrangeiro acabou com milhares de milhões de castanheiras americanas no século 20, o que alterou drasticamente a paisagem e o ecossistema, enquanto hoje o inseto esmeralda do freixo – outra praga que se deslocou pelas rotas comerciais globais até novos habitats – ameaça fazer o mesmo com essa árvore valiosa, utilizada para fazer cabos para ferramentas, violões e mobiliário para escritório”, acrescenta a FAO.
Essa agência da ONU explica que talvez o maior “lançamento biológico” de todos os tempos ocorra quando um micro-organismo eucariota, semelhante a um fungo, chamado phytophthora infestans(o nome provém do grego e significa “destruidor de plantas”), partiu da América para a Bélgica. Em poucos meses chegou à Irlanda, desencadeando uma praga da batata que provocou uma fome mortal e uma migração populacional em massa.
Em Roma, as autoridades municipais intensificam sua campanha anual contra o mosquito-tigre, uma espécie invasora que chegou por navio à Albânia na década de 1970. O Aedes albopictus, conhecido por suas agressivas picadas, prolifera atualmente na Itália e o aquecimento global facilitará que colonize zonas da Europa setentrional.
Este é o motivo pelo qual os países do mundo se uniram há mais de seis décadas para aprovar a Convenção Internacional de Proteção Fitossanitária (CIPF), com o objetivo de ajudar a deter a propagação de pragas e enfermidades das plantas por intermédio do comércio internacional, e de proteger agricultores, silvicultores, a biodiversidade, o ambiente e os consumidores, diz o artigo da FAO.
“As perdas de colheitas e os custos gerados pelas pragas invasoras para combatê-las encarecem fortemente a produção de alimentos, fibras e forragens”, afirmou Craig Fedchock, coordenador da secretaria da CIPF na FAO. “Em conjunto, as moscas da fruta, os escaravelhos, os fungos e seus parentes reduzem os rendimentos dos cultivos mundiais entre 20% e 40%”, acrescentou.
As espécies invasoras chegam a novos habitats por diversas vias, mas a principal é o transporte marítimo, afirma a FAO.“Em todo o mundo são realizados cerca de 527 milhões de deslocamentos de contêineres marítimos a cada ano – a China movimenta sozinha mais de 133 milhões de contêineres por ano. Não é só a mercadoria que pode atuar como vetor para a propagação de espécies invasoras capazes de causar estragos ecológicos e agrícolas, mas também os próprios componentes de aço dos contêineres”, adverte a agência da ONU.
Por exemplo, uma análise de 116.701 contêineres para o transporte marítimo vazios, que chegaram à Nova Zelândia nos últimos cinco anos, revelou que um em cada dez estava contaminado externamente, o dobro da taxa de contaminação anterior.Segundo a FAO, “entre as pragas encontradas havia lagarta, caracol gigante africano, formigas argentinas e o percevejo malcheiroso marrom marmorizado. Todas elas ameaçam os cultivos, as florestas e os entornos urbanos. Por outro lado, os resíduos do solo podem conter sementes de plantas invasoras, fitopatológicos e nematódeos”.
“Os novos registros de inspeção nos Estados Unidos, na Austrália, China e Nova Zelândia indicam que milhares de organismos de uma ampla variedade estão sendo transportados involuntariamente nos contêineres marítimos”, afirmou Eckehard Brockerhoff, cientista do Instituto de Pesquisa Florestal da Nova Zelândia e responsável principal do citado estudo, em uma reunião na FAO da Comissão de Medidas Fitossanitárias (CMF), órgão reitor da CIPF.
Essas medidas fitossanitárias têm por objetivo assegurar que as plantas importadas estejam livres das pragas especificadas. A FAO alerta que o dano vai muito mais além de problemas relacionados com a agricultura e a saúde humana. As espécies invasoras podem obstruir os leitos fluviais e parar as centrais elétricas.
As invasões biológicas causam danos de aproximadamente 5% da atividade econômica mundial por ano, equivalente a uma década de desastres naturais, segundo um estudo. O impacto econômico de outras consequências mais difíceis de quantificar poderia duplicar esse valor, segundo Brockerhoff. Envolverde/IPS