Por NeetaLal, da IPS –
Anugondanahalli, Índia, 18/2/2016 – Logo pela manhã, vários agricultores nessa aldeia da Índia ouvem com atenção aSarathiJhalak, uma rádio comunitária que transmite um programa sobre mudança climática. O grupo de lavradores de Anugondanahalli, a 70 quilômetros de Bangalore, capital do Estado de Karnataka, ouve os conselhos simples dados por especialistas sobre a maneira como os agricultores podem minimizar o impacto do clima em seus cultivos.
“Não sei nada sobre a mudança climática”, contou RamKutty, agricultor de 60 anos. “É coisa boa se os especialistas podem me explicar em uma linguagem simples para que eu possa proteger meus campos. A falta de planejamento em nosso trabalho pode ser a diferença entre a miséria e a prosperidade. É por isso que a rádio comunitária se transformou em minha melhor amiga”, acrescentou.
Fundada em 2012, a SarathiJhalak é uma das mais de 200 rádios comunitárias da Índia, país asiático de 1,25 bilhão de habitantes e 18 idiomas reconhecidos oficialmente, mas onde são faladas mais 1.652 línguas.Além de preencher o vazio deixado pelos demais meios de comunicação, a rádio comunitária está transformando a vida no interior do país. Esta forma de comunicação participativa também é uma boa ferramenta para o desenvolvimento socioeconômico em nível das bases.
O conteúdo das rádios comunitárias é inovador, já que aborda as preocupações locais. É gerado pela própria população, com a participação de diversos grupos (mulheres, crianças, agricultores, pequenos empresários, advogados e estudantes). “Procuramos destacar assuntos importantes que ecoem na população”, explicou o fundador da SarathiJhalak, D. S. Shamantha.
Ele explicou que “a ênfase é dada a temas sobre desenvolvimento, saúde pública, agricultura, folclore, questões legais e bem-estar social. Damos ao nosso público informação sobre todos os assuntos, como qualquer outra rádio, mas com um sabor local. Nossos segmentos sobre violência contra mulheres e crianças no campo tiveram uma excelente resposta”.
A programação da emissora é criada com a colaboração de ouvintes e pelas necessidades locais. Diariamente há emissões ao vivo e programas gravados elaborados por uma dezena de apresentadores, na maioria mulheres. A população é incentivada a participar e fomenta-se a troca de conhecimentos.
Longe de Anugondanahalli, nas colinas de Chamba, no Estado himalaio de Uttarakhand, uma apresentadora da emissora HewalVani recomenda ao público ouvir sua nova série sobre educação das meninas. Iniciada por cerca de 20 jovens, a rádio comunitária é uma das cinco do empobrecido Estado que discutem temas como saúde, superstição, educação e assuntos cívicos.
Todos os apresentadores são recrutados na própria aldeia, mas a programação é concebida para atrair o vizinho cinturão rural. Todos os dias, entre dez e 15 pessoas da região chegam à emissora para participar de um de seus programas interativos. “Assim compartilhamos ideias, conhecimentos, técnicas recreativas, atividades empresariais e inclusive histórias de heróis locais”, contou o voluntário VijayKhetrapal.
Khetrapalacrescentou que “as políticas estatais, as finanças, os assuntos legais, tudo se explica de uma maneira que os aldeões possam compreender. Professores, padres e advogados são convidados periodicamente para que possam expressar suas opiniões. Tentamos fomentar o debate e a discussão entre os ouvintes e levamos seus comentários muito a sério”.
Na maioria das rádios comunitárias são os próprios moradores que geram os conteúdos, escrevem os roteiros, organizam os programas de entrevistas, dominam a arte da edição e a mescla de sons. E também dirigem. Algumas emissoras inclusive têm jornalistas cidadãos espalhados pelo povoado para informar sobre fatos interessantes.
A abertura do governo à radiodifusão comunitária de índole não comercial permitiu que os grupos de voluntários aproveitassem com eficácia o poder da comunicação para o desenvolvimento comunitário.A organização indiana Alternativas de Desenvolvimento trabalha para gerar meios de vida sustentáveis em Bundelkhand, no Estado de MadhyaPradesh, mediante as rádios comunitárias.
A organização realizou a ShubbKal(Campanha por um Futuro Melhor) para informar e educar as comunidades rurais sobre as opções de adaptação à mudança climática. O modelo otimiza o uso das emissoras comunitárias existentes na região para divulgar a informação em mais de 400 aldeias.
A rádio comunitária começou na Índia em 2002, com cerca de 12 emissoras. Hoje, ampliou seu alcance a aldeias remotas, onde costuma ser a única forma de comunicação de massa disponível.“Esse tipo de iniciativa cumpre a função de uma difusora pública e representa os pontos de vista da população local. Isso ajuda a dar voz a quem não tem poder para permitir que chamem a atenção dos que têm o poder de tomar decisões”, afirmou Kirti Shire, professor de jornalismo na universidade JamiaMilliaIslamia, de Nova Délhi.
Segundo aIslamia, o que também faz a rádio comunitária ser relevante nesta era da internet é seu grande alcance. “Se a televisão alcança 60% do total das famílias na Índia, o rádio pode chegar a 99%, o que o converte em um meio rentável e potente para a difusão de informação. Além disso, a rádio comunitária vê os ouvintes não apenas como receptores e consumidores, mas também como cidadãos ativos e produtores criativos dos conteúdos”.
Os especialistas também acreditam que na Índia, onde a alfabetização continua sendo um importante obstáculo para o desenvolvimento, a rádio comunitária talvez seja a única via para que a população pobre adquira conhecimento, já que os aparelhos de rádio utilizam pouca eletricidade, algo que continua sendo inacessível para muitos.
Mais de 70% da população indiana vive em aldeias e povoados, e uma grande maioria tem escassa ou nenhuma conexão à internet, eletricidade ou telefone. Por esse motivo, a rádio é o único meio factível para a comunicação de massa.
É por isso que as emissoras comunitárias estão transformando vidas. Na atualidade, aldeia após aldeia empreende projetos de autoajuda, constrói banheiros perto das casas, utiliza esterco de vaca em lugar de madeira para cozinhar, enviam as meninas e os meninos à escola e compreendem porque o feticídio pode ser contraproducente devido à informação divulgada por essas rádios.
Talvez a Índia esteja aplicando o que indicavam os manuais da Organização das Nações Unidas (ONU). A partir da década de 1960, diversos organismos internacionais – como Organização das Nações Unidas para a Educação e a Ciência (Unesco), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) – utilizaram com sucesso o rádio para suas estratégias de desenvolvimento.
A FAO desenvolveu a metodologia da campanha de extensão estratégica na África, América Latina e Ásia para apoiar o trabalho local de seus funcionários. A rádio comunitária também reflete a letra e o espírito da Declaração de Milão sobre a Comunicação e os Direitos Humanos, de 1998,que afirma que os meios de comunicação têm a responsabilidade de ajudar a manter a diversidade das culturas e os idiomas do mundo. Envolverde/IPS