* Carlos Nobre e André Ferretti –
O Fundo Verde do Clima (Green Climate Fund, em inglês) é voltado para financiar tanto os custos de transição energética e adaptação climática quanto as despesas de reparação decorrentes de eventos climáticos extremos em diversas regiões do mundo. Também não ficou claro como os recursos serão mobilizados, de onde virão e quem será responsável por sua execução, deixando muitas perguntas para serem respondidas em Belém, no Pará, em novembro deste ano.
Com a já esperada saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e a revogação do seu Plano Internacional de Financiamento Climático, a realização da COP no Brasil enfrenta um desafio adicional: como compensar a redução de recursos justamente de um dos países que mais deveria contribuir, sendo o maior emissor histórico e, atualmente, o segundo maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) do mundo. Cabe destacar que os EUA respondem pelo financiamento de cerca de 21% do orçamento principal da Convenção de Mudança Climática da ONU.
Além do impacto financeiro, a decisão do presidente Donald Trump coloca em risco os esforços globais de redução de emissões de GEE, como já ocorreu durante seu primeiro mandato. É alarmante que uma das nações mais poderosas do mundo adote uma postura contrária à agenda climática, ignorando as evidências científicas em um momento crítico. Espera-se que os esforços de estados, municípios, empresas e cidadãos americanos sigam em direção oposta ao posicionamento presidencial, mantendo e ampliando os esforços de transição para uma economia de baixo carbono.
A necessidade urgente de aumentar o valor do financiamento climático, além, claro, das metas de redução das emissões dos principais gases de efeito estufa, tem como objetivo mitigar os impactos das mudanças climáticas, que se tornaram mais evidentes no cotidiano. Com a temperatura global ultrapassando pela primeira vez, em 2024, o limite de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais de 1850-1900 — um patamar que o Acordo de Paris, de 2015, e a COP26, de Glasgow, de 2021, buscaram evitar —, vivenciamos uma escalada de eventos extremos, como ondas de calor, chuvas intensas, rajadas de vento, ressacas costeiras, secas e incêndios florestais catastróficos, como os ocorridos neste início de ano na região de Los Angeles, nos Estados Unidos. Definitivamente, os países não estão preparados para tudo isso, muito menos aqueles em desenvolvimento.
As altas despesas para o enfrentamento da crise climática, como estimado, na casa dos trilhões, exigem tecnologias acessíveis, amplamente discutidas nos eventos paralelos da COP juntamente com a sociedade civil. No Azerbaijão, o Brasil destacou as Soluções Baseadas na Natureza (SBN), que utilizam processos naturais para resolver desafios socioambientais, promovendo benefícios tanto para a biodiversidade quanto para o bem-estar humano. Essas iniciativas incluem a integração de áreas ou estruturas naturais aos sistemas de drenagem, a criação de parques lineares com restauração da vegetação nas margens de rios para mitigar enchentes e a implementação de sistemas sustentáveis de produção de alimentos, fortalecendo a segurança alimentar e hídrica. Implementadas pelo poder público ou desenvolvidas em parceria com empresas e organizações da sociedade civil, as SBN são fundamentais para a adaptação das cidades e zonas rurais em meio ao caos climático, impactando positivamente a qualidade de vida e a saúde da população.
Um exemplo é o movimento Viva Água, que, entre suas frentes de atuação, visa revitalizar bacias hidrográficas por meio da restauração de ecossistemas. A iniciativa envolve múltiplos atores na recuperação da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e da Bacia do Rio Miringuava, no Paraná, promovendo também o empreendedorismo com impacto socioambiental positivo nas áreas de agricultura e turismo sustentáveis. Estudos realizados pelo movimento na Região Metropolitana de Curitiba revelam que, em períodos de seca, a vazão mínima dos rios pode diminuir até 52% em bacias urbanizadas, com baixa cobertura vegetal nativa, enquanto, em áreas com alto grau de vegetação nativa, essa redução varia entre 6% e 11%, evidenciando a importância de ecossistemas protegidos e restaurados.
A recuperação da biodiversidade está intimamente ligada aos esforços para limitar o aumento da temperatura. No entanto, durante a COP16, a Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica realizada na Colômbia, semanas antes da COP29, a criação de um fundo global necessário de US$ 200 bilhões anuais até 2030 não avançou. Diante disso, está sendo discutida a proposta de unificar ou ao menos aproximar mais as COPs do Clima e da Biodiversidade.
Esse movimento deverá ser ainda mais fortalecido em Belém, com a expectativa de integração das conferências já a partir de 2026. A Floresta Amazônica, como um hotspot de biodiversidade e peça-chave no equilíbrio climático, oferece o cenário perfeito para fortalecer a relação entre preservação ambiental e mitigação dos impactos climáticos. Na Amazônia, não faltam exemplos que ilustram como as mudanças climáticas ameaçam esse ecossistema vital, enquanto o desmatamento, degradação e incêndios impactam aa biodiversidade e intensificam os efeitos das alterações no clima, dificultando a remoção de carbono pela natureza.
Após três edições, a COP30 será realizada em um país democrático com tradição diplomática, o que eleva a expectativa de uma participação mais ativa dos movimentos sociais e da sociedade civil. Com o evento sendo realizado no meio da floresta, espera-se que as vozes daqueles que vivem e preservam esse território — populações Indígenas originárias, quilombolas e ribeirinhas — sejam ouvidas com mais atenção. Ao assumir a liderança no processo multilateral, o Brasil enfrentará desafios históricos, considerados entre os mais decisivos para as COPs: convencer os países mais ricos a fortalecer e ampliar o financiamento climático e acelerar o compromisso global com a redução das emissões, com o objetivo de alcançar a neutralidade de carbono, preferencialmente para 2040. Esse trabalho de articulação já começou, e as decisões definirão um futuro mais sustentável e resiliente para todos, evitando um suicídio ecológico do Planeta Terra.
Carlos Nobre é professor titular do Instituto de Estudos Avançados da USP, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN);
*André Ferretti é gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da RECN.