Por Vani S. Kulkarni e Raghav Gaiha*
Filadélfia e Boston, Estados Unidos, 5/10/2015 – Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas foram aprovados na maior cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU), na presença de presidentes, primeiros-ministros e do papa Francisco, entre outras personalidades, em Nova York. A finalidade é que os ODS incluam a paz mundial, o ambiente, a igualdade de gênero, a erradicação da pobreza, a fome e muito, muito mais. A adoção dos ODS gerou diversas reações, desde total rejeição, passando por uma aceitação a contragosto, até euforia total.
Grande parte do ceticismo tem a ver com o fato de os objetivos serem ambiciosos em relação com a muito variável, e em muitos casos limitada, capacidade dos países em desenvolvimento para alcançá-los. Uma análise publicada pela The Economist, no dia 19 de setembro, os ridiculariza, dizendo que são difusos, “superdimensionados” e “impossíveis de manejar”, embora reconhecendo uma mudança na forma de pensar o desenvolvimento.
A contribuição profunda e duradoura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é que melhoraram a consciência sobre as múltiplas privações que afligiam uma vasta maioria de pessoas nos países em desenvolvimento e sobre os desafios das políticas que governos, organismos multilaterais e doadores enfrentavam. Os ODS não só ampliaram sua perspectiva como a enriqueceram. se concentrando na sustentabilidade.
Como destacou Amartya Sen, no contexto da atenção universal da saúde, não é tanto a questão de falta de acessibilidade, mas de não se reconhecer a capacidade dos países pobres (como Ruanda) e dos Estados nacionais (como Kerala, na Índia) para mobilizar e utilizar os recursos de forma efetiva.
Na medida em que diminuiu a pobreza, também diminuiu a brecha entre a pobreza rural e a urbana. Mas ainda três em cada quatro pessoas pobres vivem em áreas rurais; é claro que a pobreza global continua sendo um problema rural.
A insistência de estudos recentes, de que a urbanização é a principal estratégia para um desenvolvimento sustentável desestimula a capacidade da agricultura e da economia rural não agrícola para impulsionar o crescimento e a redução da desigualdade e da pobreza, pois uma vasta maioria dos camponeses ainda depende delas para sobreviver.
Houve mudanças estruturais tanto na agricultura como na economia rural não agrícola. Alguns dos elementos que mudaram na primeira são a comercialização, o surgimento de cadeias de valor nos alimentos associadas às mudanças demográficas, à urbanização e ao crescente fluxo e crescimento das exportações agrícolas.
Há quem questione a importância da agricultura de pequena escala como forma de erradicar a pobreza. Em especial, criticam o argumento do Informe sobre o Desenvolvimento Mundial de 2008, de que incentivar o crescimento agrícola é “vital para estimular o crescimento de outros setores da economia” e que os pequenos agricultores são o eixo dessa estratégia.
A onipresença dos pequenos produtores na cadeia de alto valor dos alimentos em diferentes regiões, especialmente em matéria de verduras, frutas, lácteos e carne, é muito superior à que se costuma estimar. Mas também há barreiras: falta de acesso à tecnologia, aos mercados de crédito, às economias de escala no mercado e a formas de cumprir com os rígidos padrões de qualidade dos alimentos. A agricultura por contrato é uma opção.
As associações de produtores também contribuem para superar algumas dessas limitações. Nesse sentido, é central desenvolver capacidades empresariais nos pequenos agricultores, especialmente entre homens e mulheres jovens, garantindo-lhes que a terra, o trabalho, o crédito e a produção funcionem de forma mais eficiente.
Numerosos estudos destacaram nos últimos tempos como a produtividade trabalhista na agricultura é obstáculo para o desenvolvimento da agricultura sustentável, mas raramente reconhecem que essas são manifestações do “investimento insuficiente” e de imperfeições do mercado (como o predomínio de prestamistas locais que cobram taxas de juros exorbitantes dos pequenos agricultores).
No contexto da diversificação da economia rural, a economia rural não agrícola adquiriu maior importância por compreender uma diversidade de atividades, desde cerâmica, passando por comércio, até a elaboração de diferentes rentabilidades. A evidência disponível indica que há uma grande “superposição” entre pequenos agricultores e os que participam da economia rural não agrícola utilizando dados de disposição de tempo.
Também há provas de que uma parte significativa dos que foram classificados dentro da economia não agrícola vivem em zonas rurais mas trabalham em cidades, o que apresenta uma grande dicotomia rural-urbana.
Outros assuntos que merecem maior atenção incluem um mercado de trabalho mais rígido e maiores salários, menor vulnerabilidade da agricultura aos golpes climáticos, à volatilidade de preços e ao estabelecimento de relações mais estreitas com pequenos povoados secundários. Para expandir a economia rural não agrícola é central torná-la mais atraente, não só para os que têm um papel ativo na agricultura e na economia não agrícola, mas também para os que a abandonaram em busca de oportunidades mais rentáveis em outro lugar.
Desenvolver capacidades gerenciais, créditos mais eficientes e mercados de produtos, bem como melhoras na infraestrutura rural para permitir melhor acesso aos mercados de produtos, pode frear o fluxo da migração suburbana e, ao mesmo tempo, o rápido crescimento de assentamentos precários.
Para reduzir a pobreza, algumas formas de desigualdade são mais importantes do que outras, como a desigualdade na distribuição de bens, em especial da terra, o capital humano e financeiro, e o acesso a bens públicos como infraestrutura rural.
Em termos gerais, uma agenda a favor dos mais desfavorecidos deve incluir medidas para moderar a atual desigualdade de renda, ao mesmo tempo em que facilita o acesso a bens capaz de gerá-los, e outras para promover oportunidades trabalhistas para os pobres. A maioria da evidência comparativa entre países aponta para os benefícios que tem a profundidade financeira em lugar de buscar ampliar a inclusão financeira.
O Informe Global de Desenvolvimento Financeiro de 2014, do Banco Mundial, defende esta última alternativa, argumentando que cada vez se comprova mais seu potencial de transformação para acelerar os benefícios do desenvolvimento, mediante maior acesso a recursos para investir em educação, capitalizar oportunidades de negócios e enfrentar os golpes. De fato, a maior diversificação da clientela mediante a inclusão financeira provavelmente permita maior resiliência e uma economia mais estável.
Na medida em que cada vez mais países se convertem em economias de renda média e melhora a qualidade institucional, o fluxo de capitais privados se torna mais importante. Um ambiente macroeconômico estável e incentivos para as associações público-privadas promoverão o crescimento e a redução da pobreza, e são fundamentais maior transparência dos contratos e melhor cumprimento das normas.
Não só as instituições nacionais mas também as locais são de grande importância para uma transformação rural sustentável e para a diminuição da pobreza. Também é necessário fortalecer a resposta institucional aos riscos, mediante instituições comunitárias, bem como ampliar e aprofundar o alcance das instituições financeiras e oferecer proteção social às pessoas mais vulneráveis.
Quando estão bem desenhadas e bem focadas, essas instituições e esses programas ajudam as famílias mais pobres a consolidarem sua resiliência diante dos riscos e das severas dificuldades.
As organizações locais (de produtores, de mulheres, etc.) não só ajudam no uso igualitário de recursos naturais escassos dentro da comunidade, como facilitam o acesso ao crédito e a outros mercados. De fato, ao contrário do grande pessimismo, os ODS refletem um renovado compromisso e otimismo em relação à possibilidade de melhorar a “vida desagradável, curta e brutal” dos pobres, desfavorecidos e vulneráveis em um futuro próximo. Envolverde/IPS
* Vani S. Kulkarni é do Departamento de Sociologia da Universidade da Pensilvânia, e Raghav Gaiha é do Programa Global de Envelhecimento da Faculdade de Saúde Pública de Harvard.