Por Correspondentes da IPS –
Roma, Itália, 8/2/2017 – A ferrugem do trigo, uma família de enfermidades geradas por fungos que podem arrasar até 100% das colheitas desse cereal, continua avançando na África, Ásia e Europa, alertam dois estudos científicos realizados em colaboração com a Organização das Nações Unidas (ONU). Os estudos, destacados pela revista Nature, depois de sua publicação inicial pela dinamarquesa Universidade de Aarhus e pelo Centro Internacional de Melhoramento do Milho e do Trigo (CIMMYT), mostram o surgimento de novas cepas da ferrugem amarela e da ferrugem do talo em diversas regiões em 2016, segundo informou a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Ao mesmo tempo, cepas de ferrugem conhecidas se estenderam a novos países, confirmam os estudos, o que destaca a necessidade de uma detecção precoce e medidas para limitar danos maiores à produção de trigo, em particular na bacia do Mediterrâneo. “Essas novas e agressivas raças de ferrugem surgiram enquanto estamos trabalhando com sócios internacionais para ajudar os países a combater as existentes, por isso temos que ser rápidos e exaustivos na forma como abordamos o problema”, destacou Fazil Dusunceli, fitopatologista da FAO.
O trigo é uma fonte de alimento e meio de subsistência para mais de um bilhão de pessoas no Sul em desenvolvimento, segundo a FAO. A África setentrional e oriental, Oriente Próximo e Ásia ocidental, central e meridional – zonas vulneráveis à ferrugem – produzem cerca de 37% do cereal no mundo. “As avaliações preliminares são preocupantes, mesmo não estando claro o impacto total que terão essas novas cepas nas diferentes variedades de trigo nas regiões afetadas”, apontou o especialista.
Dusunceli acrescentou que “é mais importante que nunca que os especialistas das instituições internacionais e os países produtores de trigo trabalhem juntos para deter essas doenças, o que implica uma vigilância contínua, compartilhar dados e criar planos de resposta de emergência para proteger seus agricultores e os países vizinhos”. O vento propaga rapidamente a ferrugem do trigo para longas distâncias, explica a FAO, e, se não for detectada e tratada a tempo, pode converter uma colheita sadia em uma pilha de folhas amarelas, talos negros e grãos secos.
Os fungicidas podem ajudar a limitar o dano, mas a detecção precoce e a ação rápida são cruciais. O mesmo ocorre com as estratégias de gestão integrada de longo prazo. Na ilha italiana de Sicília uma nova cepa do patógeno da ferrugem do talo (chamado TTTTF ) afetou vários milhares de hectares de trigo duro em 2016, causando o maior foco de seu tipo na Europa em décadas. A experiência com raças similares sugere que as variedades de trigo do pão também podem ser suscetíveis à nova cepa, alerta a FAO.
O TTTTF é a cepa da ferrugem do talo de mais recente identificação. Os pesquisadores alertam que sem um controle adequado logo poderá se estender a longas distâncias ao longo da bacia do Mediterrâneo e da costa adriática. Segundo a FAO, vários países da África, Ásia central e Europa, por sua vez lutam contra novas cepas de ferrugem amarela nunca antes vistas em seus campos. Além disso, os agricultores da parte continental de Itália, Marrocos e alguns países escandinavos estão combatendo uma raça de ferrugem amarela que ainda não tem nome.
Já Etiópia e Uzbequistão lutam contra os focos de ferrugem amarela AF2012, que surgiu nos dois países em 2016 e causou enorme impacto na produção etíope em particular. Análises preliminares sugerem que a nova raça está relacionada com uma família de cepas que são agressivas e melhor adaptadas às temperaturas elevadas do que outras. Anteriormente, a AF2012 era encontrada apenas no Afeganistão, antes de aparecer na Etiópia no ano passado, onde afetou dezenas de milhares de hectares de trigo, afirma a FAO.
Essa agência da ONU, em colaboração com seus associados, intensifica os esforços para capacitar os especialistas em ferrugem dos países afetados para que aumentem sua capacidade de detectar e manejar essas raças emergentes de ferrugem do trigo. A conhecida cepa de ferrugem amarela – que apareceu no norte da Europa e na Turquia há alguns anos – continuou sua marcha aérea em 2016, e agora está espalhada pelo território europeu e Ásia ocidental.
A cepa Digalu (TIFTTF) da ferrugem do talo continua devastando o trigo na Etiópia, enquanto a raça mais conhecida dessa praga – a potente Ug99 – está presente em 13 países. “Depois de se estender até o norte desde a África oriental e Oriente Médio, a Ug99 tem o potencial de afetar muitas variedades de trigo cultivadas em todo o mundo, já que continua produzindo novas variantes. Mais recentemente foi detectada no Egito, um dos mais importantes produtores de trigo do Oriente Médio”, segundo a FAO.
As conclusões do estudo se baseiam em sessões de capacitação realizadas no ano passado, em colaboração entre o Centro Internacional para a Pesquisa Agrícola nas Zonas Áridas, a Universidade de Aarhus, o CIMMYT e a FAO. A capacitação, que se repetirá este ano no Centro Regional de Pesquisa Regional da Ferrugem do Cereal, em Izmir, na Turquia, permitirá aos especialistas reforçar suas habilidades de vigilância e gestão, junto com pesquisas e coletas de amostras para testes e análises, que acontecerão na Universidade de Aarhus.
Esses esforços integram o programa mundial da ferrugem do trigo da FAO, de quatro anos de duração, que facilita a colaboração regional e oferece apoio a diferentes países que querem aumentar sua capacidade de vigilância. Também ajuda os países a agirem rapidamente para controlar os focos antes que se convertam em epidemias e causem grave dano à segurança alimentar. Envolverde/IPS