Ambiente

Representantes de comunidades religiosas fazem apelo pelo clima

FenoClimaRepresentantes de 12 comunidades religiosas que assinaram a Declaração e Compromisso Fé no Clima – documento que sintetiza suas percepções e aspirações comuns sobre as mudanças climáticas – gravaram mensagens sobre o tema para o canal Fé no Clima do YouTube.  Esta coleção de vídeo-depoimentos, que também pode ser conferida no Facebook integra a iniciativa Fé no Clima, promovida pelo ISER (Instituto de Estudos da Religião) e pelo GIP (Gestão de Interesse Público) e que tem por objetivo criar mais espaço paracomunidades religiosas de tradições diversas interagirem e evidenciarem suas experiências de engajamento com o tema das mudanças climáticas.  Os vídeos estão sob licença Creative Commons e, com isso, podem ser usados tanto pelas comunidades religiosas como pela imprensa.

“Os vídeos da iniciativa Fé no Clima visam favorecer a disseminação das mensagens que estas lideranças trouxeram para o debate sobre as mudanças climáticas, que estão diretamente relacionadas com a justiça social, já que seus efeitos atingem mais fortemente as populações mais empobrecidas e em situação de risco”, explica Maria Rita Villela, coordenadora do ISER.

Entre os representantes que deram depoimentos e cujos vídeos já estão disponíveis estão: André Trigueiro (espírita e jornalista), Ariovaldo  Ramos (pastor evangélico), Mãe Beata de Yemanjá (Iyalorixá do Ilê Omi Ojuarô), Dolores (Inkaruna), Mãe Flávia Pinto (umbandista), Pe. Josafá Carlos de Siqueira S.J (Igreja Católica), Léo Yawabane (tradição indígena Huni Kuin, do Acre), Lama Padma Samten (monje budista), e Timóteo Carriker (pastor presbiteriano). A coleção também terá depoimentos de Kola Abimbola (Babalorixá  Yorubá e acadêmico nigeriano), do Rev. Fletcher Harper (pastor episcopal norte americano) e de Ayay Chilón, professor de Quechua, da tradição Andina, que estão sendo legendados em português.

Esta primeira fase da iniciativa contou ainda com o evento da Aldeia Sagrada 2015, organizado pelo Movimento InterReligioso do Rio de Janeiro (MIR), fundado como resultado da Vigília InterReligiosa da Eco-92. A Aldeia Sagrada 2015, que ocorreu entre os dias 1-3 de outubro, na Glória, no Rio de Janeiro, teve por tema as mudanças climáticas e buscou mostrar como a Declaração e Compromisso Fé no Clima já pode ser vista traduzida em prática. Diversas comunidades religiosas estão compartilhando suas iniciativas e vivências nos temas da energia solar, agricultura orgânica, redes sociais, reflorestamento, valorização de conhecimentos tradicionais e da cultura de povos originários, entre outros.

“Com a Iniciativa Fé no Clima, estamos em sintonia com os movimentos promovidos pela encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, pela Declaração Islâmica do Clima, pelas Convergências da GreenFaith, uma ONG ecumênica ecológica, e tantos outras instituições que abordam a questão climática e ecológica sob o prisma multireligioso”, lembra Maria Rita.  Além de explicitar o envolvimento das comunidades religiosas com o tema, a iniciativa do ISER e do GIP está contribuindo para mostrar quanto há de comum entre diferentes vertentesreligiosas, ao contrário do que induz a crer o crescente número de notícias sobre intolerância.  “Nos debates que geraram a Declaração Fé no Clima e também nos vídeos, o que se percebe é que as palavras e as abordagens podem ser diferentes, mas diversos princípios são comuns a todos, como o reconhecimento de uma ou diversas entidades criadoras da Natureza e a necessidade de respeitá-la enquanto elemento divino, portanto sagrado.  O cuidado mútuo e a solidariedade como possibilidade de uma vida mais humana também aparecem como pontos em comum a todas as vertentes religiosas que estão participando da Iniciativa Fé no Clima”, detalha Maria Rita.

A íntegra da Declaração está ao final deste texto, mas também pode ser conferida aqui. Nela, os lideres religiosos pedem:  1) a redução substancial das emissões de gases com efeito de estufa compatível com a necessidade de limitar o aumento da temperatura global a 2 graus Celsius até 2100; 2) a preservação da biodiversidade em todos os biomas; 3) o controle do desmatamento; 4) ações de adaptação em benefício das populações mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas; 5) a garantia de preservação de tradições culturais e modos de vida; 6) o combate à fome e à indignidade, e 7) a adoção preferencial de fontes de energia renováveis e de tecnologias limpas.  Ela foi entregue à Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira e será encaminhado também ao Papa Francisco,  ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que preside o C-40, que reúne líderes das grandes cidades do mundo para decidir e adotar medidas contra as mudanças climáticas, ao governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, e à presidente Dilma Rousseff.

O envolvimento do ISER com o tema Mudanças Climáticas teve início em 2008, quando o Instituto realizou uma pesquisa de opinião intitulada “O que as lideranças brasileiras pensam sobre mudanças climáticas e o engajamento do Brasil?”, reunindo percepções de 120 lideranças de diversos segmentos da sociedade brasileira (mídia, congresso, empresas, academia, ONGs e governo) especialistas em temas correlatos (energia, agronegócio, florestas e educação). Em 2009, foi a vez de escutarem o que lideranças religiosas tinham a dizer sobre o tema. Como parte daquela iniciativa, o ISER organizou um encontro multireligioso no qual os participantes compartilharam e conheceram iniciativas de adaptação e educação em curso no Brasil.    

 

Declaração e Compromisso Fé no Clima Comunidades Religiosas e Mudanças Climáticas

 

Introdução

 

  • Reunidos a convite do Instituto de Estudos da Religião (ISER), em parceria com Gestão de Interesse Público (GIP), noEncontro Internacional Fé no Clima, ocorrido em 25 de agosto de 2015 no Rio de Janeiro, enquanto representantes de diversascomunidades religiosas regionais, nacionais, internacionais e transnacionais, vimos compartilhar nossas convergências de percepções e aspirações em torno do tema das mudanças climáticas.

 

  • Consideramos que essas percepções e aspirações, na medida em que sejam conhecidas e disseminadas no interior das nossas comunidadesreligiosas, contribuirão de maneira substantiva para promover na esfera local mudanças comportamentais e éticas — individuais e coletivas —, que se somarão aos compromissos sociais, econômicos e políticos a serem assumidos pelos governos em suas esferas regionais, nacionais e nos fóruns internacionais.

 

  • O debate sobre as mudanças climáticas não pode se dar descontextualizado das questões sociais, econômicas e ambientais. O risco que se corre com isso é o de que este importante desafio de lidar com a mudança do clima se torne apenas mais uma “bandeira”, sem uma reflexão mais profunda sobre seus impactos no aprofundamento das desigualdades e na geração de disputas de política econômica global. Esse debate deve ser apreciado à luz da justiça social, das questões ambientais mais amplas e da busca de equidade econômica.

 

  • O grupo de lideranças comunitárias e religiosas, comprometido com a agenda ambiental, reunido na iniciativa Fé no Climaespera dar um testemunho vivo da possibilidade de comunhão de percepções, aspirações e ações concretas para a construção de um mundo mais saudável e respeitoso, mesmo em face da mais ampla diversidade de crenças e pertenças e inclusive de não crenças.

 

Percepções comungadas

 

  • A Ciência vem demonstrando que o estado de dilapidação do planeta Terra e o agravamento das mudanças climáticas foram provocados pela ação humana recente (Antropoceno). O conjunto de ações que conduziram o planeta à situação presente foi baseado em uma mentalidade dominante que acreditava e agia como se o ser humano fosse algo isolado das complexas relações que possibilitam a vida. Nossos fundamentos sagrados, no entanto, encontram uma forte convergência na percepção de que o ser humano é tão importante no planeta Terra (Mamapacha, Irê, Casa Comum) quanto os outros entes animados e não animados que aqui vivem. A interdependência entre todos os seres é a consciência que devemos promover em nossas comunidades, se quisermos propiciar uma transformação ética e comportamental sistemática e planetária.

 

  • Consideramos que enquanto a lógica da competição dominar a vida humana em sociedade e prevalecer na base das razões dos Estados e nos campos de negociação da diplomacia global, pouco ou nenhum avanço conseguiremos no sentido de tornar a vida planetária mais justa e segura. Baseados em nossos fundamentos sagrados comungamos a ideia de que o espírito de colaboração e cooperação pavimentam o caminho de uma vida em sociedade mais saudável e digna para todos e cada um dos nós, em harmonia com o ambiente e nossas diferenças intrínsecas. O espírito de colaboração e responsabilidade compartilhada é o que devemos promover em nossas comunidades, se quisermos propiciar a sustentabilidade da comunidade e do planeta, onde cada pessoa conhece e defende os seus direitos, aceita e se compromete com as suas responsabilidades.

 

  • Entendemos que para a mobilização das nossas comunidades em torno do tema das mudanças climáticas devamos nos aproximar da Ciência e dos Saberes Tradicionais com igualdade de respeito e valoração. Cada uma destas formas de produção de conhecimento, à sua maneira, nos oferece evidências do estado atual do planeta e os horizontes possíveis para ações transformadoras. Nossas experiências com ações sociais e educativas desenvolvidas em nossas comunidadesdemonstram que percepções e conceitos são melhor compreendidos e assimilados quando apresentados a partir de experiências vividas. Assumimos o compromisso de  expressar as discussões sobre mudanças climáticas em uma linguagem que faça sentido para nossas comunidades e que nos permita refletir sobre como podemos transformar nossos modos de vida, promovendo sensibilização e mobilização efetiva sobre o tema.

 

  • Consideramos a juventude o grande ator potencial da transformação de que necessitamos. As gerações passadas, incluindo-se a nossa, agiram equivocada e inconsequentemente, e disto estamos conscientes. Os jovens das nossas comunidades são os principais agentes da transformação desejada e aqueles que construirão — assim o esperamos — um planeta mais saudável para acolher os sonhos e as aspirações humanas. Devemos agir imediatamente, veiculando esta mensagem de confiança na juventude e em sua capacidade de transformação de uma forma abrangente e eficaz, utilizando todos os meios de comunicação ao nosso alcance e uma linguagem positiva, se desejarmos que as chances de um futuro saudável e seguro estejam garantidas para as gerações atuais e futuras.

 

Aspirações compartilhadas

 

  • Sem negar nossa preocupação com as tristes perspectivas que se apresentam sobre o futuro da vida humana no planeta Terra, acreditamos na potência transformadora que reside na comunhão de aspirações das diversas comunidadesreligiosas do mundo. Congregados na intenção de transformar o paradigma de desenvolvimento vigente, pautado equivocadamente na visão de que a proteção ao meio ambiente é um obstáculo ao crescimento econômico e à promoção do bem-estar de nossas sociedades — e sua correlata mentalidade predadora — desejamos contribuir com a promoção de importantes transformações éticas e comportamentais — individuais e coletivas — na direção de uma Criação que reflita esforços de cuidado, conexão espiritual e justiça social, econômica e ambiental.

 

  • Entendemos como fundamental que a sociedade, por intermédio também das suas comunidadesreligiosas, envolva-se assertivamente na discussão sobre as mudanças climáticas, a responsabilidade que temos sobre elas e o que podemos fazer, individual e coletivamente, para mudar nosso estilo de vida,  interagindo com seus governos e instituições especializadas no processo de construção de uma agenda global de enfrentamento da crise climática, anunciadas pela Ciência e que só vem agravando, decorrentes das ações humanas predatórias.

 

  • Convocamos as comunidadesreligiosas a demandarem que seus governos nacionais assumam metas ambiciosas naConferência do Clima (COP 21), que ocorrerá em Paris em dezembro de 2015, para promover: 1) a redução substancial das emissões de gases com efeito de estufa compatível com a necessidade de limitar o aumento da temperatura global a 2 graus Celsius até 2100; 2) a preservação da biodiversidade em todos os biomas; 3) o controle do desmatamento; 4) ações de adaptação em benefício das populações mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas; 5) a garantia de preservação de tradições culturais e modos de vida; 6) o combate à fome e à indignidade, e 7) a adoção preferencial de fontes de energia renováveis e de tecnologias limpas.

 

  • Que a presente declaração seja nosso compromisso coletivo para um clima ambiental e relacional mais saudável entre todos os seres da Terra.

 

Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2015.

 

André Trigueiro                               

Pastor Ariovaldo Ramos                 

Mãe Beata de Yemonjá                   

Dolores (Inkaruna) Ayay Chilón

Mãe Flávia Pinto                             

Reverendo Fletcher Harper            

Padre Josafá Carlos de Siqueira SJ

Baba Kola Abimbola                       

Léo Yawabane                                 

Lama Padma Samten                      

Rabino Nilton Bonder                     

Pastor Timóteo Carriker