Por Juliana Vaz para Goethe Institut –
Em todo o mundo e especialmente no Brasil, os algoritmos das redes sociais têm contribuído para o aumento do radicalismo político, da polarização e do esgarçamento das relações humanas. Por que as redes vêm afastando as pessoas, quando poderia aproximá-las?
Durante a pandemia de Covid-19, as redes sociais se tornaram a principal janela para o mundo exterior, permitindo a troca de informações e reconectando pessoas que o isolamento social separou. Ao mesmo tempo, com o aumento das horas em frente às telas, circularam como nunca no meio digital teorias conspiratórias, discursos de ódio e fake news – a começar pelo perfil no Twitter do presidente do Brasil, que menosprezou a gravidade da doença, negou a vacina e disseminou mentiras sobre medicamentos e tratamentos ineficazes.
Transcorridos 18 meses de pandemia e com um saldo de quase 600 mil mortos, há indícios de que a população brasileira esteja mais cautelosa ao consumir informações na internet. De acordo com uma ampla pesquisa do Reuters Institute e da Universidade de Oxford, 82% dos brasileiros se dizem preocupados com a circulação de notícias falsas em 2021, e o uso do Whatsapp e outros aplicativos como fonte de informações caiu em relação a 2019. A incerteza trazida pela crise sanitária aparentemente fortaleceu a procura por notícias com lastro na realidade. Afinal, durante a pandemia, boatos, negacionismo e desinformação podem não apenas causar bate-bocas virtuais, desentendimentos e polarização política, mas trazem consequências mais graves, como a morte.
As recentes iniciativas do Twitter, YouTube e Facebook de excluir publicações negacionistas provocaram a reação do governo brasileiro, que vem tentando, até agora sem sucesso, reduzir o poder de moderação das plataformas. Porém, cabe perguntar se elas de fato ainda têm o potencial de se tornar espaços menos tóxicos e livres de discursos violentos, estimular o diálogo e fortalecer a democracia, como se acreditava utopicamente nos primórdios da internet.
Câmaras de eco
Ana Regina Rêgo, coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação e professora da Universidade Federal do Piauí, explica que faz parte da arquitetura das redes sociais a criação de espaços de pensamento comum, as chamadas “câmaras de eco”. É o contrário do que ocorre na experiência offline, onde somos constantemente confrontados com ideias divergentes – e desenvolvemos estratégias para lidar com elas.
“O Facebook é um abutre de dados. O algoritmo trabalha para que você tenha uma experiência boa e evite o estresse dentro da rede. A ideia era criar na timeline uma experiência limpa, onde não existe o contraditório. Mas isso acabou gerando bolhas e ‘câmaras de eco’, onde você só convive com pessoas que pensam igual”, afirma Rêgo. Nas redes sociais de maneira geral, “as pessoas são induzidas a avaliarem e se posicionarem sobre tudo e se sentem poderosas por escolherem qual notícia consumir e em qual versão da realidade acreditar. Tal sensação é importante na estratégia comercial das redes de simular que o internauta é o centro do mundo e seus valores a medida de tudo”, analisa Richard Miskolci, sociólogo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Engajamento Emocional
Notícias falsas, teorias da conspiração e discursos de ódio são conteúdos que mexem com as emoções e têm a capacidade de mobilizar usuários. No início da pandemia, viralizaram imagens de caixões que supostamente teriam sido enterrados vazios em Manaus, causando grande repercussão. A “notícia” logo foi desmentida por agências especializadas de checagem jornalística. Porém, muitas pessoas que receberam a falsa informação acreditaram e se revoltaram, o que gerou curtidas, comentários, compartilhamentos – além de atritos, irritações, xingamentos.
Quando intermediadas por plataformas virtuais, nossas relações pessoais são afetadas por um modelo de negócios que depende da extração de nossos dados, explica Anna Bentes, pesquisadora do MediaLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Assim, a polarização, a divisão, e até a desinformação podem ser do interesse dessas plataformas, porque geram engajamento. “As plataformas precisam que as pessoas passem o máximo de tempo possível conectadas. Elas buscam mecanismos psicológicos persuasivos capazes de engajar a atenção das pessoas, de modo que fiquem interagindo, porque é assim que produzem uma maior quantidade de dados e são expostas aos anúncios”, diz Bentes. Para isso, vulnerabilidades, emoções e vieses cognitivos dos usuários são explorados por meio de vários recursos, como as notificações, que funcionam como gatilhos psicológicos para que o usuário volte a usar a plataforma. “Isso certamente é bom para as plataformas, mas não tanto para os usuários. Ainda mais depois da pandemia, quando todos nós sentimos uma certa fadiga de tela e a saturação de
Cultura do Cancelamento
É verdade que as tecnologias digitais têm oferecido espaço para que grupos historicamente excluídos do debate público no Brasil, como o movimento negro, o feminista e LGBTI+, amplifiquem suas vozes na luta por direitos. No entanto, uma das práticas do ativismo que têm se tornado comum nesse contexto é a do “cancelamento”. Espécie de escracho virtual que envolve o boicote, geralmente a uma pessoa pública que se pronunciou sobre um tema espinhoso, os cancelamentos podem provocar medo e hesitação, reduzindo a participação ativa em debates virtuais. Temendo sofrer “cancelamento”, acabamos nos retraindo e nos retiramos de discussões, já que, ao primeiro vacilo, podemos ser imediatamente punidos, tendo a reputação destruída.
Para Miskolci, nas redes sociais, as reivindicações legítimas por justiça social podem se dar em um contexto comunicacional de recusa ao diálogo, em que “um fala e outro ouve, um manda e outro obedece”: “De maneira reveladora, a política identitária se aproxima das formas antidemocráticas de seus adversários, mostrando que demandas por justiça social podem se dar mantendo as características autoritárias de nossa sociedade”, argumenta Miskolci. “O ativismo online – quer seja de direita ou esquerda – funciona em uma lógica de mercado em que as ideias são avaliadas por sua capacidade de ressonância coletiva em curtidas e compartilhamentos. As mídias tendem a dar visibilidade àqueles capazes de comunicarem ideias de maneira a não exigir reflexão de seus seguidores, espectadores ou leitores”, observa o sociólogo.
Apesar de oficialmente estarem aí para aproximar e criar laços, as redes sociais, na prática, são com muita frequência responsáveis por estabelecer distâncias: “A comunicação pelas redes nos faz esperar que todos aceitem o que dizemos, substituindo o diálogo e a divergência cortês pelo conflito e o rompimento“, conclui Miskolci.
*Crédito da imagem destacada: Projekt Colônia Juliano Moreira, Brasilien 2019. | Foto (detalhe): © Marlon de Paula
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