ODS 7

Uso de resíduos industriais no combate à poluição no Brasil

“Aproveitar resíduos industriais é um nicho importante e inovador no Brasil, abrindo novos caminhos para o mercado emergente de biogás.”

Uso de resíduos industriais no combate à poluição no Brasil

Por Mario Osava – da IPS

O biogás soa como redenção, conversão do pecador. A sua produção envolve extrair energia da sujeira, da poluição ambiental mais repugnante, e ao mesmo tempo evitar o agravamento da crise climática global.

O Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos Industriais e Comerciais (Cetric) dedica-se à extração de biogás dos resíduos que abundam no município onde está sediado, Chapecó, no Sul do Brasil.

“Aproveitar resíduos industriais é um nicho importante e inovador no Brasil, abrindo novos caminhos para o mercado emergente de biogás.”

Heleno Quevedo

Com uma população de 255 mil habitantes e numerosos frigoríficos, Chapecó é um importante polo do oeste do estado de Santa Catarina, o maior produtor e exportador nacional de carne suína e também um grande produtor de aves.

Por esta razão, a produção de biogás está a proliferar na região, utilizando estrume de explorações suinícolas, em parte devido à pressão das autoridades ambientais para evitar que os resíduos animais continuem a contaminar os rios e o solo em detrimento do ambiente e da saúde humana.

No dia 3 de abril, a Federação das Indústrias de Santa Catarina lançou o programa Polo de Descarbonização, com meta de tratar 100% dos dejetos suínos nos próximos 10 anos, entre outros desafios para cumprir os acordos de redução de emissões de gases de efeito estufa. Não parece viável, mas aponta na direção certa.

O grupo de empresas Cetric foi fundado em 2001 com uma missão específica: cuidar dos resíduos do agronegócio próximo e de outras fontes menores, desde sua avaliação e coleta até seu transporte, processamento e destinação final.

Em seguida, expandiu-se nacionalmente. Hoje atua em 12 dos 26 estados do Brasil, com quatro Ecoparques de Bioenergia, incluindo o primeiro em Chapecó, 17 unidades de transbordo com armazéns e 19 equipes de emergência em pontos estratégicos.

“O aproveitamento de resíduos industriais é um nicho importante e inovador no Brasil, abrindo novos caminhos para o emergente mercado de biogás”, disse Heleno Quevedo, engenheiro energético e criador do portal de notícias Energia e Biogás, em entrevista por telefone à IPS, de Santo André, cidade vizinha de São Paulo, também na zona sul.

Resíduos industriais como negócio

O negócio da Cetric é a gestão dos resíduos onde quer que estejam, não apenas dos aterros, disse à IPS a engenheira química Loana Defaveri, responsável técnica da empresa. A orientação sobre o manuseio desse material nas indústrias faz parte de sua atividade.

A empresa também atua em emergências, como acidentes com cargas perigosas em rodovias, cidades ou locais de produção. É uma espécie de bombeiro nestes casos e dispõe de pessoal especializado com ferramentas e viaturas necessárias para o pronto atendimento, dispersos por 19 localidades do país.

Em meados de abril, uma equipe tratou de um derramamento de ácido propiônico, usado para conservar alimentos, quando um caminhão capotou no Paraná, estado vizinho. Os mais frequentes são os acidentes envolvendo caminhões que transportam combustíveis como etanol e diesel, disse Defaveri nas instalações da empresa.

O reator CSTR é mais produtivo que os biodigestores de lagoa coberta porque a temperatura, a acidez e outros indicadores do substrato que gera o biogás são controlados. CRÉDITO: Mário Osava/IPS

Um Centro de Comando, uma equipe rotativa de quatro pessoas, monitora por vídeo a frota de mais de 200 caminhões Cetric 24 horas por dia a partir da sede da empresa e as emergências atendidas.

Mas o ecoparque de Chapecó é o coração, o centro das inovações e da economia circular do Grupo Cetric, que atua em diversas atividades.

A produção de bioenergia começou em 2005, mas foi suspensa devido à escassez e baixa durabilidade dos equipamentos de biogás. Foi retomado 15 anos depois e hoje conta com cinco biodigestores de lagoa coberta e um reator de tanque agitado contínuo, conhecido como CSTR.

Somente material orgânico é utilizado para esse fim. Os resíduos coletados pela empresa são de classe 1, resíduos perigosos, geralmente químicos, e classe 2, que inclui resíduos inertes como sucata de ferro ou concreto, e resíduos que se degradam, como resíduos orgânicos, que é a parte bioenergética.

Quatro geradores produzem um megawatt de eletricidade com o biogás produzido no ecoparque próprio da Cetric. Essa energia abastece o consumo do complexo de tratamento de resíduos sólidos industriais da empresa brasileira. CRÉDITO: Mário Osava/IPS

Biogás de aterros sanitários e biodigestores

Do grande aterro coberto com lona preta impermeável, que acumula a maior parte do lixo, é extraído o biogás que serve apenas para gerar calor, porque contém pouco metano, explicou Defaveri. A queima desse biogás reduziu 80% da lenha anteriormente consumida no ecoparque.

Para a geração de eletricidade e a refinação que a converte em biometano, utiliza-se o biogás que sai dos biodigestores, que contém 71 por cento de metano, e do reator, com 73 por cento, disse.

Neste setor energético, quatro geradores de biogás produzem um megawatt de energia, eletricidade estimada como suficiente para o consumo da empresa.

Outra parte do biogás é refinada por membranas, carvão ativado e outros processos de remoção de dióxido de carbono (CO2) e ácido sulfúrico (H2S) para obtenção do biometano, que é o combustível utilizado por um caminhão 100% a gás e outros 15 caminhões híbridos que consomem gás e diesel.

Outros 28 caminhões adquiridos recentemente em Chapecó também utilizarão 100% de biometano ou gás natural como combustível, já que os dois gases são equivalentes.

Um caminhão armazena biometano em cilindros amarelos, prontos para abastecer os caminhões que transportam resíduos industriais em tratamento no Ecoparque Cetric, em Chapecó, município do Sul do Brasil. CRÉDITO: Mário Osava/IPS

Produtividade ainda baixa

Mas a produção ainda não é muito eficiente, apesar dos avanços representados pelo reator CSTR. “Produzimos apenas 10% do nosso potencial de biogás, mas estamos aumentando a produtividade com avanços tecnológicos, novos investimentos e treinamento de pessoal”, observou Defaveri.

A Cetric Chapecó produz atualmente 250 metros cúbicos de metano por hora e pretende chegar a 1.500 metros cúbicos por hora, ou seja, seis vezes o volume, o que exige investimentos pesados ​​e depende também do substrato, como chamam o insumo, disse ela.

O efluente resultante desse processo passa por um tratamento complexo, que inclui separação de resíduos, filtros de areia, membranas, eletrólise e até dispositivo de osmose reversa.

Isto permite obter água de qualidade suficiente para reutilizar na lavagem de veículos e outros equipamentos, disse à IPS o engenheiro químico Diego Molinet. A parte sólida vai para compostagem para processamento que pode resultar em biofertilizante.

O efluente não pode ser utilizado como fertilizante, prática comum entre os pequenos produtores de biogás, como os suinocultores, porque pode saturar o solo, com excesso de alguns componentes, como o fósforo, disse Molinet.

Diego Molinet, engenheiro químico do Cetric, tem nas mãos o resultado do tratamento de efluentes do processo de tratamento de resíduos industriais, com produção de biogás e biometano: um copo com água limpa para reaproveitamento não potável e outro copo com material sólido que pode ser convertido em fertilizante após a compostagem. CRÉDITO: Mário Osava/IPS

O tratamento de efluentes também produz ARLA 32, composto de ureia pura, obrigatório nos escapamentos de veículos pesados ​​para reduzir a emissão de gases poluentes, como o óxido de nitrogênio. É de uso crescente na indústria automotiva.

“Cetric goza de boa reputação” e desempenha um papel importante em Chapecó, evitando que a cidade tenha que enviar seus resíduos industriais para outros municípios, disse à IPS Marck Gehlen, diretor de Meio Ambiente da prefeitura.

Seu serviço de emergência já controlou diversos acidentes na cidade. Um deles foi um incêndio numa empresa de distribuição de combustíveis, cujo rápido controle evitou a contaminação dos cursos de água e riscos para a população, disse Gehlen, engenheiro ambiental que trabalha no setor há mais de 10 anos, sendo três anos como diretor.

Uma preocupação são os caminhões, por vezes perigosos, de resíduos industriais que atravessam a cidade, admitiu.

Com quatro frigoríficos na periferia da cidade, Chapecó teve alguns problemas, como o mau cheiro emitido pelos frigoríficos, embora já controlado há anos. De modo geral, as empresas adotaram medidas para evitar danos ambientais e uma delas já transferiu atividades potencialmente poluidoras para fora da cidade.

Imagem de destaque: Loana Defaveri, gerente técnica da Cetric, é fotografada no ecoparque de bioenergia em Chapecó, no sudoeste do Brasil. A foto aérea ao fundo mostra os diversos componentes do complexo, que recebe resíduos industriais e produz biogás, energia elétrica, biometano e outros subprodutos. CRÉDITO: Mário Osava/IPS

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