Clima

Políticas climáticas sem perspectiva de gênero

As mulheres representam 80% da mão de obra agrícola em Uganda e, no entanto, não são incluídas questões de gênero nas políticas sobre mudança climática e agricultura. Foto: Wambi Michael/IPS
As mulheres representam 80% da mão de obra agrícola em Uganda e, no entanto, não são incluídas questões de gênero nas políticas sobre mudança climática e agricultura. Foto: Wambi Michael/IPS

Por Wambi Michael, da IPS – 

Kampala, Uganda, 30/11/2015 – A mudança climática deveria ser uma prioridade, segundo um projeto que analisa as políticas de Uganda e, segundo o qual, este país não dá a suficiente atenção ao problema no desenvolvimento nacional nem na agricultura, e é necessário fazê-lo antes que seja muito tarde.

O projeto Ação Política para a Adaptação à Mudança Climática (Pacca) busca vincular as políticas e as instituições nacionais com as locais para o desenvolvimento e a adoção de sistemas alimentares resilientes à variabilidade do clima. Segundo o projeto, as políticas estão dispersas e é necessário harmonizá-las.

EdidahAmpaire, coordenadora do projeto, disse à IPS que, além da falta de harmonia entre as políticas, é preciso revisá-las para incorporar a mudança climática e a agricultura.

“Muitas das políticas foram desenvolvidas quando a mudança climática não era um problema, e costumam se concentrar no ambiente, embora implicitamente se refiram a uma gestão sustentável do uso dos recursos naturais, que também são intervenções que ajudam os agricultores a serem resilientes, mas não falam explicitamente da mudança climática”, explicou Ampaire.

O projeto Pacca, encabeçado pelo Instituto Internacional para a Agricultura Tropical (IITA), também funciona na Tanzânia. “A situação ali poderia ser pior se comparada com o que acontece em Uganda, especialmente em nível local”, afirmou a coordenadora do projeto. A evidência mostra que nesses dois países as políticas não estão apenas fragmentadas e mal implantadas, mas que a coordenação entre vários atores é insuficiente e seus papéis não são claros, acrescentou.

Em Uganda foram analisadas iniciativas como a Política Nacional de Mudança Climáticae a Política Nacional de Agricultura, ambas de 2013,e o Plano Nacional de Desenvolvimento e a Política de Gênero, de 1997. Uma das conclusões mais surpreendentes, segundo Ampaire, foi que nenhuma das políticas articulava as questões de gênero nas medidas de adaptação ao aquecimento global.

“O que sabemos das políticas é que não cobrem de modo suficiente as questões de gênero. Não preveem disposições particulares para grupos específicos. E creio que isso gera problemas, especialmente nos níveis mais baixos”, apontou a coordenadora do projeto. “Devem ser implantadas estratégias que atendam as desigualdades entre os diferentes setores, como jovens e mulheres. Em Uganda, as mulheres representam 80% da mão de obra agrícola, mas não estão incluídas em nenhum lado nem controlam recurso algum”, acrescentou.

Na Tanzânia, Ampaire disse que a Comunicação Nacional Inicial e o Plano de Ação de Adaptação Nacional apresentados pelo governo à Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC) não incluiu considerações de gênero.Da perspectiva ugandense, as recomendações se basearam nas conclusões de um estudo que analisou os vazios nas políticas e nos planos estratégicos nacionais e abrangem a inclusão de gênero nas iniciativas de adaptação e na adoção da Agricultura Climaticamente Inteligente, pontuou.

Outro estudo sobre gênero e mudança climática, realizado pelo Pacca em Uganda, concluiu que esses assuntos costumam ser temas transversais aos quais não é dada prioridade nem cota orçamental clara. “A incorporação do gênero à maioria das políticas analisadas é um anexo, mais do que um aspecto integral das mesmas”, diz o informe Gênero e Mudança Climática em Uganda: Efeito das Políticas e dos Marcos Institucionais.

“A forma como são tratadas as questões de gênero nas políticas e nas estratégias agrícolas em Uganda é diversa e não homogeneizada. É preciso uma combinação mais forte e responsabilidade intersetorial porque os mandatos de gênero para as diferentes intervenções recaem sobre distintos ministérios e agências”, diz um informe preparado por EdidahAmpaire, Wendy Okolo e Jennifer Twyman.

Nos distritos de Masaka e Rakai, no sul de Uganda, mais de 90% da população depende da agricultura de subsistência. A maioria dos cultivos está nas ladeiras entre picos e terrenos alagadiços e têm o tamanho médio entre 0,8 e 1,21 hectare. A pressão populacional nessa área desemboca na invasão de pântanos fluviais, que alimentam o sistema do rio Nilo, e de declives acentuados e bacias. As duas temporadas de chuva ali são cada vez menos previsíveis e mais escassas.

Os agricultores devem enfrentar o problema da falta de disponibilidade de água e o esgotamento dos solos, e necessitam melhorar o uso das precipitações naturais, mas, no entanto, as políticas nacionais não contemplam as necessidades específicas da área. O Ministério de Governo Local trabalha junto com o Pacca para analisar as políticas no contexto da resposta descentralizada à mudança climática.

Andrew Nadiope, especialista dessa secretaria, explicou à IPS que “nos demos conta de quando planejamos, temos que fazê-lo tendo em mente a mudança climática, porque quando documentamos algumas necessidades particulares de zonas específicas as medidas de adaptação podem ser melhor dirigidas”.

O distrito de Rakai, no sudoeste da Região Central de Uganda e onde vivem cerca de 500 mil pessoas, sofre severa escassez hídrica, e a água subterrânea costuma conter excessiva concentração de ferro. A administração local construiu, com apoio do governo central, cerca de 1.300 fontes de abastecimento, mas muitas delas não funcionam a mais de cinco anos e se considera abandoná-las porque a água é muito salobra.

O agricultor JudeSewankambo, de Kagamba, na localidade de Bugamba, contou à IPS que a construção dos poços foi um típico caso de mau planejamento, e, além disso, a população local não foi consultada. “Acabamos gastando dinheiro em projetos de água subterrânea e deveríamos ter optado por iniciativas como a coleta de água da chuva”, afirmou.

Sua mulher e seus filhos são obrigados a percorrer mais de dois quilômetros para buscar água doce no rio, ressaltouSewankambo. Ele explicou que junto com sua esposa aprendeu a construir tanques para armazenar água da chuva, mas é preciso muito dinheiro. “Um tanque de dez mil litros custa cerca de US$ 800, e o de mil a 1.500 litros, US$ 200. Muita gente aqui não tem esse dinheiro”, lamentou. Envolverde/IPS