Internacional

Redefiniçao do sistema humanitário

Olabisi Dare, diretor da Divisão de Assuntos Humanitários, Refugiados e Pessoas Deslocadas na Comissão da União Africana.
Olabisi Dare, diretor da Divisão de Assuntos Humanitários, Refugiados e Pessoas Deslocadas na Comissão da União Africana.

por Baher Kamal, da IPS –

Istambul, Turquia, 25/5/2016 – Com sua presença na Cúpula Humanitária Mundial, realizada nos dias 23 e 24, nesta cidade turca, a União Africana (UA) pretendeu uma redefinição e reconfiguração do sistema humanitário internacional. Na Cúpula, a organização (que representa 54 países com uma população conjunta de 1,2 bilhão de habitantes) argumentou que existe a “necessidade de redefinir o sistema humanitário internacional sob a forma de sua reconfiguração”, afirmou à IPS o diretor da Divisão de Assuntos Humanitários, Refugiados e Pessoas Deslocadas na Comissão da União Africana, Olabise Dare.

“O sistema atual, que se baseia na resolução 46/182 da Organização das Nações Unidas (ONU), não está sendo fielmente aplicado”, afirmou o diplomata nigeriano. “O Estado tem a responsabilidade primordial com seu próprio povo de atender suas necessidades e suas vulnerabilidades”, acrescentou.

Segundo Dare, “A UA sente que o Estado tem que desempenhar a função principal de coordenar todas e cada uma das ações humanitárias que possam ser desenvolvidas em seu território. Os Estados têm entre suas gestões aliviar as necessidades de seu povo”. E pontuou que “os Estados também têm que manter o espaço humanitário, bem como a responsabilidade de garantir a segurança, tanto dos trabalhadores humanitários como da infraestrutura humanitária”.

O representante da UA afirmou que “o Estado tem a capacidade em áreas estratégicas, com a utilização de recursos militares na assistência à ação humanitária. Um exemplo é o uso de forças militares na Libéria e em outros países, para que atuem como primeira linha de defesa no combate à propagação” do vírus ebola. “Não podemos exagerar a importância da função do Estado em garantir que a ação humanitária e o socorro sejam prestados de maneira efetiva”, destacou.

Perguntado sobre quais são as soluções da UA apresentadas na Cúpula, Dare reafirmou que “parte da solução é a necessidade de os governos desempenharem o papel principal e uma maior função de coordenação, a fim de cumprir com os atributos estatais e quanto à sua natureza de prevenir e dar resposta”. Isso “é parte do que a África se comprometeu a fazer, e seria muito bom que fosse incluído no informe do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, como parte da recomendação”, enfatizou.

“Também pedimos a reformulação da resolução 46/182 – Fortalecimento da Coordenação da Assistência Humanitária de Emergência do Sistema das Nações Unidas –, para que reflita os pontos de vista da África e a necessidade de se elevar o papel do Estado”, explicou Dare, que participou do programa de retorno e reabilitação de mais de 300 mil refugiados liberianos da África ocidental.

Essa resolução foi adotada em 1991, e seus chamados “princípios reitores” indicam que a assistência humanitária é de fundamental importância para as vítimas de desastres naturais e outras emergências, e que deverá ser proporcionada de acordo com os princípios de humanidade, neutralidade e imparcialidade.

O princípio reitor número três estabelece claramente que “deverão ser respeitadas plenamente a soberania, integridade territorial e a unidade nacional dos Estados, segundo a Carta das Nações Unidas. Nesse contexto, a ajuda humanitária deverá ocorrer com o consentimento do país afetado e, em princípio, com base em uma petição do mesmo”.

“Cada Estado tem a responsabilidade primordial e principal de se ocupar das vítimas de desastres naturais e outras emergências que ocorram em seu território. Assim, cabe ao Estado afetado o papel principal na iniciação, organização, coordenação e prestação da assistência humanitária dentro de seu território”, diz o princípio reitor número quatro.

O princípio número nove assegura que “há uma clara relação entre emergência, reabilitação e desenvolvimento. A fim de conseguir uma transição sem tropeços do socorro à reabilitação e ao desenvolvimento, a ajuda de emergência deve ser prestada de tal maneira que apoie a recuperação e o desenvolvimento no longo prazo. Dessa maneira, as medidas de emergência devem ser consideradas um passo para o desenvolvimento de longo prazo”.

O princípio reitor número dez declara que “o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável são imprescindíveis para a prevenção e preparação em relação aos desastres naturais e a outras emergências. Muitas emergências refletem as crises subjacentes de desenvolvimento que os países em desenvolvimento enfrentam”. E prossegue: “Assim, a ajuda humanitária deveria ser acompanhada de uma renovação da adesão ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento nesse contexto, deve-se facilitar recursos suficientes para que esses países possam enfrentar seus problemas de desenvolvimento”.

O princípio reitor 11 diz que “as contribuições para fins de assistência humanitária deveriam ser feitas de tal forma que não fosse em detrimento dos recursos disponíveis, com vistas à cooperação internacional para o desenvolvimento”. Segundo Dare, “quando nos fixamos na Posição Africana Comum (com relação à Agenda de Desenvolvimento Pós-2015) vemos que o primeiro pilar tem a ver com a privacidade do Estado. Os nove pilares restantes fazem o mesmo, de uma forma ou outra”.

A África reclamará para si mesma poder fazer mais com os recursos e destinar mais deles à ação humanitária, explicou Dare, acrescentando que “isso se deve ao fato de estar consciente de que as portas dos recursos estão diminuindo no Norte industrializado”. Na cúpula de Istambul, a África esperava uma garantia de que o sistema internacional humanitário seja reconfigurado para se adaptar às novas demandas e resolver os problemas que o sistema enfrenta atualmente, apontou.

O diplomata insistiu em que os compromissos do continente não se referem à Cúpula, mas “nos dão a oportunidade de analisar uma mudança de modelo quanto à forma como fazemos as coisas no âmbito humanitário na África, e também para ver o que podemos acrescentar de positivo à mitigação e ao alivio do sofrimento de nosso povo quando ocorrem desastres e deslocamentos”.

Por fim, Dare asegurou que “a África, no entanto, está decidida a começar a resolver seus próprios problemas utilizando soluções africanas para os problemas africanos”. Envolverde/IPS