Arquivo

Trabalhe na ONU, necessária experiência como governante

Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e ex-alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, agora no cargo de enviada especial do secretário-geral para a região africana dos Grandes Lagos. Foto: UN Photo/Ky Chung

Nações Unidas, 22/3/2013 – Um anúncio na sessão de classificados da Organização das Nações Unidas (ONU) em alguma publicação poderia dizer o seguinte: “Procura-se ex-chefe de Estado ou de governo para lucrativas missões na África, América Latina e Ásia, com atraentes diárias, viagens em primeira classe, hotéis cinco estrelas e imunidade diplomática assegurada”.

Claramente, a ONU está se convertendo em uma segunda oportunidade de trabalho para ex-líderes mundiais desempregados. Como parte desta tendência, seu secretário-geral, Ban Ki-moon, que ocupa o cargo desde janeiro de 2007, designou vários ex-primeiros-ministros e ex-presidentes como chefes de agências ou enviados especiais.

A última a entrar para este seleto grupo foi Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda (1990-1997), designada no dia 18 como representante especial do secretário-geral para a região africana dos Grandes Lagos. Robinson já havia ocupado o cargo de alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos entre 1997 e 2002, por designação de Kofi Annan (1997-2006), antecessor de Ban.

Outros dos últimos líderes captados pela ONU são Romano Prodi, ex-primeiro-ministro da Itália (1996-1998 e 2006-2008), nomeado enviado especial para o Sahel, e José Ramos-Horta, ex-presidente de Timor Leste (2007-2012) e agora chefe do Escritório Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau. O ex-presidente de Portugal, Jorge Sampaio (1996-2006), deixou no mês passado o cargo de alto representante da Aliança de Civilizações das Nações Unidas, que ocupava desde abril de 2007.

A ex-presidente chilena Michelle Bachelet (2006-2010) deixou no dia 16 o posto de diretora-executiva da ONU Mulheres, que ela inaugurou em julho de 2010. Bachelet falou em “razões pessoais” para sua renúncia, mas nos corredores das Nações Unidas e em seu país se dá como certo que decidiu regressar ao Chile para se candidatar novamente à Presidência, nas eleições de novembro deste ano.

Helen Clark, primeira-ministra da Nova Zelândia entre 1999 e 2008, foi a primeira mulher nomeada diretora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em abril de 2009. Também preside o Grupo das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Seu mandato de quatro anos terminará no mês que vem, mas há fortes indícios de que o secretário-geral a reconduzirá ao cargo.

As nomeações de Ban para os cargos de direção em agências como Pnud, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) devem ser confirmados pela Assembleia Geral, máximo órgão político do fórum mundial, com 193 membros. Até agora, nenhuma nomeação foi rejeitada.

Uma designação pendente é a do novo secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), cargo que ficará vago este ano.

Em uma recepção diplomática este mês, um alto funcionário das Nações Unidas revelou uma iniciativa para designar o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy (2007-2012) como enviado especial a algum lugar crítico da África. Contudo, o atual governo da França, que não considera Sarkozy um político com as credenciais necessárias para esse posto, teria rejeitado a proposta. Como consequência, esse plano nunca prosperou no escritório de Ban Ki-moon.

Quando o atual secretário-geral formou um painel de alto nível de 27 membros para assessorá-lo sobre o novo marco de metas que regerá a partir de 2015, quando vencem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, escolheu três atuais chefes de governo para copresidi-lo: o primeiro-ministro britânico, David Cameron, e os presidentes Bambang Yudhoyono, da Indonésia, e Ellen Johnson Sirleaf, da Libéria.

Chakravarthy Raghavan, veterano jornalista que cobriu a ONU em Nova York entre 1962 e 1971 e ex-presidente da Associação de Correspondentes das Nações Unidas, disse à IPS que “não recordou de outra ocasião em que altas personalidades, chefes de governo ou de Estado, tenham sido designadas como enviadas especiais ou colocadas em altos postos da ONU”.

“Acredito que somente o secretário-geral Boutros Boutros-Ghali (1992-1996) tentou igualar seu cargo com o de um chefe de Estado, e visitou apenas os países que aceitaram reconhecer-lhe esse status”, disse Raghavan, que atualmente cobre assuntos da ONU em Genebra. “Boutros designou vários enviados especiais, como fez Kofi Annan, mas eram principalmente ex-embaixadores junto às Nações Unidas”, acrescentou.

Consultado sobre se os novos altos funcionários da ONU estão capacitados para esses cargos apenas por terem sido chefes de governo, James A. Paul, assessor principal do Global Policy Forum, grupo independente que supervisiona o trabalho das Nações Unidas, disse à IPS que “francamente, depende de quem são e qual o tipo de trabalho podemos esperar deles”.

Paul acrescentou que, “para mim não é esse o problema, mas a redução geral da eficácia da ONU neste período, o extremamente baixo nível de liderança oferecido pelo atual secretário-geral e a determinação das grandes potências em defender uma ordem mundial que é, sob todos os pontos de vista, injusta e instável em qualquer circunstância”. Envolverde/IPS