ODS11

TotalEnergies é primeira empresa a ser certificada pelo Índice FIA que mede pegada de segurança viária dos negócios

por Rogerio Viduedo, especial para a Envolverde –

Anúncio foi realizado durante Conferência Visão Zero realizada pelo Governo da Suécia, no final de junho de 2023, em Estocolmo

Durante a um almoço com jornalistas selecionados pela Organização Mundial da Saúde e Ministério dos Transportes da Suécia para cobrir a Quarta Conferência Visão Zero em Estocolmo na última semana de junho de 2023, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), a mesma que organiza a Fórmula 1, anunciou um novo marco da estratégia de criar uma cultura de segurança viária a ser seguida pelo setor privado.

Na manhã daquela segunda-feira, 26, na sala de conferência do Hotel Clarion Sign, Jacob Bangsgaard, o secretário geral para Mobilidade e Turismo da instituição, anunciou que o Índice FIA de Segurança Viária (FIA Road Safety Index), uma nova ferramenta de avaliação de sustentabilidade empresarial (ESG) destinada a medir o tamanho da pegada da segurança viária da cadeia de suprimentos, havia certificado a multinacional francesa do setor de petróleo e energia, TotalEnergies como a primeira empresa a receber as três estrelas, a nota máxima do índice.

Da esquerda para a direita, Saul Billingsley (Fundação FIA), Nhan Tran (OMS), Maria Krafft (Governo da Suécia) e Michel Charton (Total Energies)

Zero fatalidades

“No ano passado, tivemos 10 mortes na nossa operação de transporte, mas nossa meta é zero fatalidades”, afirmou Michel Charton, vice-presidente de Saúde, Segurança e Meio Ambiente, durante o discurso de agradecimento. Ele provoca: “Isso não é piada! Se não acontecer, vamos parar com nossas atividades”, argumenta.

Charton talvez não dissesse isso caso não tivesse certeza. Veterano em cargos executivos da companhia, ele assumiu a área de segurança na petroleira francesa em 2021 com a missão de transformar a empresa em uma referência mundial no segmento, algo ambicioso para uma operação que envolve diariamente, o transporte de produtos perigosos por mais de 10 mil caminhões em 130 países e valores próximos à centena de milhões de dólares.

Eu fui olhar o disclousure da empresa. O último Relatório Universal referente a 2022, usa o método da Global Report Initiative (GRI) para avaliar o impacto socioambiental e é enviado para acionistas e órgãos reguladores. Nele, a direção da companhia informa que reduziu em 44% os sinistros de trânsito de natureza severa, que incluem mortes e lesões graves, ocorridos no transporte de cargas pesadas em três anos.

De 27 ocorrências em 2020, caiu para 20 em 2021 e baixou a 12 em 2022, demonstrando que a empresa já estava madura para alcançar a certificação da FIA, devido tanto ao compromisso em seguir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável quanto ao fato dela mesma ter participado ativamente no desenvolvimento do Índice.

Engajamento do setor

Faz mais de uma década que a FIA, formada atualmente por 243 clubes de automobilismo em 147 países, incluindo o Brasil, integra os esforços globais para reduzir mortes e lesões de trânsito e se intensificou a partir da chegada do francês Jean Todt à direção da entidade em 2012. O empenho do ex-chefe da Scuderia Ferrari para influenciar o debate da segurança viária sob o prisma do automobilismo, o levou a ser apontado em 2016 como Enviado Especial das Nações Unidas, uma posição que ele ainda mantém depois de deixar o comando da entidade.

Jean Todt – Enviado das Nações Unidas para a Segurança Viária

Nessa toada, a FIA agora quer protagonizar uma influência mundial para o atingimento da meta 3.6 dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, publicados pela primeira vez em 2016, mas que precisou ser revista. Ela determina que as nações deveriam cortar pela metade até 2020, as 1,35 milhão de fatalidades que acontecem nas ruas e rodovias, todos os anos. O prazo foi estendido para 2030.

Cultura da segurança viária

“Estamos muito felizes em fazer parte dessa discussão para desenvolver uma cooperação com a indústria e criar uma cultura de planejamento de segurança viária”, diz Bangasgaard. Ele relembra que essa primeira adesão à certificação proporcionada pelo FIA Index é parte da compromisso assumido pela entidade durante a participação nas discussões multissetoriais que acompanharam, naquela mesma cidade, três anos atrás, a 3ª Conferência Ministerial Global de Segurança Viária em 2020.

O encontro de ministros promovido pela ONU e OMS  resultou Declaração de Estocolmo para a Segurança Viária, de onde se nortearam as definições contidas no Índice FIA. Ele também agrega abordagens da ISO 39001 (norma de gestão para segurança no trânsito), no Global Reporting Initiative (GRI 403) e na Resolução 74/299 da Assembleia Geral das Nações Unidas que resultou no Plano Global para Segurança Rodoviária da OMS de 2021.

Benchmark para o ESG

“O índice é uma forma prática e tangível para empresas demonstrarem resultados atuais, de ver o que as outras já estão fazendo e segui-las”, ressalta o diretor executivo da Fundação FIA, Saul Billingsley,. O método se baseia em responder perguntas contidas num framework, uma espécie de fluxograma que orienta as empresas em como responder as perguntas que vão mostrar, ao final do processo, qual é o impacto da segurança rodoviária na logística do negócio, e o que ela pretende fazer no longo prazo para reduzir os danos.

A Fundação FIA é a entidade que intermedia o fluxo do dinheiro dos patrocinadores dos projetos sociais que são incentivados pela federação de automobilismo.  Além da segurança viária, ela financia projetos de ação climática, poluição do ar, cidades habitáveis, direitos das crianças e segurança dos esportes à motor.

Bilingsley espera que, a partir de agora, investidores e acionistas possam ver o desempenho da segurança rodoviária de companhias listadas ou não em bolsa, como parte essencial do ESG.  “É algo que as pessoas devem observar quando estão investindo em uma empresa, algo que está no centro da responsabilidade social e planetária”, ressalta.

Língua empresarial

Segundo Nhan Tran, gerente do programa de Mobilidade e Saúde da Organização Mundial de Saúde, o Índice FIA tem mais poder em atrair a adesão do setor privado para a causa das mortes e lesões de trânsito do que a própria OMS, que é um organismo governamental que atua junto aos países-membros das Nações Unidas. “É um marco muito importante na nossa estratégia de engajamento com o setor privado. Acredito que também é uma ferramenta útil para a mídia e eventualmente para os consumidores”, completa.

O sucesso do Índice FIA pelas empresas, agora, vai depender de como a comunicação será realizada. Jacob Bangsgaard, pretende fazer usar toda a capilaridade da federação, que possui filiadas em mais de uma centena de países e que é reconhecida por organizar a Fórmula “Representamos  clubes de mobilidade de todo o mundo e trabalharemos com nossos membros para divulgar esta mensagem a nível nacional”, prometeu.

Meta ambiciosa

“É uma meta ambiciosa, mas é melhor do que não ter meta nenhuma” disse Todt em outra entrevista coletiva ao final do primeiro dia de trabalhos em Estocolmo. Ele espera, assim como outros executivos especializados em trânsito que estão presentes na cidade para a conferência promovida pelo governo da Suécia, que as empresas assumam a responsabilidade com as tragédias de trânsito, principalmente nos países em desenvolvimento.

“Na Europa, 45 anos atrás, havia 100 mil mortes por ano. Hoje, são 20 mil, uma divisão por cinco, mas nada aconteceu sem o envolvimento de governos, universidades e setor privado”, esclareceu o francês.

Uma morte a cada 23 segundos

O fato é que se espera das empresas que operam globalmente um maior comprometimento com a epidemia de mortes e lesões viárias que assola países de baixa e média rendas, onde acontecem 90% das ocorrências registradas pela OMS. Em um website dedicado ao assunto, um contador mostra que acontece uma morte de trânsito cada 23 segundos.

A carnificina é resultante da falta de regras para uso de capacetes por motociclistas, da fiscalização de direção sob embriaguez, da falta de uso do cinto de segurança o que, somadas à inexistência de sinalização viária e punição adequada a infratores, fazem com que as crianças e jovens entre cinco e 29 anos de idade figurem como as principais vítimas.

Além disso, a OMS projetou um número assustador para o ano 2030. Caso nenhuma medida seja tomada imediatamente, calcula-se que até 500 milhões de pessoas serão lesionadas gravemente e 13,5 milhões podem morrer, tendo em vista um aumento da motorização nos países da África, América Latina e Sudeste Asiático, onde o transporte público é ineficiente e, o uso de motos, tem sido amplamente estimulado. (Envolverde)

Rogério Viduedo é jornalista de São Paulo. Se especializou nas na cobertura da segurança viária e mobilidade sustentável desde 2016. Em 2018, criou o site Jornal Bicicleta para cobrar autoridades por soluções eficientes para deslocamento da população. Recebeu o Prêmio Abraciclo de Jornalismo, em 2021, com a reportagem publicada na Envolverde, Cultura da bicicleta se aprende na escola – https://envolverde.com.br/cultura-da-bicicleta-se-aprende-na-escola/