José Eli da Veiga analisa em novo livro os debates científicos mais atuais em torno da crescente influência humana na Terra
Estaria a humanidade comprometendo a biosfera do planeta Terra de maneira irreversível? Há cerca de 12 mil anos, o Homo sapiens passou a viver em um período de estabilidade climática, o Holoceno, que possibilitou o desenvolvimento da agricultura e o florescimento das civilizações. Mas, em algum momento do século XX, a influência das atividades humanas passou a alterar de forma decisiva o relativo equilíbrio da vida na Terra. O aquecimento global, a poluição, a destruição de campos e florestas, a acidificação dos oceanos e a perda de biodiversidade se aceleraram, e muitos cientistas procuram demonstrar que já vivemos em um novo período geológico: o Antropoceno, em que o homem passou a ser o principal vetor de mudanças biogeoquímicas no planeta.
Em seu novo livro, José Eli da Veiga, um dos principais estudiosos brasileiros do desenvolvimento sustentável, analisa a emergência do Antropoceno à luz dos debates científicos mais recentes — abordando criticamente as ideias de James Lovelock, Paul Crutzen, John Elkington, Peter Ward, Steven Pinker, Kate Raworth, Tim Lenton, Yuval Harari e vários outros —, e discute os parâmetros epistemológicos que poderão ajudar no desenvolvimento de uma nova e promissora ciência, a Ciência do Sistema Terra. Esta, integrando as ciências naturais às ciências humanas, pode ser decisiva para que nosso planeta venha a ser um espaço habitável, seguro e justo para a humanidade.
O lançamento de O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra acontece no dia 28 de março (quinta-feira), das 10h às 13h, no auditório da Unibes Cultural, em São Paulo. O evento faz parte da agenda oficial da Hora do Planeta 2019, organizado pela WWF-Brasil. Já no dia 16 de abril (terça-feira), às 17h30, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, o autor realiza uma palestra sobre o livro, seguida de comentários de Carlos Minc e Sérgio Besserman.
Sobre o autor
José Eli da Veiga nasceu em São Paulo, em 1948. É professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP). Por trinta anos (1983-2012) foi docente do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP), onde obteve o título de professor titular em 1996. Além de artigos em periódicos científicos nacionais e estrangeiros, e diversos capítulos de obras coletivas, publicou mais de vinte livros, entre os quais: Amor à ciência: ensaio sobre o materialismo darwiniano (Senac SP, 2017), Para entender o desenvolvimento sustentável (Editora 34, 2015) e A desgovernança mundial da sustentabilidade (Editora 34, 2013). É colaborador das colunas “Opinião”, do jornal Valor Econômico, e “Análise”, da revista Página 22.
Texto de orelha
José Eli da Veiga é um dos poucos intelectuais brasileiros a quem costumo chamar de polímata sem o menor constrangimento. Este livro, O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra, deixa claro por que qualificá-lo assim não é exagero ou lisonja. Não é para qualquer um, afinal, a tarefa de transitar, em pouco mais de uma centena de páginas, por áreas tão distintas quanto a biologia evolutiva, a climatologia, o pensamento econômico e a filosofia — para, a partir daí, esboçar as linhas-mestras do raciocínio que tem nos levado a conceber a humanidade não mais como uma simples espécie de mamífero de grande porte, mas como uma força geológica, talvez a força geológica por excelência hoje.
Esse é o conceito central por trás do termo Antropoceno, a Época do Homem. Especialistas ainda debatem como (e se) o Antropoceno pode se tornar parte da nomenclatura oficial usada por geólogos do mundo todo. A maioria dos defensores da ideia hoje parece preferir que o início do Antropoceno seja definido pelos testes nucleares de meados do século XX. O livro é, em parte, a crônica dos debates e das indefinições acerca de tal terminologia.
Mas a obra também abrange um tema muito mais amplo: o que a ciência diz sobre as propriedades emergentes derivadas da interação entre aspectos vivos e não vivos da história da Terra, e como, ao menos por enquanto, ainda não temos um vocabulário científico totalmente consistente, quantificável e “testável”, para entender como tais propriedades emergem. Se é difícil negar que já adentramos o Antropoceno, é igualmente complicado afirmar com algum grau de certeza o que isso significará.
Não passa despercebida ao autor a ironia de nossa situação atual — com efeito, tal ironia é apontada em diversas passagens do livro. Por um lado, agora é possível enxergar com clareza algo desesperadora como a ação humana fragilizou múltiplos aspectos da estabilidade geológica e ecológica que tinha caracterizado o Holoceno (a época que precedeu o Antropoceno) por tantos milênios. Boa parte desses impactos pode ser quantificada e modelada com precisão.
Por outro lado, entretanto, tais modelos, típicos da Ciência do Sistema Terra, ainda não acharam um meio satisfatório de incorporar aspectos sociais, políticos e culturais em suas tentativas de vislumbrar como há de se desenrolar o Antropoceno. E o problema, claro, é que, sem esse tipo de input, nossas imagens do futuro tendem a adquirir o aspecto de esqueletos despidos de carne, nervos e sangue. Para dar um exemplo banal (e que talvez se torne datado em poucos anos), qual o impacto da ascensão global dos movimentos ligados à direita nacionalista, que tendem a enxergar a preocupação com a sustentabilidade como inimiga da soberania nacional, nas projeções climáticas para o fim do século XXI? É claro que é brutalmente difícil levar em conta esse tipo de informação no arcabouço dos modelos existentes, mas isso não el imina a necessidade de tentar. O livro que você tem em mãos não oferece respostas prontas sobre tudo isso — ainda bem. Mas é um mapa claro e sucinto das perguntas que devemos continuar a fazer. (#Envolverde)