Comunidades de fungos presentes no solo de três áreas da mata atlântica foram analisadas e catalogadas em pesquisa realizada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), pela bióloga Vivian Gonçalves Carvalho. “Os fungos desempenham várias funções essenciais ao ecossistema. Muitos deles podem ser extintos antes mesmo de sabermos de sua existência, o que representaria uma grande perda para a ciência, principalmente para avanços na biotecnologia”, ressalta a pesquisadora sobre a importância do estudo. Vivian estimou que existam cerca de 1840 espécies de fungo no solo da mata atlântica.
As amostras de solo analisadas são provenientes de parcelas permanentes da mata atlântica, porções que foram implantadas pelo programa Biota da Fapesp para servirem como área de pesquisa da biodiversidade do estado de São Paulo. Elas estão localizadas no Parte Estadual de Carlos Botelho, na Serra de Paranapiacaba, Estação Ecológica de Assis, em Assis, e Parque Estadual da Ilha do Cardoso, no
litoral sul de São Paulo. A mata atlântica é um bioma presente na maior parte da região litorânea do Brasil e uma das mais importantes florestas tropicais do mundo. A colonização deu início à extinção da porção nativa da mata, que se acentuou nas últimas décadas com a expansão agrícola. Esses dados ressaltam a importância de se fazer um mapeamento de comunidades microbianas desse bioma, antes que espécies desconhecidas sejam extintas.
Avaliação
Foram escolhidas três espécies arbóreas que estavam presentes nas três áreas. Foram recolhidas amostras do solo que estavam sob a copa dessas árvores. As amostras foram recolhidas em época de alta pluviosidade e de baixa pluviosidade, ou seja, de alta e baixa incidência de chuva.
Vivian utilizou métodos tradicionais e métodos moleculares, o que confere caráter inédito à sua pesquisa. Os estudos sobre fungos do solo da mata atlântica publicados até o momento utilizam apenas métodos de cultivo em laboratório para a identificação das espécies. “Esses métodos, porém, são capazes de recuperar apenas uma pequena parte da comunidade total de fungos, já que muitas espécies não crescem em meios de cultura devido às exigências nutricionais dentre outros fatores”, explica.
A avaliação tradicional consiste no isolamento e no cultivo dos fungos, para que depois eles sejam identificados. Foram isoladas e identificadas 142 espécies por meio do método de cultivo utilizado. “Todas elas estão armazenadas na Universidade Federal de Lavras (UFLA), onde essa parte da pesquisa foi realizada e podem servir de base para outros estudos”.
Já as avaliações moleculares foram duas: a eletroforese em gel com gradiente de desnaturante (DGGE), que é uma técnica que permite a avaliação de diferenças na estrutura das comunidades de fungos de diferentes áreas e diferentes épocas e a de pirosequenciamento, que possibilita a recuperação de um grande número de sequências de DNA de fungos presentes nas amostras de solo. Por meio desse método foi possível recuperar cerca de 39 mil sequências de DNA.
Elas foram agrupadas em Unidades Taxonômicas Operacionais (UTOs), que representam prováveis espécies de fungos. “Com esse método de pirosequenciamento foi possível identificar cerca de 1840 “espécies” (UTOs) de fungo apenas nas amostras de solo analisadas.” Vívian ressalta: “Se considerarmos a área total de mata atlântica, esse número de espécies é, provavelmente, muito maior”.
Características gerais
A pesquisadora avalia que há uma distribuição bastante homogênea entre as comunidades de fungos dentro de cada uma das três áreas analisadas. Também ficou claro que a pluviosidade não é um fator que influência de maneira relevante a presença desses fungos, já que os dados gerados na análise do período de baixa pluviosidade foi semelhante a da época de alta pluviosidade.
“Algumas diferenciações ficaram claras, como que o Parte Estadual de Carlos Botelho e o Parque Estadual da Ilha do Cardoso têm comunidades de fungos mais semelhantes entre si, enquanto que as comunidades da Estação Ecológica de Assis se diferencia em algumas características. Acreditamos que é porque a Estação de Assis fica mais distante do litoral e pode ter sofrido com a continentalidade, caracterizado pelas maiores variações de temperatura e regimes de chuva ao longo do ano. Por outro lado, os demais parques são geograficamente mais próximos entre si e ao litoral”, comenta a bióloga.
Com todos esses dados emitidos, Vivian e seu orientador montaram uma rede, que eles chamaram de rede neural artificial. Essa rede juntava todos os dados coletados durante o estudo e a partir dela foi possível fazer uma série de inferências acerca dos fatores que exerceram maior influência na diversidade de fungos do solo. Dentre as variáveis analisadas, a matéria orgânica do solo e o PH mostraram ter maior efeito na diversidade da comunidade de fungos do solo da mata atlântica.
O estudo teve orientação do professor Marcio Rodrigues Lambais, também da Esalq.
* Publicado originalmente no site da Agência USP.