ODS16

Comentando comentários: por que é importante qualificar o ambientalismo no debate político atual

por Samyra Crespo –

Lendo os comentários às minhas publicações na série sobre o Ambientalismo, vejo críticas (bem vindas) de três ordens: “biografias” incompletas ou injustas; pessoas/ atores, operadores que não são citados; saltos quânticos no tempo dos fatos e olhar reducionista sobre, por exemplo, os ecossocialistas.

Insisto, embora goste e até aprenda com as críticas: meu debate não é acadêmico nem tem a pretensão de recorrer todos os meandros de um movimento que é amplo, mundial e multifacetado.
Ao contrário, desejo questionar justamente o reducionismo ideológico-político a que o governo atual pretende nos aprisionar, enfraquecer nossos argumentos e coibir nossa ação.

E está enfraquecendo de fato. Basta ver os 100 dias do Sinistro do Meio Ambiente(não foi erro de digitação) e o desmonte em curso. E Abrolhos indo pro saco.

Conto uma história longa, e pouco conhecida, que não se restringe ao “modo petista de governar” nem pode caber no rótulo de marxista, esquerdista ou equivalentes.

Não estou desqualificando nenhum nem outro. Trabalhei no MMA no primeiro escalão, ao lado dos ministros Carlos Minc e Izabella Teixeira. Não sou petista e ter esse protagonismo deveu -se à minha trajetória profissional e ao fato de que a presidente Dilma optou por ter um ministério técnico.

Quanto ao marxismo: reconheço que os ecossocialistas existem desde os anos 60 e que estiveram em voga nos 70, aproveitando o clima de efervescência política pós 68. Nomes como René Dumont (que como Marina concorreu à Presidência na França), Serge Moscovici, e André Gorz bem como Morin ( muito influente junto às elites universitárias brasileiras) são alguns dos expoentes do pensamento desse grupo. Mas a importância que tiveram na França, ou em outros países da Europa – assim como os Verdes – não se reproduziu no Brasil.

Por uma razão bem simples: a Ditadura atrasou o aggiornamento de nossa esquerda democrática. As novas ideias corriam por lá e aqui, sob censura, nos virávamos como podíamos para sustentar uma frente democrática.

E porque nos anos 80 o papo político era outro: a globalização e seus supostos benefícios ou malefícios.

Para culminar essa mudança de ótica, as reuniões preparatórias à Rio 92 tentaram minimizar as diferenças ideológicas e criar um clima mais cooperativo a fim de fazer prosperar os acordos do clima e de floresta, em pauta na época.

O próprio Fórum das ONGs criado no Brasil, às vésperas da Rio 92 – espelha esse esforço de união.

Com a incorporação do ideário do Nosso Futuro Comum (1987) – relatório coordenado pela médica e ministra de meio ambiente da Noruega Gro Bruntdland – começou a vigorar o framework do Lifeboat. Trocando em miúdos a teoria do Lifeboat é a seguinte: seja você operário ou patrão, rico ou pobre, africano ou sueco, preto ou branco, judeu ou budista – se a Terra for pro buraco, vamos todos. Não adianta você ser rico e morar nos Jardins. Se o ar de São Paulo estiver envenenado você será uma vítima tanto quanto alguém da periferia.

Essa ideologia que iria ganhar terreno na Rio 92 enterrou qualquer tentativa de protagonismo dos ecossocialistas.
E o cientista politico brasileiro, Roberto Guimarães, burocrata da CEPAL, que coordenou o relatório brasileiro para a Conferência, alertava sobre a ideologia subjacente à ideia do desenvolvimento sustentável, explodindo o conceito de classe. Tive ocasião de entrevistá-lo na época e ouvir dele que a esquerda estava sendo naif.

Enfim, história.
Os ecossocialistas ganharam algum respiro na vigência plena do SOCIOAMBIENTALISMO (mandatos do Lula) tema ao qual retorno no próximo post.

Grata aos que comentaram meus textos. Como disse, aprendo muito com vocês.

 

 

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo ” O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.

(#Envolverde)