ODS16

O que está por trás da desconfiança em relação aos partidos no Brasil

Por Raphael Concli, da Agência USP – 
Pesquisa discute persistência de sentimento generalizado de descrença e seus efeitos nas instituições políticas e eleitores

As brasileiras e os brasileiros em sua maioria não confiam em partidos políticos, independente de gênero, raça, escolaridade ou idade. E quanto pior a avaliação dos cidadãos a respeito de fatores como economia e corrupção, maior a desconfiança. Mas estas são constatações que a literatura em ciência política já conhece.

Ocorre que mesmo quando a percepção é de que há melhora nestes indicadores, isso não se traduz em confiança nos partidos, apenas diminui a hostilidade em relação a eles. Partidos são vistos como instituições que quebram as expectativas de que irão cumprir suas funções e atender aos interesses daqueles que os elegeram.

Estas são conclusões obtidas pela pesquisa de mestrado em Ciência Política Por que os brasileiros não confiam em partidos políticos?, de Eduardo Alves Lazzari, defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Pesquisa mostrou que mesmo quando avaliação sobre situação do País melhora, isso não se transmite aos partidos – Foto: Raphael Concli

“Se a única coisa que uma avaliação positiva provoca é a neutralização daquele indivíduo, isso reflete a dificuldade que partidos políticos têm de se fazerem presentes e gerar algum tipo de apoio na sociedade.”

Na abordagem da pesquisa, confiar é considerar que seus interesses serão levados a cabo por aquele em quem se confia, mas é também assumir um risco: o de que esta expectativa seja frustrada. Logo, quem desconfia entende que seus interesses não serão representados e defendidos por uma pessoa ou instituição, e que não vale a pena assumir o risco da confiança. É disto que tanto partidos como os próprios políticos são alvos.

No Brasil é difícil encontrar índices que mostrem a existência de confiança antes dos anos 1980. Isso impede que se fale em um rompimento de confiança. Desde o final da ditadura civil-militar, a confiança em partidos sempre foi baixa e só viria a decair ao longo dos anos.

“Se o arranjo político não é capaz de concretizar todas as demandas que ele mesmo gera, a cada período eleitoral há um aumento da insatisfação. Você tem a percepção reforçada de que pode votar, mas que aquele candidato não irá entregar o que de fato está prometendo.” Esta situação torna-se um círculo vicioso, gerando o que o pesquisador chama de “cultura de desconfiança”, a qual torna bastante improvável que a percepção a respeito dos partidos se altere.

Os dados utilizados pelo pesquisador vêm do estudo Brasil, 25 Anos de Democracia – Balanço Crítico: Políticas Públicas, Instituições, Sociedade Civil e Cultura Política, elaborado pelo Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas (Nupps) da USP.  Como a pesquisa ressalta, trata-se de um momento em que se observa crescimento exponencial da insatisfação dos brasileiros diante dos partidos, revelando um quadro em que teria se tornado “cultural e normativamente defensável desconfiar de partidos políticos”.

Partidos não sabem lidar com rejeição

Como autoridades políticas e partidos são as principais figuras da política institucionalizada, a desconfiança quanto ao partido atinge também os políticos, argumenta Lazzari.  Um cenário como este favorece a ascensão de figuras que, justamente, procuram se afastar da figura do político tradicional, apresentando-se como algo “novo” e, portanto, sem motivo para ser alvo de desconfiança.  E os partidos não sabem lidar com isso, considera o pesquisador.

Partidos políticos mantém monopólio ao lançamento de candidaturas no Brasil, tensão a ser enfrentada para que movimentos sociais institucionalizem suas preferências. Foto: Raphael Concli

Esta lógica já operava em candidaturas como a de Marina Silva à presidência em 2014 com sua ideia de “nova política” ou a de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo em 2012, que também investia na ideia de ser algo novo. Já a vitória de João Doria em São Paulo seria um exemplo mais recente do fenômeno em que candidaturas se constroem em choque com seus partidos.

“Ou os partidos investem no candidato que aparece como gestor, e correm o risco de perder o controle do processo, ou investem em figuras mais ligadas a políticas institucionalizadas, correndo risco de perder a eleição”, diz Lazzari. No processo há grandes chances de que a própria instituição partidária sofra rachas, como ocorreu com o PSDB e, nos Estados Unidos, com o Partido Republicano.

Desconfiar de partidos é rejeitar a política?

Apesar da rejeição massiva aos partidos, observa-se no Brasil grande apoio à democracia, segundo Lazzari. “Muito embora haja um nível muito pequeno de pessoas que confiam em partidos políticos, existe um nível elevado de pessoas que dizem que a democracia é a melhor forma de governo a despeito de todos os seus defeitos.”

O apoio do cidadão sobre a democracia tem múltiplas dimensões, como afirma o pesquisador, sendo possível ter pouca confiança em partidos políticos, mas apoiar o regime democrático, o reconhecendo como melhor forma de governo simultaneamente. Assim, ao invés de se distanciar da política, o cidadão passa a se engajar para aprimorar, de alguma maneira, este regime, sendo o que a literatura entende como cidadão crítico.

“Há interesse em algum tipo de engajamento político. Mas ele não é feito por meio da política institucionalizada, por meio de partidos políticos”, afirma Lazzari. ONGs ou movimentos sociais são alguns dos espaços para onde este interesse se volta. Entretanto, mesmo estas organizações não conseguem sempre escapar aos partidos ou à política institucionalizada, com a qual precisam entrar em contato quando ganham volume e visam a institucionalizar suas posições, pondera o pesquisador.

A pesquisa de Lazzari teve orientação do professor Jose Álvaro Moisés.

Mais informações: e-mail [email protected], com Eduardo Alves Lazzari

(Envolverde)