por Samyra Crespo –
Este texto é sequência do que publiquei há dois dias na minha página e na Envolverde/Carta Capital digital, e faz parte de uma série onde tento desenhar o alcance dos ataques que este GOVERNO – e seus aliados – fazem à área político institucional dedicada à proteção ambiental na atualidade, com graves consequências que já se fazem sentir.
Até finais da década de 80, o ambientalismo era considerado um “não poder”. Com dois grupos que tinham uma “ação simbólica’: os dreammers, idealistas que queriam salvar as baleias e os macaquinhos, e uns radicais barulhentos, denuncistas, onde já se viu! E políticos de verdade repetiam um mantra: ambientalismo ( na época chamado de ecologismo) não dá voto! Era uma espécie de maldição.
Elegemos um único deputado constituinte em 88 – Fábio Feldmann, jovem advogado paulista que tinha atuado no caso de Cubatão e que era ligado ao grupo que criou a SOS Mata Atlântica. A piada corrente era que se precisássemos fazer lobby em Brasília não enchíamos uma Kombi. Mesmo depois quando o PV elegeu Fernando Gabeira ele era o líder de sua bancada de um, ele mesmo, estrela solitária no Congresso. Um Quixote.
Paulo Pizzi, ambientalista de Curitiba e eu ( na época atuando no ISER/RJ) fizemos o primeiro catálogo de ONGs ambientalistas do Brasil, 1993/94. Encontramos, no Brasil todo, cerca de 400 grupos organizados: 10 a 20 pessoas atuando localmente, amadores em sua maioria, sem grana, com escritórios funcionando na casa de um ou de outro. Sem internet o recurso de comunicação era fax e caixa postal. ONGs profissionais? Meia dúzia no Sudeste. Ou seja, éramos um não-poder e não ameaçávamos ninguém. A sociedade brasileira, nas pesquisas de opinião estava em Love com o meio ambiente: todos a favor. Afinal, quem é contra ar puro e matas verdes, e animais adoráveis que só se vê em zoos? Desde que não seja sua mata, Desde que não atrapalhe a construção do shopping no seu bairro…
Tudo isso mudou – e rápido – na segunda metade dos anos 90 e seguintes. Por meio do CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) criou -se uma série de instrumentos legais de regulação de uso dos recursos naturais. Dando aos Estados e Municípios condições de atuar contra passarinheiros, traficantes de animais silvestres, dragagem ilegal de areia, pesca ilegal, caça ilegal, queimadas criminosas, uso indiscriminado de agrotóxicos e avanços sobre terras públicas com privatização de praias, construção de condomínios em cima de mangue e restingas aterrados, etc – só para citar alguns dos interesses dos ‘pequenos’ ( nao estamos falando aqui do grande capital nem das grandes corporações) que foram contrariados. Pequenos que olhados na escala do Brasil com 27 estados e mais de 5.500 municípios causam ainda hoje um estrago considerável.
Engana -se quem acha que as bancadas do boi, da soja, do veneno e da lama são sustentadas unicamente por lobbies de latifundiários e representantes do agrarismo atrasado. Calcula-se que 193 dos 511 deputados os representam bem como 32 dos 81 senadores. Muitos deles empresários. Quando se vai aos micro poderes vamos ver que governadores e prefeitos, em geral são eles mesmos – quando não aliados deste empreendedorismo predatório – donos dos negócios sujos barrados pelas leis e fiscalização.
1, 5 bilhão de multas que o Ibama aplicou nesses últimos anos estão em vias de não serem pagos aos cofres públicos brasileiros. Num governo que, diga-se de passagem, tem dificuldades de fechar as contas este ano.
Recursos que estão sendo “revistos” por uma comissão sem qualquer transparência, nos corredores de um Ibama amordaçado e apequenado na sua função.
A conhecida farra da anistia. Só não se anistia dívida de pobre.
O cerco aos ambientalistas, assim como o assassinato de seus líderes começa a ocorrer quando o não poder de alguns poucos vai se constituindo em poder de fato – com leis nacionais (água, novo código Florestal, lei dos crimes ambientais, lei nacional de resíduos sólidos, etc); com a criação de milhares de secretarias ambientais nos Estados e Municípios; com a crescente expertise nas ciências ambientais sustentada pelas universidades; e pelo poder de fogo das ONGs ambientalistas, muitas delas globais e com novas técnicas de marketing e de formação da opinião pública. Com a entrada em cena do Ministério Publico.
Nos governos que antecederam a este, três dos quatro ministros eram assumidamente ambientalistas (Marina, Carlos Minc e Sarney Filho). Mesmo Isabella Teixeira, técnica de carreira do Ibama e ministra da Dilma, operou para fortalecer as políticas ambientais, enfrentando já a poderosa articulação no Congresso contra os avanços das leis de proteção ambiental.
Amigos, temos muitos adversários. Mas também muitos aliados e sim, enchemos agora mais de uma Kombi para ir à Brasília.
No próximo post vou falar do nosso arco de alianças.
Vou falar de gente comum. E de gente extraordinária.
E de eventos que até hoje ecoam como ventos fortes de otimismo e esperança.
Aguardem.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo ” O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.
(#Envolverde)