A renovadora volta ao pastoralismo na França

No dia 24 Março passado, uma pequena manada de carneiros desembarcou nas ruas da capital francesa. Os quatro carneiros da região de Ouessant, ilha da Bretanha, que percorreram docilmente o asfalto parisiense acabavam de ser contratados pela administração municipal de Paris para se ocupar do aparado de seus espaços verdes. Os quadrúpedes substituirão, a partir de agora, as podadeiras de grama e deverão garantir a manutenção de uma área pertencente aos Arquivos de Paris, no 19ème arrondissement, um dos 20 bairros de Paris, localizado à margem direita do Rio Sena. A experiência, determinada pela Direção dos Espaços Verdes e do Meio Ambiente, deverá continuar até o próximo mês de Outubro. Se o resultado do teste revelar-se eficaz, esta nova forma urbana de eco-pastoralismo, poderá muito bem se estender a outros lugares de Paris, tais com os boques de Boulogne e de Vincennes ou o Parque des Buttes Chaumont.

O pastoralismo urbano, uma prática ancestral na cidade

A introdução de carneiros, ovelhas, cabras e outros herbívoros em espaços urbanos é uma prática ainda recente na França. Se a cidade de Paris não ocupa, neste caso, posição pioneira, o simbolismo da sua adesão ao projeto é evidentemente importante. Prática de tempos antigos no meio rural, o pastoralismo ou a utilização de manadas ovinas para a conservação dos espaços naturais, foi abandonada durante os anos cinquenta em favor do uso de engenhos mecânicos e de herbicidas. A tendência dos últimos anos parece ser, então, a de uma providencial volta ao passado, posto que cidades como Lyon, Grigny, Lille ou Montélimar já trocaram as suas máquinas podadeiras de grama e os pesticidas em favor de manadas de carneiros solognotes, de cabras da região de Fossés e de outras espécies de asnos de Poitou, Sudoeste da França.

No dia 15 Março de 2012, na região de la Loire, aconteceu a reunião do primeiro “Encontro do pastoralismo”, que teve um profético slogan “Adotem as podadeiras do futuro!” que inaugurou oficialmente esta nova era da ecologia urbana. Essa reunião de expertos, representantes do setor público e de empresas privadas, permitiu apresentar e promover esse conceito. A gestão alternativa dos espaços verdes no meio urbano responde igualmente aos projetos nacionais de restauração ecológica resultantes dos debates e orientações do Fórum Nacional do Meio Ambiente denominado “Grenelle de l’Environnement”, como a “Trame Verte et Bleue” e a “Estratégia Nacional pela Biodiversidade” (2011-2020).

Evidentemente, é necessário não cair na ingenuidade de acreditar que o respeito ao meio ambiente prima agora aos olhos dos tomadores de decisão sobre os interesses econômicos. Conceder uma “pausa-carneiro” no lugar de uma “pausa-cigarro” aos seus empregados não se faz sem um bom cálculo financeiro. Silencia-se frequentemente a ética em favor do lucro. O eco-pastoralismo, em vez de representar uma vantagem ambiental, representa uma vantagem econômica (ou inversamente). Empregar carneiros-jardineiros é administrar os espaços verdes com menos despesas. Já que o interesse econômico está ai, por que, de passagem, não é possível fazer um pouco ecologia e de ações sociais? Ao implementar uma gestão ecorresponsável, as empresas contribuem dessa forma a melhorar a sua imagem e ganham em credibilidade.

Por outra parte, as operações do eco-pastoralismo engendram parcerias inéditas entre associações locais, criadores pecuaristas, empresas e coletividades territoriais. Eles também geram ligações sociais ao introduzir animais atípicos nas áreas urbanas que muito bem poderiam ser o suporte de projetos educativos em torno ao tema de como o homem e a natureza podem coabitar no meio urbano.
Os benefícios ambientais são múltiples: respeito aos ecossistemas, redução das emissões de dióxido carbono, fertilização natural, ausência de dejetos não-orgânicos, poluição sonora zero. A presença de animais nos espaços anteriormente mutilados pela ação mecânica e química das podadeiras e dos herbicidas contribui igualmente a restaurar seu continuum biológico; o animal, desempenhando o ofício de verdadeiro “corredor ambulante” para as sementes, permite assim a sua melhor disseminação. O eco-pastoralismo oferece igualmente a vantagem de reabilitar as antigas raças animais em risco de extinção. O carneiro da ilha de Ouessant, novo colaborador dos serviços técnicos da jardinagem da Prefeitura de Paris, é um bom exemplo.

O carneiro de Ouessant, um jardineiro de quatro patas

Existem umas sessenta variedades de ovinos na França. De entre elas, o carneiro de Ouessant foi o escolhido pela cidade de Paris graças às suas qualidades de grande desmatador. Considerado como a menor espécie de carneiro do mundo, se caracteriza por uma lã quase sempre preta; originalmente o carneiro de Ouessant povoava a ilha bretã epônima. O ovino começou a desaparecer no século passado quando os carneiros brancos, economicamente mais rentáveis, foram introduzidos na ilha. Uma forte mestiçagem acarretou rapidamente o raleamento da raça. Criadores apaixonados empreenderam a sua salvatagem nos anos 70. Eles reencontram os seus rastros no continente, nos jardins e parques de ricos proprietários rurais que os utilizavam como animais de atração. Dessa forma, o carneiro de Ouessant pode ser salvo e hoje não se encontra mais em risco de extinção. Se efetivamente ele não serve para produzir lã, nem leite, nem mesmo carne, o seu pequeno porte e seu caráter rústico fazem dele um dos campeões incontestes no cuidado dos espaços verdes.

Os animais utilizados no eco-pastoralismo, com efeito, devem responder a critérios de seleção muito precisos. Frequentemente são raças economicamente pouco rentáveis, uma pecuária em declínio de antigas raças que souberam se adaptar a hábitats difíceis. Os animais devem, efetivamente, poder ficar o máximo de tempo à intempérie sem sofrer as condições climáticas por vezes rigorosas. Eles devem ser resistentes às doenças e poder se satisfazer com o alimento existente in situ, sem adição suplementar de forragem. O nanismo do carneiro de Ouessant representa uma vantagem complementar posto que este animal é muito mais facilmente transportável e manipulável, além de se integrar aos espaços verdes sem deteriorá-los.

O aluguel de ovelhas-carpideiras, uma iniciativa original

Particulares, empresas ou coletividades poderão de agora em diante contratar firmas de aluguel de animais para se ocupar de espaços verdes. Estas empresas de aluguel de “podadeiras ecológicas” garantem que a troca das máquinas pelos animais gera uma economia de 25% em relação ao custo de um paisagista. A empresa assume a responsabilidade dos custos da manutenção dos animais e os seus desdobramentos: traçabilidade, transporte, conservação dos gramados, cuidados veterinários, ciclo de vida, adaptação dos ruminantes à superfície do lugar, etc. Contratos de aluguel já foram assinados por empresas como a GDF-Suez, ID Logistics ou a Nature&Découverte e são um exemplo a ser seguido. Após um ano a sociedade Ecomouton, uma vez que os contratos foram fechados, anunciou que a demanda está na fase de ultrapassar a oferta, fato que augura belos dias para este projeto.

Mas, o conceito da podadeira ecológica está apenas no seu início. O acolhimento positivo de certas empresas e de atores públicos abre um caminho na direção de um espaço ainda pouco explorado. A coabitação entre o homem e o animal será, sem dívida, uma das problemáticas das nossas cidades do futuro: que serviços podem oferecer os animais aos cidadãos (e inversamente!)? Como garantir um companheirismo sustentável e harmonioso entre o homem e o animal? É de desejar que o pastoralismo urbano não seja apenas uma moda passageira dos ventos ecológicos e que o homem aja inteligentemente, pelo menos uma vez, dando prova de seu espírito gregário ao permitir a continuidade desta iniciativa.

* Aurore Capriles é correspondente da Eco21 em Paris.

** Publicado originalmente no site Eco21.