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Dilúvio revela trágicas falhas de prevenção

Buenos Aires, Argentina, 8/4/2013 – As intensas chuvas dos últimos dias na Argentina, que deixaram pelo menos 57 mortos, trouxeram à luz as debilidades do Estado para prevenir os impactos de eventos meteorológicos que se repetem cada vez com maior frequência e virulência.

Uma sucessão de temporais se abateu no dia 1º sobre a cidade de Buenos Aires, provocando o transbordamento de vários rios que custaram a vida de seis pessoas, e também no dia seguinte sobre La Plata, capital da vizinha província de mesmo nome, onde já foram confirmadas 51 mortes. Nos dois locais os danos e perdas materiais são elevados.

Em La Plata, a 50 quilômetros da capital do país, quase todo o centro urbano ficou alagado, e numerosas ruas se transformaram em verdadeiros rios. Em alguns bairros o nível da água chegou a dois metros, cobrindo automóveis e as áreas baixas de casas e edifícios. Diante do desastre nos dois distritos, os olhares se voltaram para os mecanismos de emergência e atenção social.

Em 1999, quando já começavam a ser mais frequentes as inundações, foi criado o Sistema Federal de Emergências (Sifem), que não é um órgão ad hoc, mas um esquema de organização das entidades públicas diante de desastres, segundo consultas feitas pela IPS. Cinco anos depois, os especialistas advertiam falências.

Ruth Zagalsky, a licenciada em ciências geológicas da estatal Universidade de Buenos Aires que fez aquela advertência, disse à IPS que “essa continua sendo, hoje em dia, a triste realidade”, acrescentando que “as áreas que deveriam ser manejadas pelo Sifem foram ficando submersas na administração pública, onde não se pode resolver. É necessário um interesse político muito forte para que isto seja efetivo”.

Zagalsky acrescentou que para criar o Sifem trabalhou-se junto a funcionários da Agência Federal para o Manejo de Emergências, dos Estados Unidos, mas depois não foram feitos planos de ação, salvo contra incêndios florestais onde o programa funciona “muito bem”. “O mais importante de um plano, a prevenção, é o que não se faz. Observa-se uma grande falta de coordenação geral” entre as jurisdições nacional, provincial e municipal para mitigar impactos, destacou.

Como resultado, os desastres ganham magnitude e forçam o Estado, em suas diferentes jurisdições, a investir grandes quantias em resgates, assistência humanitária, subsídios, isenção de impostos e créditos brandos, entre outras ações. Desta vez, as chuvas caíram em dias festivos, quando funcionários do primeiro escalão estavam de folga. As equipes de crise se organizaram tardiamente, e três dias depois da tragédia a ajuda ainda demorava a chegar a alguns pontos, tanto em Buenos Aires quanto em La Plata.

Silvia Gómez, do Serviço Meteorológico Nacional (SMN), disse à IPS que esse órgão preparou um informe, no dia 27 de março, com o prognóstico para os dias de feriado, que se estenderam de 28 de março a 2 deste mês, inclusive. Nesse boletim, que seria atualizado dia a dia, foi antecipado que entre segunda-feira e terça-feira poderiam ocorrer “chuvas fortes, com abundante queda de água” na cidade de Buenos Aires e no centro e norte da província vizinha. “Nossos informes chegam a muitos órgãos e dissemos que era preciso se preparar porque a chuva teria uma intensidade considerável”, ressaltou.

Outra ferramenta valiosa para o alerta, e que não é utilizada, segundo as consultas, é a Comissão Nacional de Atividades Espaciais, integrada ao Sifem para fornecer informação “adequada e oportuna” a partir de satélites. Em seu Plano Nacional Argentina no Espaço 2004-2015, técnicos do órgão asseguraram que este é “o país da América Latina mais exposto a emergências e catástrofes naturais”. Inundações, incêndios florestais, erupções vulcânicas, terremotos, tornados, deslizamentos de terra, vazamento de hidrocarbonos são alguns dos 11 tipos de desastre mencionados para o país.

Entretanto, os impactos cada vez mais severos resultantes das inundações revelam severas falhas nos planos de contingência e obrigam os moradores a se ajudarem entre si, durante e depois do impacto, sem poucas possibilidades de que algum órgão os guie. As vítimas revelam que não sabiam o que fazer enquanto a água subia dentro das casas em La Plata. Três dias depois, muitos continuavam desorientados em centros de evacuação sem os seus responsáveis.

O chefe de governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, o direitista Mauricio Macri, o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, e o intendente de La Plata, Pablo Bruera, apenas responsabilizaram pelo desastre a “inédita” intensidade das chuvas provocadas pelos efeitos da mudança climática.

Scioli disse que choveu mais de 300 milímetros em poucas horas e isso impediu que as águas fluíssem. No entanto, “o pluviômetro instalado pelo SMN no aeroporto de La Plata marcou 181 milímetros das 9 horas da manhã de segunda-feira até 9 horas da manhã do dia 2”, informou a meteorologista Silvia Gómez. De todo modo, descartou que a tempestade tenha sido mais intensa em alguns bairros, como disse o governador com base em dados da estatal Universidade de La Plata.

“O Estado estará mais presente que nunca para a reconstrução com subsídios, créditos e tudo o que tivermos que fazer”, afirmou Scioli, do setor centro-esquerda liderado pela presidente Cristina Fernández, embora um pouco distanciados ultimamente. A província e a cidade de Buenos Aires criaram comitês de emergência. A IPS tentou localizar algum de seus responsáveis, mas não responderam. Tampouco o fez o governo local, consultado a respeito do Sifem.

O impacto das chuvas foi como o de um tsunami ou um rio caudaloso que transborda, disseram muitas das vítimas. A água entrou nas casas por vasos sanitários e banheiras, de modo tão brusco que vários idosos morreram afogados em suas casas. Outros foram levados pela corrente de água ao saírem de casa. Quando a tempestade amainou e se começou a tomar conhecimento da tragédia, vários governantes e funcionários percorreram a zona alagada, a presidente Cristina Fernández, Scioli, Bruera, Macri e outros ouviram reclamações e prometeram toda a assistência necessária.

Contudo, os problemas são gigantescos. Os moradores mais prejudicados das duas cidades concordam em que, além das vidas de familiares ou amigos, perderam tudo o que tinham para seu viver cotidiano: documentos, dinheiro, móveis, eletrodomésticos, roupa, alimentos, água. Envolverde/IPS