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Fundo Verde para o Clima encontra o Sul em desenvolvimento unido

O Fundo Verde para o Clima financiará as políticas de adaptação e mitigação dos países em desenvolvimento diante da mudança climática, que produz fenômenos meteorológicos extremos. A imagem mostra a destruição causada em 2012 pelo furacão Sandy em Santiago de Cuba. Foto: Jorge Luis Bolaños/IPS
O Fundo Verde para o Clima financiará as políticas de adaptação e mitigação dos países em desenvolvimento diante da mudança climática, que produz fenômenos meteorológicos extremos. A imagem mostra a destruição causada em 2012 pelo furacão Sandy em Santiago de Cuba. Foto: Jorge Luis Bolaños/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 27/10/2014 – O principal mecanismo da Organização das Nações Unidas (ONU) para financiar as políticas de adaptação e mitigação do Sul em desenvolvimento frente a mudança climática já está pronto para receber dinheiro, após uma série de acordos entre as economias ricas e pobres. Esses acordos incluem as políticas de índole administrativa, potencialmente de longo alcance, que regerão o mecanismo conhecido como Fundo Verde para o Clima (FVC). Esse avanço ocorre pouco antes de uma importante “reunião de promessas de contribuições”, que acontecerá em novembro em Berlim, a fim de implementar o Fundo.

“Agora o Fundo tem a capacidade de absorver e programar recursos que terá à sua disposição para conseguir uma resposta climática importante no terreno”, assegurou Hela Cheikhrouhou, diretora do FVC, no dia 18, após uma série de reuniões que a direção do Fundo manteve em Barbados. O FVC é o reconhecimento implícito dos países ricos de que o Sul em desenvolvimento, embora parcialmente responsável pela mudança climática, sofrerá suas maiores consequências.

Na cúpula do clima realizada em Copenhague em 2009, os doadores acordaram mobilizar US$ 100 bilhões ao ano até 2020, em uma mescla indefinida de fundos públicos e privados, para ajudar os países em desenvolvimento. O FVC será a pedra angular dessa mobilização, ao utilizar o dinheiro para financiar em partes iguais os projetos de mitigação e adaptação.

O FVC inaugurou sua secretaria em 2013, na Coreia do Sul, mas as promessas de fundos demoraram a chegar. A meta atual é reunir US$ 15 bilhões como capital inicial, grande parte do qual deverá ser comprometida em novembro em Berlim. Em setembro, França e Alemanha prometeram US$ 1 bilhão cada um, enquanto Coreia do Sul, México e Noruega entregarão quantias inferiores. No dia 22, a Suécia anunciou mais US$ 500 milhões, como “um exemplo para outros doadores”.

Porém, o financiamento atual do fundo é inferior a US$ 3 bilhões, menos de um quinto da meta fixada para este ano. “A boa notícia é que esta reunião terminou por assentar uma base sólida para o fundo”, afirmou Alex Doukas, do Instituto de Recursos Mundiais, um centro de pesquisa dos Estados Unidos. “Agora está quase pronto para arrancar, mas não irá muito longe sem a adoção de compromissos ambiciosos em novembro”, alertou.

Estados Unidos e União Europeia ainda não anunciaram quanto colocarão no FVC, mas ativistas contra a pobreza calculam que uma quantia justa estaria em torno dos US$ 4,8 bilhões para Washington e US$ 6 bilhões para o bloco europeu. Ainda falta tomar decisões importantes sobre a maneira como o Fundo utilizará o dinheiro à sua disposição.

“Agora há mais clareza sobre como o FVC investirá, mas pouca orientação sobre exatamente onde o fará”, disse Doukas, que participou das reuniões de Barbados. “A junta terá muito trabalho até sua próxima reunião em fevereiro, para ter a garantia de contar com regras que deem prioridade às soluções climáticas de alto impacto que também proporcionem benefícios ao desenvolvimento”, acescentou.

Ainda assim, em Barbados aconteceram importantes avanços iniciais. De fato, ativistas pelo desenvolvimento manifestaram um cauteloso otimismo quanto aos novos acordos darem maior controle sobre essas decisões aos governos nacionais. Por exemplo, os projetos autorizados pelo FVC deverão contar com uma confirmação “sem objeções” do governo do país no qual estão baseados.

Sem o requisito de “não objeção, os intermediários de financiamento poderão impor suas próprias condições, inclusive seus próprios programas, aos países”, alertou Bernarditas Muller, representante das Filipinas no FVC, durante as negociações. Segundo os observadores, o acordo foi possível porque os países em desenvolvimento uniram-se e resistiram às exigências dos governos ricos. A junta de diretores do Fundo conta com 24 membros, metade deles do Sul em desenvolvimento.

“Uma coisa que diferenciou essa reunião foi a vontade dos países em desenvolvimento de defender certos princípios”, disse Karen Orenstein, assessora da organização Amigos da Terra. O requisito de “não objeção é algo pelo qual lutamos há muito tempo. Se não for proporcionado no prazo de 30 dias o projeto é suspenso. Isso é muito importante”, afirmou a assessora, que, de todo modo, se preocupa com o fato de decisões importantes terem sido adiadas até futuras sessões da direção do FVC.

“O Fundo continua inclinando-se muito para os bancos de desenvolvimento multilaterais e o setor privado”, afirmou Orenstein. “Não se trata de o FVC não ser atraente para o setor privado, mas queremos garantir que as prioridades sejam impulsionadas pelos países em desenvolvimento. Mesmo com esses acordos, não é dada suficiente ênfase quanto às prioridades serem fixadas em níveis nacional e local”, acrescentou.

Ao mesmo tempo, devido ao acordado em Barbados, os países em desenvolvimento poderão ter acesso a financiamento direto do FVC, em lugar de ter de passar por um intermediário. Além disso, os doadores não poderão “reservar” o dinheiro prometido ao Fundo para usos específicos. “Historicamente, as organizações multilaterais entregaram grande quantidade dos fundos para a mudança climática. O resultado não foi necessariamente mau, mas em muitos casos há um conflito entre as prioridades do país diante da falta de organização”, destacou Annaka Carvalho, da Oxfam Estados Unidos.

“É importante garantirmos que os países tenham a batuta para decidir para onde irão esses recursos. Em última instância, só os governos nacionais são responsáveis perante seus cidadãos pela adaptação e pelo investimento no desenvolvimento de baixas emissões” contaminantes, acrescentou. Carvalho, que também esteve nas negociações de Barbados, disse que o FVC não é só uma oportunidade para reagir diante da mudança climática, mas que pode ajudar a atingir um novo modelo de desenvolvimento.

“Esperamos que o Fundo atue como um catalisador para deslocar o discurso sobre o desenvolvimento, das forças que provocaram a mudança climática, para a energia limpa e os meios de vida resistentes”, afirmou Carvalho. “Supõe que uma parte central do Fundo seja para realizar o desenvolvimento sustentável, mas sempre existe uma linha entre o clima e o desenvolvimento. Na verdade, é impossível desvincular os dois temas”, acrescentou. Envolverde/IPS