Petróleo salgado impulsiona desenvolvimento tecnológico no Brasil

Corredor do terceiro andar do prédio principal do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes), construído em 2010 na Ilha da Cidade Universitária. Ao lado, miniatura de plataforma marítima de extração petroleira. Foto: Mario Osava/IPS
Corredor do terceiro andar do prédio principal do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes), construído em 2010 na Ilha da Cidade Universitária. Ao lado, miniatura de plataforma marítima de extração petroleira. Foto: Mario Osava/IPS

 

Rio de Janeiro, Brasil, 24/11/2014 – O petróleo de águas marítimas profundas, o mais abundante no Brasil, impõe custos que geram benefícios. Sua extração incentiva o desenvolvimento tecnológico e industrial, exigindo equipamentos e técnicas de produção cada dia mais complexos. Um desafio é a água que acompanha o petróleo, cuja proporção cresce com a idade do poço, tirando sua produtividade, ao ocupar uma parte cada dia maior da capacidade de transporte e processamento das instalações produtivas.

“Há dois anos temos um separador de água e petróleo que opera a dois mil metros de profundidade. Essa água, com o tempo, pode chegar a 80% do volume extraído, por isso é necessário separá-la no fundo para não sobrecarregar a plataforma”, explicou Oscar Chamberlain, gerente na área de abastecimento e bicombustíveis do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes).

O Rio de Janeiro se transformou em um polo de conhecimento e inovações em petróleo oceânico, graças a este centro, que conta com 227 laboratórios e mais de oito mil equipamentos, e um parque tecnológico onde já se instalaram 52 instituições, incluindo 12 grandes grupos transnacionais. A Ilha da Cidade Universitária, mais conhecida como Fundão, é o epicentro dessa transformação. Trata-se do campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), perto do aeroporto internacional da cidade, conhecida mundialmente por suas praias e seu carnaval.

Para tudo isso contribuiu decisivamente a descoberta pela Petrobras, a partir de 2006, de grandes reservas localizadas mais de cinco mil metros abaixo da superfície do Oceano Atlântico e sob uma camada de dois mil metros de sal, ampliando a riqueza e os desafios petroleiros do Brasil. Essas reservas, conhecidas como pré-sal, estão a pelo menos 250 quilômetros da costa do sudeste do país, o que apresenta especiais dificuldades logísticas.

“Já não há barreiras tecnológicas para a produção de petróleo na camada pré-sal. Foram superados todos os desafios identificados, relacionados com distância, profundidade e complexidade em razão da camada de sal e reservas constituídas de carbonatos”, explicou à IPS o gerente-geral de Engenharia de Poços da Petrobras, Luis Felipe Rego. Isso permite que, apenas oito anos após sua descoberta, o pré-sal forneça 23% da produção da Petrobras no Brasil, que em outubro alcançou a média diária de 2,58 milhões de barris de petróleo equivalentes, incluindo gás natural.

Mas a batalha permanente para baixar custos impulsiona a fazer todo o possível no fundo, com sistemas submarinos que exigem eletrificação, robôs e serviços de manutenção remota, em um ambiente corrosivo, de temperaturas muito variáveis e de alta pressão, destacou Chamberlain, um nicaraguense que está há 30 anos na empresa. A corrosão é uma ameaça em todo o processo, até a refinaria onde o petróleo pode danificar equipamentos se antes não for retirado o excesso de sal.

O Cenpes foi fundado em 1963, quando a Petrobras, estatal criada para procurar hidrocarbonos e reduzir as importações das quais o Brasil dependia, completava dez anos. Hoje executa 862 projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) a cargo de seus 1.930 funcionários, 36% deles com doutorado e mestrado. “O trabalho desse pessoal fez da Petrobras a empresa brasileira que mais registra patentes no Brasil e no exterior. Só em 2013, foram 56 novas solicitações”, disse à IPS o gerente-executivo do Cenpes, André Cordeiro.

O investimento da Petrobras em P&D, administrado pelo Cenpes, aumentou 7,8 vezes durante este século. Sua média anual foi de US$ 160 milhões no triênio 2001-2003, e saltou para US$ 1,243 bilhão nos três últimos anos, com efeitos disseminadores. “Contamos atualmente com a colaboração de 122 universidades e institutos de pesquisa brasileiros, organizados em 49 redes temáticas, um modelo que incentivou as associações entre a Petrobras e o meio acadêmico em temas estratégicos da área de petróleo e gás”, explicou Cordeiro.

Edifício circular, com laboratórios e escritórios do Cenpes, instalado em 1973 na Ilha da Cidade Universitária. Ao fundo o Complexo de Favelas da Maré e a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. BR é o símbolo da Petrobras, da qual o Cenpes é o braço de pesquisa e desenvolvimento. Foto: Mario Osava/IPS
Edifício circular, com laboratórios e escritórios do Cenpes, instalado em 1973 na Ilha da Cidade Universitária. Ao fundo o Complexo de Favelas da Maré e a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. BR é o símbolo da Petrobras, da qual o Cenpes é o braço de pesquisa e desenvolvimento. Foto: Mario Osava/IPS

 

A colaboração mais estreita se intensifica há 46 anos com o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisas em Engenharia (Coppe) da UFRJ, que também funciona como incubadora de empresas de base tecnológica.

Por exemplo, a Ambidados, que surgiu nesse âmbito em 2006, oferece dados e análises ambientais às petroleiras. Com apenas 11 funcionários em sua sede no Parque Tecnológico da UFRJ, criou suas próprias boias e aparelhos para monitorar ventos, marés, correntes marítimas e chuvas que afetam operações oceânicas. “Também estudamos o relevo do fundo do mar, a temperatura da água em diferentes profundidades, sua salinidade e quantidade de algas”, informou à IPS o oceanógrafo Leonardo Kuniyoshi.

Compõem o Parque Tecnológico atual outras 31 pequenas e médias empresas, sete laboratórios e centros de P&D de líderes mundiais de serviços e equipamentos petroleiros, como as transnacionais Schlumberger, FMC Technologies e Halliburton, que acaba de adquirir a Baker Hughes, outra gigante do setor também presente na Ilha Universitária. A norte-americana e diversificada GE inaugurou seu novo Centro de Pesquisas Global no parque no dia 13 deste mês, unindo-se a outras transnacionais alheias ao petróleo, como a indústria de cosméticos L’Oreal e a cervejaria Ambev.

“É fascinante essa convivência entre indústrias distintas. A conjunção de conhecimentos variados constitui a riqueza do Parque Tecnológico que gerará inovações”, afirmou seu diretor, Mauricio Guedes. Isso também requer “juntar empresas e universidade em um só ambiente, para gerar conhecimentos que resultem em produtos e serviços, porque sem negócios a tecnologia e o conhecimento se perdem”, acrescentou.

A área está planejada para receber 200 empresas em seus 350 mil metros quadrados na ponta sudeste da Ilha que pertence à UFRJ. A área era inundável e precisou ser aterrada antes da inauguração do Parque em 2003. Cem mil caminhões de terra e entulho em quatro anos elevaram o solo em dois metros, explicou Guedes.

A atração de grandes atores internacionais, como o Grupo BG (antes British Gas) ou a alemã Siemens, decolou de fato após a comprovação de que o pré-sal pode colocar o Brasil entre os grandes produtores e exportadores de hidrocarbonos. A lista compreende empresas de tecnologia da informação que não se limitam a serviços ao setor petroleiro. É o caso da EMC2, que instalou no parque da UFRJ “o primeiro centro de pesquisa fora dos Estados Unidos”, segundo Karin Breitman, sua cientista-chefe local.

O futuro do Parque Tecnológico e a pesquisa associada a hidrocarbonos tem seu futuro assegurado no Brasil. Os contratos para explorar jazidas de petróleo exigem que as concessionárias apliquem 1% de seu lucro em P&D. Isso representa cerca de US$ 12 bilhões nos próximos dez anos. “O binômio de desafios tecnológicos e recursos para enfrentá-los promete êxitos”, afirmou Guedes.

Além de maior produtividade petroleira, essas pesquisas contribuem para o desenvolvimento de outros setores, com conhecimentos oceanográficos, ambientais e tecnologias de uso múltiplo, acrescentou Guedes. Um exemplo é a câmara hiperbárica, de pressão interna controlada em águas profundas, usada para gerar eletricidade a partir das ondas do mar, em uma central desenvolvida pela Coppe. Novos materiais, novas matérias-primas e soluções energéticas surgirão do fundo do mar, ressaltou. Envolverde/IPS