TERRAMÉRICA: Lentidão e lucro pautam reconstrução

Casa no povoado costeiro de Iloca mostra, dois anos depois, a magnitude do tsunami. Foto: Marianela Jarroud/IPS

O presidente do Chile, Sebastián Piñera, não poderá cumprir sua promessa de reconstrução após o terremoto de 2010: 110 mil moradias reparadas e 112 mil novas até o final de seu mandato em 2014.

Iloca, Chile, 27 de fevereiro de 2012 (Terramérica).- Dois anos depois do terremoto e tsunami que sacudiram a região centro-sul do Chile, milhares de vítimas esperam uma solução habitacional que os afaste da maior tragédia natural deste país em meio século. O terremoto de 8,8 graus na escala Richter durou quase três minutos e foi seguido de um poderoso tsunami. Mais de 520 pessoas morreram e cerca de um milhão foram afetadas, segundo dados oficiais.

Na madrugada de 27 de fevereiro de 2010, Rosa Núñez, de 75 anos, não conseguia conciliar o sono. Ela vive no pequeno povoado turístico de Iloca, no litoral do Pacífico, aonde se chega, a partir de Santiago, percorrendo 300 quilômetros de carro na direção sul. Ali teve durante anos um pequeno restaurante em uma casa que a água levou. Como não dormia, quando começou o terremoto saiu correndo de sua casa e o suportou na intempérie.

A casa ficava a cerca de cem metros do mar e a 30 metros de um morro frondoso onde se refugiou junto com a família de seu filho mais velho. Já no morro, ficou de costas para o Oceano a fim de não presenciar a destruição. “Não esqueço o som do mar destruindo tudo, levando tudo o que construímos com tanto esforço”, contou ao Terramérica. Duas horas depois, quando regressou com seu filho, comprovou que “o mar levara tudo. Não havia paredes, o mar havia engolido tudo”. Hoje, vive em uma pequena casa sólida que já possuía perto da que perdeu e que conseguiu recuperar com ajuda.

Seu filho mais velho mora ao lado, em uma pequena construção que levantou a partir da metade de uma meia-água (casa pré-fabricada, de madeira, sem banheiro) que recebeu em doação. Seu filho mais novo, pescador de ofício, ocupa uma cabana de madeira com banheiro em um pequeno conjunto habitacional doado por um estrangeiro. Na parte posterior, está construindo uma casa mais sólida. Perdido o restaurante, Rosa sobrevive da ajuda de seus filhos.

A paisagem de Iloca, na região central do Maule, não recuperou sua tranquila beleza. Os escombros continuam na costa. Casas que foram luxuosos abrigos de veraneio ainda se erguem com vista para o mar, mas com danos irreparáveis. Apenas a metros delas, pescadores e trabalhadores rurais vivem em acampamentos de meia-água. Segundo dados oficiais, foram feitas 76 mil obras de reparação e reconstrução de moradias nas seis regiões afetadas (Bío-Bío, La Araucanía, Maule, O’Higgins, Santiago e Valparaíso) e outras 140 mil estão em execução.

Entretanto, esses dados são refugados pelas vítimas, que se queixam da lentidão na reconstrução. Lorena Arce, porta-voz das vítimas do povoado costeiro e turístico de Dichato, em Bío-Bío, no sul, afirma que apenas 10% das casas derrubadas ali foram reconstruídas, e correspondem a pessoas de escassos recursos que habitam em acampamentos ou aldeias. Os outros 90% das famílias que ficaram sem teto são de classe média, e muitas não foram atendidas pelo programa de reconstrução do governo, assegurou Lorena.

As ondas afetaram construções contíguas aos morros, a mais de cem metros do mar, como esta casa de La Pesca, cinco quilômetros ao sul de Iloca. Foto: Marianela Jarroud/IPS

Para a senadora Ximena Rincón, do opositor Partido Democrata Cristão, “o governo fixou números para poder medir um maior avanço mesclando subsídios de reconstrução com subsídios ordinários”. Há “uma mistura pouco transparente, que não permite dimensionar qual é progresso real”, disse ao Terramérica. O presidente Sebastián Piñera se comprometeu a entregar 110 mil casas reparadas e 112 mil novas ao término de seu mandato em março de 2014. Esta promessa não será cumprida, afirmou Ximena, senadora pelo Maule. “Haverá muita frustração na população por causa das promessas não cumpridas”, ressaltou.

Em viagem por cinco das seis regiões afetadas, entre os dias 21 e 27 deste mês, o presidente repetiu seu compromisso de que “nenhuma família passará mais do que dois invernos vivendo em aldeias que eram soluções de emergência e transitórias”. Contudo, reconheceu que isto “não será possível antes de começar o próximo inverno” austral. Enquanto isso, a televisão divulga uma campanha publicitária que custou US$ 805 mil sobre os progressos na reconstrução.

O território afetado é uma faixa de 600 quilômetros de extensão. Rosa e grande parte dos moradores de Iloca e seus arredores asseguram que não viram a ajuda do governo. Como puderam, se colocaram de pé lançando mão de suas economias e com doações privadas de meia-água e utensílios domésticos para os mais necessitados. Os especialistas acreditam que o problema está no modelo da reconstrução, centrado na promoção da construção de casas por meio da destinação de subsídios que devem ser executados pela indústria imobiliária.

Uma sala da escola de Iloca é tudo o que resta como testemunho da maior tragédia natural do Chile em 50 anos. Foto: Marianela Jarroud/IPS

Se as empresas estimam que os subsídios governamentais estão abaixo do valor que cobram pela casa construída, o negócio não é lucrativo para elas, e o Estado não pode responder. Além da lentidão, segundo Lorena, as empresas entregam casas de menor qualidade para compensar a rentabilidade que consideram reduzida. O Chile conta com normas antiterremotos para a construção, mas elas não existem em relação a tsunami. Neste aspecto, a localização das edificações e a proximidade da costa são cruciais.

Lorena afirma que há expropriação de terrenos na borda costeira, mas, ao mesmo tempo, são erguidos nestas áreas grandes edifícios ao estilo de complexos turísticos. Porém, ela não perde a esperança. “Esperamos que o governo trabalhe com consciência, que reconheça que ainda há muito por construir, que dê mais recursos porque são necessários, não pode fazer uma reconstrução de papelão, que aplique mais esforços, que tenha políticas de Estado que sejam contínuas e transpassem para o novo governo que começará em 2014”, manifestou ao Terramérica.

Não há dados oficiais sobre escolas danificadas ou destruídas, mas muitas foram substituídas por salas modulares pré-fabricadas, com a de Iloca, que foi doada por privados. Estudantes secundaristas, que em 2011 protagonizaram o maior protesto social em 20 anos de democracia, preparam mobilizações contra a lenta reconstrução das escolas, e organizações da sociedade civil aprontam uma pesquisa pública nacional sobre os avanços no tema.

* A autora é colaboradora da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.