TERRAMÉRICA - Decisão contra central dispara debate

Vista panorâmica de Totoral, deserto de Atacama, que ganhou disputa judicial contra a Termoelétrica Castilla. Foto: Alex Fuentes/IPS

 

Até 2020, a mineração chilena do cobre exigirá quase o dobro de eletricidade do que a que consumiu no ano passado, segundo as autoridades.

Santiago, Chile, 3 de setembro de 2012 (Terramérica).- A paralisação, determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça do Chile, da construção da central Termoelétrica Castilla desatou um debate sobre a segurança energética neste país. Autoridades e alguns especialistas alertam que o desenvolvimento nacional corre risco se não forem feitas obras desta envergadura. “Esta é uma pressão política ilegítima, é uma chantagem”, afirmou o diretor do Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais (Olca), Lucio Cuenca, para quem “o consumo cotidiano de energia dos chilenos e das chilenas não está ameaçado pela construção ou não da Termoelétrica Castilla”.

O projeto da empresa de energia MPX, parte do grupo EBX do brasileiro Eike Batista, se coloca como a maior central de geração térmica da América do Sul, localizada 810 quilômetros ao norte de Santiago, no Deserto de Atacama e na margem do Oceano Pacífico. O projeto, de US$ 4,4 bilhões, compreende oito centrais: seis movidas a carvão, para gerar 300 megawatts cada uma, e duas a petróleo, com capacidade individual de 127 MW. Assim, o complexo poderá produzir quase 2,1 mil MW, que se somariam ao Sistema Interligado Central que abastece 90% da população chilena.

No entanto, no dia 28 de agosto, a Sala Constitucional do Supremo Tribunal ordenou a paralisação do projeto, ao acolher um recurso de proteção apresentado pela comunidade e pelos pescadores da localidade de Totoral, a mais próxima da termoelétrica, que já havia sido aceito parcialmente por um tribunal de apelações. A decisão unânime estabelece que a MPX e sua sócia alemã E.ON não podiam apresentar em separado a análise de impacto ambiental de cada componente do projeto, o complexo termoelétrico e o porto que o acompanha, onde seria descarregado o carvão e o petróleo importados para alimentar as usinas.

“A crítica em questão é efetiva”, afirmou o Tribunal, pois “o porto tem com principal cliente e finalidade abastecer a central termoelétrica, e esta tem a necessidade de se abastecer de carvão e diesel que são fornecidos por intermédio do porto, de tal forma que claramente existem três unidades para uma mesma atividade que vão operar, a saber: o porto, a central e a conexão entre ambas”. O Tribunal concluiu que, para seguir adiante, as empresas devem apresentar um novo estudo de impacto ambiental “que considere os dois projetos em forma conjunta e sua conexão para a transferência do carvão e do diesel, partindo do primeiro para a segunda”.

Uma vez conhecida a sentença, a MPX alertou em um comunicado que “reavaliará sua estratégia de negócios no Chile”. Estas declarações motivaram a reação imediata do governo. O ministro de Mineração, Hernán de Solminihac, afirmou que até 2020 a mineração do cobre exigirá 97% mais eletricidade do que a consumida em 2011. Na mesma linha, o economista Jorge Rodríguez Grossi disse ao Terramérica que a rejeição a Castilla e a outros projetos energéticos “fazem mal ao processo de crescimento econômico”.

Grossi, que foi ministro de Energia no governo de Ricardo Lagos (2000-2006), acrescentou que a lei ambiental e suas indicações são “um gol contra que estamos fazendo do ponto de vista econômico”. Segundo ele, “todos os chilenos querem crescer de maneira sustentável, mas não queremos que, por respeitar o meio ambiente, tenhamos atraso de dez ou 15 anos no desenvolvimento”. É preciso “exigir do próprio Estado que dê aos investidores pautas claras e completamente provadas de que o caminho para avaliar um projeto é o correto”, destacou.

Em sua opinião, “para que um projeto novo apareça e passe novamente pelos filtros ambientais transcorrerão dois ou três anos, podendo atrasar os investimentos em mineração”. No entanto, para o ecologista Cuenca, este é “um discurso artificialmente armado em função de continuar apostando em uma estratégia de desenvolvimento equivocada”, que não teria peso “se não existisse esta expansão desenfreada do investimento em mineração”.

O Chile é o principal produtor de cobre do mundo. Sua capacidade instalada atual é de 17 mil MW. Em 2011, seu consumo foi pouco mais do que seis mil MW, detalhou Cuenca, o que determina uma margem ampla para atender novas demandas de curto e médio prazo. Porém, a distribuição não é parelha: 74% da capacidade instalada está no Sistema Interligado Central; 25% no Sistema Interligado Norte Grande, e menos de 1% em redes médias das regiões austrais de Aysén e Magallanes. Precisamente no norte se concentra a atividade mineradora, que consome um terço da eletricidade chilena e que tem projeções de grande crescimento.

A geração térmica, muito contaminante, abastece 63% da eletricidade e a hidráulica 34%. Os 3% restantes correspondem a fontes renováveis não convencionais. O porta-voz da associação de moradores de Totoral, Juan Carlos Morales, disse ao Terramérica que “a energia termoelétrica em nível mundial está em retrocesso, estão sendo usadas novas formas de geração, e é a megamineração a que exige energia e a que nos deixa sem água e com alta contaminação provocada pelos depósitos de dejetos” de carvão. Para Morales, a sentença foi uma surpresa. “Nos surpreende que no Chile nossos argumentos sejam respeitados e que a justiça tenha prevalecido sobre todas as pressões”, ressaltou. Envolverde/Terramérica

* A autora é correspondente da IPS.

 

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

 

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