Políticas do Norte prejudicam as economias do Sul

Yilmaz Akyuz. Foto: IPS
Yilmaz Akyuz. Foto: IPS

WashinGenebra, Suíça, julho/2014 – Desde o começo da crise financeira mundial em 2008, o argumento do Centro do Sul diz que as respostas políticas da União Europeia e dos Estados Unidos sofrem graves deficiências que atrasariam a recuperação, gerariam perdas desnecessárias de renda e empregos, e colocariam em perigo o crescimento e a estabilidade futuros.

Apesar do cauteloso otimismo do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial não está em boa forma. Após seis anos de crise, os Estados Unidos não se recuperaram totalmente, a zona do euro apenas começou a fazê-lo e os países em desenvolvimento perdem impulso.

Existe o temor de que a crise de desloque para os países em desenvolvimento e a preocupação no tocante às perspectivas de longo prazo por três principais motivos.

Em primeiro lugar, a crise e a resposta política à mesma agravaram os problemas sistêmicos, por isso a desigualdade aumentou. Esta já não é apenas um problema social, mas também apresenta um problema macroeconômico: freia o crescimento e provoca a tentação de confiar novamente nas bolhas financeiras com o fim de estimular o gasto.

Em segundo lugar, os desequilíbrios comerciais globais foram redistribuídos à custa dos países em desenvolvimento, por isso a zona do euro, especialmente a Alemanha, se converteu em um peso morto na expansão mundial.

Em terceiro lugar, a instabilidade financeira sistêmica continua sem ser abordada, apesar do entusiasmo inicial pela reforma da governança das finanças internacionais. Além disso, acrescentaram-se novas fragilidades devido à política monetária ultra-expansiva.

A resposta à crise é uma combinação de políticas incoerentes, que inclui a austeridade fiscal e a política monetária ultraexpansiva.

Embora o setor financeiro tenha provocado a crise, a solução, de todo modo, se buscou nas finanças. Os países se concentraram na busca do auge do gasto privado, impulsionado pelas finanças mediante as bolhas de preços dos ativos e da expansão do crédito. A política fiscal tem sido invariavelmente restritiva.

A política monetária ultraexpansiva gerou mais de US$ 1 trilhão em benefícios fiscais nos Estados Unidos, mais do que o estímulo fiscal inicial, que no total se limitou a US$ 800 bilhões.

Houve resistência em eliminar a dívida pendente mediante uma reestruturação geral, ou seja, para as hipotecas nos Estados Unidos e a dívida soberana e bancária na União Europeia. Portanto, a atenção foi dada ao resgate dos credores.

Também houve reticência para eliminar a dívida hipotecária pendente e nenhuma tentativa de tributar os ricos e ajudar os pobres, especialmente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, onde as taxas tributárias marginais são baixas em comparação com as da Europa continental.

Houve resistência contra a monetarização permanente do déficit e da dívida pública, que não significam mais perigo para os preços e a estabilidade financeira do que a política monetária ultraexpansiva.

A situação nos Estados Unidos é melhor do que a de outras economias avançadas. O país se ocupou da crise financeira, não da econômica, por isso a recuperação é lenta devido à carga fiscal e à dívida pendente. Está previsto que o emprego volte aos níveis anteriores à crise só a partir de 2018.

Quanto à zona do euro, Japão e Grã-Bretanha, os três tiveram segundas ou terceiras recaídas desde 2008. Nenhum voltou ao nível de renda e emprego anterior à crise.

Os desequilíbrios comerciais não foram eliminados, mas redistribuídos. O superávit da Ásia oriental caiu drasticamente e a América Latina e a África subsaariana contraíram grandes déficits. O saldo favorável dos países em desenvolvimento caiu de US$ 720 bilhões para US$ 260 bilhões.

Já as economias avançadas passaram do déficit ao superávit. O déficit dos Estados Unidos caiu e a zona do euro passou de um saldo negativo de US$ 100 bilhões para superávit de US$ 300 bilhões.

Na medida em que o tapering (contração de injeção de liquidez pelos bancos centrais) chega ao fim e o Federal Reserve dos Estados Unidos deixe de comprar ativos, a atenção se dirigirá à questão da saída, da normalização e das expectativas de maior instabilidade dos mercados financeiros dos Estados Unidos e das economias emergentes.

Esta saída também criará problemas fiscais para os Estados Unidos porque, na medida em que vencerem os bônus em poder do Federal Reserve e cessar a expansão monetária quantitativa, as taxas de juros de longo prazo subirão e os benefícios fiscais da política monetária ultraexpansionista  vão se inverter.

Os países em desenvolvimento perderam impulso enquanto a recuperação das economias avançadas se manteve débil ou ausente devido ao efeito de desgaste das políticas anticíclicas e à redução da margem para aplicar políticas. A China não pode continuar investindo e fazendo o mesmo.

Outro fator que contribuiu para a mudança de contexto nos países em desenvolvimento é a menor afluência de capitais, que adquiriram uma forte instabilidade com o aprofundamento da crise na zona do euro e o posterior tapering do Federal Reserve.

Várias economias emergentes experimentam pressão, já que os mercados estão refletindo a normalização da política monetária, inclusive antes de ter começado.

A vulnerabilidade financeira externa do Sul está vinculada à integração dos países em desenvolvimento aos mercados financeiros mundiais e à considerável liberalização das finanças externas e às contas de capital desses países.

Alguns exemplos disto são a abertura dos mercados de valores, os empréstimos privados no exterior e a abertura aos bancos estrangeiros.

Embora os países em desenvolvimento não tenham lidado adequadamente com os fluxos de capital, o FMI não os apoiou neste campo e tolerou os controles de capital apenas como último recurso e em caráter temporário.

Vários países em desenvolvimento em déficit e com bolhas de ativos, de crédito e de gastos são particularmente vulneráveis. Aqueles com fortes reservas de divisas e sólida situação de conta corrente não estariam isolados dos choques, com se viu após o colapso da empresa financeira Lehman Brothers em 2008.

Se um país estiver integrado a um sistema financeiro internacional, sentirá o golpe de uma maneira ou de outra, embora os países com déficit continuem sendo os mais vulneráveis.

Quanto à reação política no caso de uma renovada instabilidade, é conveniente mudar a forma de atuar habitual, o que inclui o uso das reservas e dos empréstimos do FMI ou das economias avançadas para financiar as saídas de efetivo.

Devem ser encontrados meios para tirar de apuros os investidores e prestamistas estrangeiros, e utilizar os controles de mudança e as moratórias temporárias da dívida. Nesse sentido, o FMI deve apoiar essas estratégias com empréstimos aos países em mora.

Mais importante ainda, o Federal Reserve dos Estados Unidos é responsável pelo surgimento dessa situação e deve assumir sua responsabilidade e agir como prestamista de última instância para as economias emergentes, por meio de swaps ou da compra de bônus.

Essas medidas não são necessariamente mais tóxicas do que os bônus emitidos no momento da crise das subprime, os créditos hipotecários de risco.

Os Estados Unidos têm muito em jogo na estabilidade das economias emergentes. Envolverde/IPS

* Yilmaz Akyuz é economista-chefe do Centro do Sul, com sede em Genebra. Uma versão mais extensa desta análise encontra-se no South Centre Bulletin (nº 80, 30 de junho de 2014).