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As Escolas do Amanhã, trincheiras do saber no Brasil

Fachada da Escola Municipal IV Centenário, no Rio de Janeiro. Foto: emivcentenario

 

Rio de Janeiro, Brasil, 11/1/2013 – Os professores da Escola Municipal IV Centenário, no Rio de Janeiro, estão treinados para construir trincheiras com seus alunos no lugar mais seguro no caso de haver tiroteio. Este é apenas um detalhe de um projeto educacional que vai muito além de tentar dar atenção diferenciada a comunidades afetadas pela violência nesta cidade. O centro educacional é uma das 152 Escolas do Amanhã, selecionadas dentro da rede municipal de ensino por estarem localizadas em áreas catalogadas como vulneráveis.

O Complexo da Maré é uma favela dos subúrbios do norte do Rio de Janeiro onde vivem 1,5 milhão de pessoas, que, como outros assentamentos surgidos espontaneamente, carece de serviços básicos. As favelas também sofrem o domínio histórico de grupos de traficantes e o surgimento recente de grupos parapoliciais, conhecidos como milícias e sustentados por poderes econômicos. “Todos estamos treinados para isso. Fizemos um curso. Assim nos dias em que temos operação policial já sabemos o que fazer”, contou à IPS a diretora da escola IV Centenário, Rita de Cassia Magnino.

A capacitação ajuda a minimizar os efeitos de uma guerra urbana não declarada. Os professores levam os alunos para lugares protegidos e longe das janelas, para não ficarem expostas às balas e aos pedaços de vidro quebrado. Magnino espera que dias assim tenham fim quando, este ano, chegar ao Complexo da Maré o processo de pacificação, um plano que começou a ser desenvolvido nas favelas cariocas em 2008 e que inclui, além da ocupação policial do lugar, projetos de saneamento, infraestrutura, saúde e melhoria da renda.

O programa Escolas do Amanhã foi criado em 2009 pela Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro para reduzir a evasão escolar e melhorar o aprendizado em áreas de risco, e seu alcance vai além da proteção aos alunos diante de eventuais tiroteios. “O desafio é estabelecer uma escola com qualidade educacional, que enfrente as carências de comunidades tradicionalmente esquecidas”, disse à IPS o presidente do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, Jorge Werthein.

“Para isso, é preciso saber do que necessita a comunidade atendida por estas Escolas do Amanhã e como incentivá-las a participar das atividades escolares”, destacou Werthein, ex-diretor no Brasil da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). E Magnino resumiu dizendo que “a única maneira de combater realmente a violência é com uma educação de qualidade”.

Essa qualidade educacional se baseia em seis pilares e beneficia mais de 109 mil meninos e meninas em comunidades pacificadas e não pacificadas. O primeiro é o de uma educação integral, com mais de 50 atividades de reforço escolar, cultura, artes e esportes. Ao contrário de outras escolas das redes municipal e estadual, estas contam com salas de leitura, de computação e laboratórios de ciência.

O programa Cientistas do Amanhã é outro pilar. Baseia-se em uma nova metodologia de ensino de ciências da Fundação Sangari, que estimula o estudante a desenvolver o raciocínio e o senso crítico. “É fantástico, o aluno aprende como nasce um peixe com um aquário, como nasce uma flor”, contou a diretora. “A presença do coordenador pedagógico, importante para administrar junto ao diretor o projeto político-pedagógico”, destacou, ao citar um fundamento da iniciativa: a capacitação permanente de professores e outros gestores educacionais.

Outro pilar, Saúde nas Escolas, promove o exame periódico dos alunos. Ao ser detectado um problema, o estudante é encaminhado a um posto médico municipal. Porém, Magnino destaca que o programa não seria possível sem a participação da comunidade e das famílias. O programa Bairro Educador integra os moradores e pais à escola e tenta detectar problemas em cada família. Também incorpora mães voluntárias e estagiários universitários como apoio escolar.

Magnino coordena reuniões quinzenais com os pais e representantes, nas quais a presença oscila entre 85% e 90%, um recorde que ganha maior valor porque muitas famílias têm à frente uma mulher sozinha que trabalha o dia inteiro. “O problema surge quando a família não está presente, porque ela é muito importante”, destacou a diretora da escola, que tem 500 alunos de quatro a 12 anos. “De tanto convocar os pais, estes acabam acreditando no projeto”, acrescentou.

Os professores também foram capacitados como mediadores de conflitos entre a escola e a comunidade, e para abordar temas como o consumo de drogas e a violência. Para a diretora, o combate à violência começa pela escola. “Explica-se às crianças que a violência nada resolve e que com diálogo tudo pode ser resolvido”, enfatizou Magnino.

“O grande diferença é promover um ensino distinto, de forma integral e com uma metodologia dinâmica, que elabore o bloqueio das crianças que sofrem com a superexposição à violência”, afirmou à imprensa a secretária de Educação do município, Claudia Costin. Os resultados já são visíveis nas Escolas do Amanhã. “Conseguiram aumentar o interesse dos alunos e diminuiu a evasão e a repetência”, destacou Werthein, ao qualificar a iniciativa de “extremamente interessante e inovadora”.

Dados oficiais mostram que a taxa de evasão escolar caiu entre 2008 e 2011 de 5,1% para 3,2%. Além disso, o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica nacional destaca que nestas escolas, entre 2009 e 2011, aumentou a participação de alunos nas últimas séries, aquelas que adolescentes abandonam quando os grupos criminosos os recrutam. O progresso tem especial importância pelo retorno precário das escolas. “Funcionam onde há ou houve por muito tempo grandes tiroteios e os alunos abandonavam os estudos para trabalhar com o tráfico”, recordou Costin.

As Escolas do Amanhã ainda são uma ilha no total de 1.074 estabelecimentos municipais de ensino, mas as autoridades do Rio de Janeiro buscam estender o programa para toda a rede, enquanto outros Estados estudam replicar a iniciativa. Werthein vai além. “Instalar escolas de qualidade nas favelas é um exemplo a ser seguido em muitos outros países da América Latina”, afirmou. Envolverde/IPS