Por que chapéu não segue a regra de papel? Foto: Galeria de ionaloyola/Flickr

Durante o período de aquisição da escrita (que, às vezes, dura muito…), são comuns algumas “trocas de letras” perfeitamente explicáveis. Vou comentar uma delas, a troca entre “l” e “u”.

Vejamos a troca “l / u”. Primeiro, deve-se observar que ela ocorre apenas em final de sílaba, tipicamente em palavras como mal/mau e alto/auto (nunca em palavras como uma e lua ou flanela). Ocorre também, claro, quando não existe um par (como nos primeiros exemplos). Pode-se encontrar Blumenal (por Blumenau) ou papeu (por papel).

A explicação tem duas etapas: a) incorpora-se uma “teoria” da escrita baseada na relação letras e sons. A teoria não funciona sempre (como em muito, pronunciado muinto, ou em homem, pronunciado omey – com ditongo nasalizado). Mas ela funciona bastante bem em muitos casos (bala, bota, tatu, time, etc.); b) em português, na maioria das regiões, há uma vocalização do “l”, pronunciado “u”, em final de silaba (algo >augo, Brasil > brasiu, gol >gou). Acreditando um pouco na teoria da correspondência entre som e letra, acaba-se escrevendo mal por mau (e vice-versa), auto por alto (e vice-versa). Não por falta de cuidado, mas exatamente devido ao grande cuidado para não errar: falamos a palavra silenciosamente e a grafamos com base em seus sons.

Um caso particularmente interessante é chapéu, eventualmente escrito chapel. Uma forma de ensinar a evitar erros de grafia, em casos assim, é aumentar, aos poucos, a consciência morfológica. Pode-se ensinar que se escreve papel com “l” no final, embora pronunciemos um “u”, porque de papel se deriva papelaria, papelão, papelucho, papelada – palavras em que o “l” reaparece (da mesma forma, de Brasil se deriva brasileiro, etc.).

Acontece que, de chapéu se deriva chapelaria, chapelão, chapelete, chapelinho… Como convencer um aluno de que a grafia deve ser com “u”? Por que chapéu não segue a regra de papel? (Às vezes, crianças deveriam ser chamadas para discutir reformas ortográficas).

Num caso assim, (e em todos os outros!), seria bom fazer uma pequena pesquisa – em vez de só mandar fazer. Um dicionário como o Houaiss informa que chapéu vem do latim capello, mas vira o francês chapel. Não é curioso? A palavra que deu em chapéu tem originalmente um “l” no final!

Descobrem-se curiosidades interessantes, consultando um bom dicionário. Por exemplo, da mesma raiz é capelo (um chapéu usado por autoridades e religiosos), mas também capa e capuz. A relação de capuz com chapéu é quase intuitiva. A de capa é menos. Mas não esqueçamos que muitas capas têm capuz. Seria um caso de metonímia? Não seria o primeiro.

PS – Dizer que os erros têm uma boa explicação não significa defender que sejam aceitos. Explicar ainda é explicar!

* Publicado originalmente no site Carta Capital.