Líbia: haverá paz depois da guerra?

Lund, Suécia, 20/10/2011 – É válido supor que as pessoas, em geral, não gostam nem querem a guerra, preferindo a paz. Há destacados prêmios da paz e pacifistas como Mahatma Gandhi, Luther King, Dalai Lama e Nelson Mandela, venerados por todo o mundo. Não ocorre o mesmo com os que bombardeiam, matam e violam. Portanto, aqueles que querem legitimar as guerras apresentam motivos nobres, como o desejo de manter ou criar a paz.

No caso da Líbia surpreende que tão poucos tenham protestado em comparação, por exemplo, com os que reprovaram a guerra no Iraque. Desde a direita até a esquerda, desde os movimentos pelos direitos humanos a muitíssimos intelectuais, aprovou-se – em alguns casos com certo vacilo – a intervenção armada da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), principalmente com o argumento de que havia pouco tempo para impedir um genocídio de dezenas de milhares de pessoas. Custa crer que todos eles amem a guerra. Não é mesmo?

Assim é. Portanto, presume-se que eles aceitem a guerra mais ou menos enfadados porque não veem alternativas. Contudo, se todos nós pensássemos em alternativas, provavelmente haveria menos guerras. O verdadeiro desafio consiste em responder a estas perguntas: se a guerra é inaceitável, o que podemos fazer para manejar os conflitos? Que tipo de ferramenta pode-se usar em lugar da violência?

É importante ter ao menos alguns conhecimentos básicos sobre as partes envolvidas e nós mesmos como participantes nos conflitos. Esclareçamos, por exemplo, que o Ocidente não é um generoso mediador, mas um histórico participante em virtualmente todos os confrontos militares. No caso da Líbia precisamos saber muito mais sobre a história, a estrutura social, a cultura política, o desenvolvimento moderno, o pensamento dos beduínos e as tradições locais em matéria de paz, conflitos e economia, simplesmente para saber qual seria a provável reação do povo e de seu líder diante do que nós fazemos.

Concentrar-se apenas em Gadafi (como fazem os meios de comunicação) e apontar uma só pessoa como a causa básica de todo o problema (como fazem os políticos) é uma mostra de perigosa ignorância sobre as complexidades de qualquer conflito em qualquer parte do mundo. Assim como de modo algum está tudo bem no Iraque porque Saddam Hussein está morto, tampouco serão resolvidos todos os problemas na Líbia com o desaparecimento de Gadafi. Acreditar que em um país em conflito tudo se resolverá com a entrada ou saída de um homem é simplesmente uma receita para políticas desatinadas.

Também é necessário ampliar o espaço do conflito. Não pensemos que este caso diz respeito apenas à Líbia. Tem a ver com todo o mundo, com os futuros tropeços do Ocidente com os países Bric (Brasil, Rússia, Índia, China). Também está vinculado ao futuro controle do petróleo, em particular na África. Trata-se, então, de Europa, África e Oriente Médio.

E não vamos acreditar que o problema líbio é de fevereiro deste ano. Começou muito antes. Por exemplo, em 1911 foi ocupada pela Itália, que a dividiu em Cirenaica oriental e Tripolitana ocidental, algo semelhante ao que está ocorrendo agora. Deve-se estudar a luta dos líbios pela independência e a morte de dezenas de milhares deles em mãos dos italianos, em combates ou em campos de concentração. E deve-se recordar a ocupação britânica entre 1943 e 1951, a independência sob o rei Idris entre 1951 e 1969, e a revolução de Gadafi (1969-2011), que criou um país diferente de todos os demais. Todos são antecedentes que não podemos ignorar.

O sistema global investe bilhões e bilhões em ferramentas militares mas carece do mais básico quando se trata de manejar conflitos civis: inculcar educação para a paz, criar academias para o estudo da resolução pacífica dos conflitos e centros de pesquisa sobre as dimensões humanas dos conflitos internacionais.

Francamente, esta total desigualdade entre nossos investimentos militares e nossos investimentos humanitários é decepcionante quanto ao alcance da civilização.

A atitude atual da “comunidade” internacional é, lamentavelmente, inadequada em questões de normas, de mecanismos de tomada de decisões, de formas de governo, de organização, de educação e de manejo dos conflitos civis.

E está totalmente desequilibrado. Quando ocorre um conflito, temos muito do que menos precisamos e pouco, ou nada, do que faz falta para podermos considerar que somos civilizados.

A onipotência é um mal navegante e a guerra é uma maneira que já saiu de moda para lidar com os problemas da humanidade. O profissionalismo no manejo dos conflitos e na criação e manutenção da paz é o modelo emergente. Envolverde/IPS

* Jan Oberg, diretor e cofundador da Transnational Foundation (FTT), com sede em Lund, na Suíça, é pesquisador em conflitos e temas da paz.