O enganoso efeito da proliferação de patentes

Carlos M. Correa. Foto: Cortesia do autor
Carlos M. Correa. Foto: Cortesia do autor

Genebra, Suíça, outubro/2014 – O constante aumento na solicitação e concessão de patentes que se observa nos países industrializados e em alguns em desenvolvimento (particularmente na China) é frequentemente associado com o avanço da inovação em escala mundial.

Esse crescimento não corresponde a um genuíno progresso na inovação. Pelo contrário, indica um desvio do sistema de patentes do objetivo para o qual foi criado: recompensar os que contribuem para o progresso tecnológico mediante invenção de novos produtos e processos.

A proliferação de patentes reflete, em grande parte, o baixo nível de requerimentos por parte das autoridades que as concedem. A concessão de patentes que não implicam uma verdadeira invenção subtrai conhecimento do domínio público e freia a legítima competição.

O baixo nível de requerimentos estimula a apresentação de solicitações. Esse problema afeta vários setores. Por exemplo, estima-se que a Nokia tenha cerca de 30 mil patentes referentes à telefonia móvel, e a Samsung 31 mil patentes.

A proliferação é particularmente elevada e problemática no setor farmacêutico, onde grandes empresas tratam de adquirir portfólios de  patentes para estender a exclusividade das licenças para além de sua expiração, mediante o agregado de novos componentes.

Essa estratégia de “reverdecer” as patentes permite às empresas manter fora do mercado os produtores de medicamentos genéricos, e, portanto, exigir preços mais elevados que os que teriam que aceitar em um cenário competitivo.

Um exemplo: a patente básica de paroxetina, um antidepressivo, expirou em 1990, mas graças a patentes “secundárias” continuará protegido até 2018.

A proliferação de patentes “secundárias” ou “espúrias” implica altos custos para os pacientes e os sistemas de saúde pública.

Para evitar a proliferação de patentes não inovadoras em nível nacional, é possível adotar algumas medidas compatíveis com o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (Trips), já que a Organização Mundial do Comércio autoriza os países membros a aplicar suas próprias legislações sobre patentes.

A política mais efetiva que os governos podem adotar é a aplicação rigorosa dos requerimentos mediante um detalhado exame dos pedidos de patente. O Trips não define o conceito de “invenção” nem como devem ser interpretados os requerimentos.

As leis nacionais podem diferenciar as invenções das descobertas, e exigir que as primeiras sejam resultado de atividades inovadoras e não simplesmente matérias pré-existentes, como substâncias naturais.

Embora em alguns países sejam admitidos critérios discutíveis sobre inovação, não há razão para aceitar tais práticas em outras jurisdições.

Em alguns países são concedidas patentes baseadas em um ou mais elementos que formavam parte de uma concessão anterior. Esse procedimento é um meio eficaz de reverdecimento, já que a proteção se estende por todo o período de uma patente, geralmente de 20 anos.

Enquanto em alguns países, como China e Estados Unidos, e na União Europeia os padrões de inovação são baixos, é de interesse público impor critérios mais exigentes, especialmente nos países do Sul em desenvolvimento. Um critério rigoroso é o meio mais eficaz para evitar a concessão injustificada de direitos de patente.

Em razão do espaço que o acordo Trips deixa aos países para enquadrar suas próprias definições dentro de suas práticas e sistemas legais, os governos podem optar por diversos métodos para garantir que sejam concedidas apenas patentes justificadas, incluída a introdução de requerimentos específicos na legislação nacional.

Um exemplo notável é o da legislação indiana, emendada em 2005 para incorporar padrões específicos para poder patentear produtos químicos e farmacêuticos.

Em uma ação aberta pela corporação suíça Novartis contra a negativa à solicitação apresentada para um remédio (imatinib mesylate), o Supremo Tribunal da Índia confirmou a negação porque o produto não cumpriu os critérios de invenção.

Um exemplo da introdução de normas na legislação sobre patentes é o da Argentina, onde em 2012 o governo aprovou requisitos para evitar o reverdecimento de patentes sobre produtos e processos farmacêutico.

Por último, as autoridades nacionais podem diferenciar os diferentes tipos de tecnologia, de modo a ter em conta as diferentes características de cada setor e os objetivos públicos, por exemplo, em relação aos medicamentos genéricos.

Trata-se de uma necessária resposta à diversidade de tecnologias, e, portanto, é uma condição indispensável para estabelecer um sistema equilibrado de proteção que garanta neutralidade entre os diversos autores em competição. Envolverde/IPS

* Carlos M. Correa é assessor especial sobre comércio e questões de propriedade intelectual do intergovernamental Centro do Sul, com sede em Genebra.