Arquivo

A arqueologia também divide israelenses e palestinos

A aldeia palestina de Zaatara, aos pés do Herodion. Foto: Pierre Klochendler/IPS

Jerusalém, Israel, 20/3/2013 – Herodes, o Grande, era uma figura controvertida já no seu tempo, mas, dois mil anos depois, a polêmica não gira tanto sobre seu legado, mas sobre quem tem os direitos de escavar e preservar suas relíquias no conflituoso Oriente Médio. Estas estão expostas pela primeira vez no Museu Israel de Jerusalém. A mostra pode ser vista como um grande tributo à sua personalidade, mas também é uma poderosa recordação de até que ponto estão ligados a história da Terra Santa e o conflito atual entre israelenses e palestinos.

No alto de uma colina, o antigo monarca tinha um palácio semelhante a uma fortaleza, que construiu como memorial para si mesmo, e cujo nome – Herodion – também o homenageava. Herodion, onde se origina a maior parte da exposição, é visível de Jerusalém e domina o deserto da Judeia, que desde 1967 é parte da Cisjordânia ocupada por Israel, que os palestinos reclamam como parte de seu futuro Estado.

Os vestígios do palácio se encontram na Área C, isto é, nos 62% de Cisjordânia que se mantêm sob pleno controle israelense desde os acordos interinos de paz de Oslo, de 1993. Uma base militar israelense protege o local. A Terra Santa mudou de mãos uma e outra vez desde a época de Herodes, mas, a 758 metros de altura, o terreno parece inalterado, pelo menos à primeira vista. Dispersos pelos arredores, os assentamentos israelenses e as aldeias palestinas disputam entre si os direitos sobre essas terras.

Designado pelos romanos, Herodes governou o reino vassalo de Judeia, parte da província da Palestina do Império Romano, durante 33 anos, entre 37 e 4 antes de Cristo. “Ele foi uma ponte cultural, que trabalhou nos dois lados, e ficou preso entre as exigências do Império Romano e as do judaísmo”, contou David Mevorach, curador da mostra. Nem judeus nem romanos o viam como um deles, mas a Judeia prosperou enquanto ele esteve no poder, acrescentou.

Excelentes cristais e fina alvenaria romana de um vermelho brilhante; uma estátua de Cleópatra, a última rainha do antigo Egito; uma tigela decorada, presente do imperador Augusto, cujo busto também compõe a mostra; o banheiro de sua alteza real. Tudo foi encontrado no lugar. Enfeitada com estuque e afrescos de paisagens sagradas e batalhas navais pintadas com pigmentos sobre gesso, também foi levada de Herodion a câmara real.

Entretanto, a joia da coroa de Herodes, por assim dizer, é a reconstrução de seu mausoléu, que abrigou o que os arqueólogos acreditam ser o sarcófago no qual seu corpo foi colocado. O rei, sem dúvida, gostava das artes, inclusive em seu leito de morte. “Ele era muito consciente de sua memória histórica”, disse o curador. Atualmente, nesta parte do mundo, a “memória histórica” se refere principalmente às buscas nacionais de caráter competitivo.

As escavações em Herodion começaram em 1972, sob comando do arqueólogo israelense Ehud Netzer. “Ninguém nos perguntou ou nos consultou, nem antes nem agora”, protestou Jamal Amro, acadêmico palestino da Universidade Bir Zeit, conhecedor do local. “Os israelenses saquearam Herodion. Israel usa a arqueologia para moldar a história e validar a ocupação da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental”, destacou. Após uma prolongada exploração, Netzer descobriu, em 2007, a tumba de Herodes. Três anos depois, morreu em circunstâncias trágicas no sítio arqueológico.

Trasladar de Herodion para o museu cerca de 30 toneladas de alvenaria gravada demorou mais três anos. “Na realidade, levamos milhares de fragmentos para nossos laboratórios, e trabalhamos intensivamente desde aqui em matéria de restauração e reconstrução”, detalhou Mevorach. O diretor do Museu Israel, James Snyder, afirmou: “Desempenhamos um papel bastante importante para o patrimônio cultural do mundo”.

No entanto, os palestinos se queixam de que as atividades arqueológicas em seus territórios são ilegais. “Segundo o direito internacional, isto é um crime. Israel deve reconhecer os direitos da nação palestina aos seus sítios históricos”, afirmou Amro.

O governo israelense lista Herodion entre seus tesouros históricos nacionais, mas a Autoridade Nacional Palestina, que em 2010 obteve o status de membro pleno na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), procura que se reconheça como patrimônio mundial. “Os acordos de Oslo fizeram Israel responsável pela guarda dos vestígios arqueológicos na Cisjordânia até que se chegue a um acordo definitivo”, retrucou Snyder.

Herodes foi temido por seus súditos. Governante desapiedado, mandou executar a última linhagem da dinastia dos hasmoneos, que lhe antecedeu no poder, o que incluiu altos sacerdotes, opositores, sua segunda esposa e três de seus próprios filhos. Para o cristianismo, é visto como um assassino de bebês, é Herodes, o Terrível. No museu, é recordado principalmente como construtor de seus projetos colossais, incluída a reconstrução do Segundo Templo de Jerusalém, que é reverenciado pelo judaísmo.

Séculos mais tarde, o Haram al-Sharif, ou Nobre Santuário (também conhecido como Cúpula da Rocha, ou mesquita de Omar), segundo local mais sagrado do Islã, seria edificado sobre suas ruínas. Para Amro, “Herodes e Herodion são importantes não apenas para os judeus, mas também para os cristãos e os muçulmanos. Deveríamos assumir a tarefa”. Por seu lado, Snyder disse que “tomamos emprestadas as relíquias com autorização; as devolveremos quando terminar a exibição, no final do ano”.

A pergunta é onde e a quem as devolverão. “À autoridade encarregada da arqueologia na Cisjordânia”, explicou Mevorach. Isto é, à “administração civil”, conhecido eufemismo com que se refere às autoridades militares israelenses nesse território. Amro protestou, convencido de que nunca lhes devolverão nada. E “nada” pode se referir ao sítio arqueológico e aos seus tesouros ou mesmo à Cisjordânia.

“Quando em 1979 Israel assinou o acordo de paz de Camp David, nos Estados Unidos, com o Egito e se retirou do Sinai, houve uma divisão muito inteligente do material: o referente ao patrimônio egípcio foi devolvido ao Egito, e o relativo ao patrimônio judeu permaneceu em Israel”, recordou Snyder. Será aplicável um modelo semelhante a Israel e Palestina caso assinem a paz algum dia? “Sou apenas o diretor de um museu, mas aquilo foi bem feito”, afirmou Snyder. Envolverde/IPS