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A cada quatro segundos há mais um refugiado no mundo

O acampamento de Dormiz, no Curdistão iraquiano, com milhares de refugiados sírios. Foto: Acnur

Rio de Janeiro, Brasil, 20/6/2013 – Antes de chegar ao Brasil, Yves Norodom, de 21 anos, fez uma longa viagem após ser forçado a deixar seu país, a República Democrática do Congo (RDC), em uma peripécia repetida por 45,2 milhões de refugiados existentes no mundo, o maior número em 20 anos. É o que indica o relatório Tendências Globais 2012, divulgado ontem no Rio de Janeiro e em outras cidades de diferentes regiões do mundo pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

Desse total, 28,8 milhões de pessoas são refugiadas dentro das próprias fronteiras de seus países e 15,4 milhões obtiveram status de refugiados em outras nações. O Acnur registrou, no ano passado, 33,8 milhões de pessoas sob sua assistência, o maior número desde 1994. Dessa quantidade, 10,5 milhões eram refugiados. Em média, 23 mil pessoas tiveram que abandonar forçosamente suas casas a cada dia em 2012, elevando o número de refugiados forçados no fechamento do ano para 45,2 milhões, o maior desde que em 1994 a guerra dos Bálcãs e a crise humanitária de Ruanda aumentaram essa tragédia humana para 47 milhões. Ao terminar 2011, o número de refugiados forçados era de 43 milhões.

O representante do Acnur no Brasil, Andrés Ramírez, disse, ao apresentar o informe na véspera do Dia Mundial do Refugiado, que as guerras e os conflitos armados continuam sendo a principal causa de deslocamento forçado. Ressaltou que metade dos refugiados do mundo procede de Afeganistão, Síria, Iraque, Somália e Sudão. “Em média, a cada quatro segundos uma pessoa se converte em refugiada. Não há vontade política em nível mundial para prevenir os conflitos”, pontuou Ramírez. “O tema dos refugiados é um drama, uma tragédia humana de grandes dimensões”, ressaltou.

O Afeganistão encabeça a lista quanto à origem dos refugiados, uma posição que ocupa há mais de três décadas. Em 2012 procediam desse país asiático 2,5 milhões de pessoas nesta situação registradas pelo Acnur. A Somália está em segundo lugar com 1,1 milhão, seguida de Iraque com 746 mil, e Síria com 471 mil.

O Acnur acrescentou que há no mundo quase um milhão de pessoas refugiadas, à espera de obter asilo em outros países. Isso aconteceu a Norodom, segundo contou à IPS. Ele teve que esperar até conseguir fugir para o Quênia e passar pela Grã-Bretanha, antes de chegar ao Brasil em 2010 sem documentos e apenas com a roupa do corpo. “No Congo todos temiam por minha vida. Eu lutava para sobreviver, fiz o impossível para conseguir. Meu trabalho era salvar minha própria pele e nessa época eu tinha 17 anos”, detalhou.

Seu pai, um representante da oposição, já teve que deixar a RDC há quase uma década, enquanto seus 15 irmãos foram recebendo refúgio em diferentes países e a família acabou fragmentada pela diáspora. “Nos ameaçaram e seis irmãos acabamos no Brasil, outros já haviam conseguido refúgio, alguns na África, outros na França. Tivemos que nos separar”, lamentou.

Uma das maiores dificuldades de Norodom foi aprender a falar português. “É um idioma que nunca ouvira. Demorei seis meses para aprender o básico e depois um ano para dominá-lo melhor”, explicou. Atualmente está desempregado, mas mantém o sonho de um dia poder voltar a estudar e conseguir entrar na universidade pública do Rio de Janeiro, para cursar engenharia química. “Não é que esteja muito feliz, mas ao menos estou vivo e me encontro bem”, enfatizou.

A vida de Norodom se parece com a de muitos outros que chegaram ao Brasil. Segundo o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), vinculado ao Ministério da Justiça, há no país 4.715 estrangeiros nesta situação, de 76 nacionalidades. Deles, 2.012 contam com assistência do Acnur. “São pessoas que pertencem a grupos étnicos que fogem por motivos de pensamento ou conflito. Nosso desafio é oferecer as melhores condições de adaptação para a integração do refugiado”, disse João Guilherme Granja, vice-presidente do Conare.

O Brasil tem uma legislação apropriada para a acolhida de refugiados e oferece todos os serviços públicos e similares direitos aos das pessoas nascidas no país, mas recebe bem menos quantidade do que nações mais pobres, como Paquistão, que mantém acolhidos 1,638 milhão de pessoas. Também Iraque, Quênia, Síria e Etiópia estão na lista dos países que mais acolhem refugiados, segundo o Acnur. Em 2012 o Brasil recebeu mais de 1.200 solicitações de refúgio e este ano o número será maior, disse o representante do Acnur.

“Temos mais solicitações devido à crise em vários países. O Brasil tem dimensões continentais e poderia receber mais refugiados, mas está muito distante dos lugares onde estão ocorrendo as emergências humanitárias”, explicou Ramírez. Porém, o aumento do custo de vida nas cidades brasileiras e as dificuldades da maior parte da sociedade também afetam a qualidade de vida dos refugiados, argumentou Aline Thuller, coordenadora da organização humanitária Caritas, ligada à Igreja Católica.

“A maioria dos refugiados vive em comunidades com carências e em favelas. Eles têm os mesmos direitos aos serviços públicos e as mesmas dificuldades que sofrem os brasileiros. A maioria trabalha no setor informal”, indicou Thuller à IPS. Segundo a coordenadora, “ainda há muito preconceito, os refugiados são confundidos com foragidos por desconhecimento desse status”. A Caritas recebia anteriormente principalmente homens angolanos, que fugiam do recrutamento forçado durante a guerra civil em seu país.

Agora, ao Rio de Janeiro chegam muitas mulheres grávidas e com filhos, e famílias inteiras. O Rio de Janeiro é o segundo Estado que mais refugiados recebe, depois de São Paulo, e está ultimando um plano regional de atenção aos acolhidos. “As pessoas criaram grupos de trabalho divididos em eixos temáticos e incluem atividades práticas para facilitar o acesso a direitos básicos por parte dos refugiados”, explicou Thuller. Envolverde/IPS