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América Latina não teme perder cooperação energética da Venezuela

A refinaria cubana de Cienfuegos, reativada com apoio da cooperação venezuelana. Foto: Jorge Luis Baños /IPS

 

Santiago, Chile, 15/3/2013 – A Venezuela manterá firme as políticas de integração energética regional impulsionadas pelo ex-presidente Hugo Chávez, no caso de seu sucessor ser o agora presidente interino, Nicolás Maduro, afirmaram especialistas em relações regionais à IPS. Isto apesar das crescentes dificuldades econômicas internas, que podem colocar o país em uma posição complexa para manter compromissos de cooperação externa.

“Pode ser que a Venezuela diminua sua ajuda a outros países para enfrentar seus problemas internos, mas não em troca de perder sua influência e seu protagonismo regional e internacional”, disse à IPS o especialista em Ciências Políticas da Universidade Diego Portales, Sébastien Dubé. Ele acrescentou não ter dúvidas de que caso Maduro triunfe, como se prevê, nas eleições presidenciais de 14 de abril, e que existirá uma continuidade na política externa venezuelana e, em particular, na cooperação energética externa.

O rival de Maduro é o governador do Estado de Miranda, Henrique Capriles, derrotado por Chávez nas eleições de 7 de outubro. Os analistas acreditam que, salvo surpresas, a emoção do eleitorado chavista pela morte de seu líder, no dia 5, impulsionaria a vitória do atual ocupante do cargo em eleições tão próximas. “Maduro vai querer manter a influência geopolítica que o protagonismo de Chávez deu à Venezuela”, afirmou Dubé ao recordar que foi seu chanceler de 2006 até janeiro, explicando que “a ideologia do governo Venezuela diz que, se o projeto político implica continuar com déficit fiscal, assim será”.

A integração regional energética foi um dos projetos nos quais foi dada maior ênfase por Hugo Chávez, que governou a potência petroleira que é seu pais desde 1999 até sua morte. Por meio da política de integração e cooperação energética que impulsionou a estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA), Chávez pretendeu uma distribuição da energia para o desenvolvimento das nações com mais dificuldades para pagar a conta de energia.

Um dos exemplos mais visíveis é a aliança energética Petrocaribe, uma iniciativa vigente desde 2005 da qual participam 18 países, mediante a qual a Venezuela fornece até 185 mil barris (de 159 litros) diários de petróleo. O acordo estabelece financiamento de até 50% da conta do petróleo, com até 25 anos de prazo, um ano de carência e taxa de 2% ao ano. Este programa estendeu, em países e benefícios, o Pacto de San José, pelo qual, desde 1984, México e Venezuela forneciam conjuntamente petróleo em condições preferenciais a 11 nações centro-americanas e caribenhas.

Para o economista Manuel Riesco, do Centro de Estudos Nacionais de Desenvolvimento Alternativo (Cenda), Chávez, “como bom militar e discípulo privilegiado de Símon Bolívar, deu a devida importância a um elemento crucial da estratégia desenvolvimentista estatal latino-americana: a integração regional”.

“A integração é inquestionável para a América Latina, para compensar em parte a enorme atração gravitacional que exerce nosso gigantesco vizinho do norte (Estados Unidos), que constantemente atrai nossos países individualmente para sua órbita”, destacou Riesco. Também é indispensável para “criar condições para competir em boas condições no mercado mundial do século 21, formado por gigantescos Estados-mercados de centenas de milhões de habitantes”, acrescentou.

Desde a década anterior, a Venezuela promoveu adicionalmente acordos especiais de cooperação energética com Argentina, Uruguai, Equador, Colômbia, Peru e Brasil. Com este último foi acordada a construção da empresa mista Refinaria Abreu e Lima, a cargo de PDVSA e Petrobras. Graças aos altos preços petroleiros, a Venezuela “pôde ser um alívio para os países da América Latina que tinham acesso preferencial ao seu petróleo, mas é preciso ver se esta política é sustentável no tempo”, advertiu o economista Alfonso Dingemans, doutor em Estudos Americanos do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Santiago.

Somente o tempo dirá se as circunstâncias políticas e econômicas da Venezuela permitem “que se institucionalize algo que até o momento foi sustentado apenas pelo carisma e pela liderança de Chávez”, pontuou Dingemans à IPS. “Duvido que Maduro tenha a mesma capacidade política para continuar desenvolvendo este programa bolivariano (de cooperação energética) e que o povo venezuelano aceite todos os custos que isto significa. Em algum momento os custos serão insustentáveis”, ressaltou Dingemans.

No entanto, segundo Dubé, para um provável governo de Maduro, “romper com seus compromissos seria um sinal de fracasso, o que tentará evitar a todo custo. A estratégia é que os preços do petróleo podem voltar a subir” acima dos US$ 100, com aumento da demanda mundial, o que facilitaria à Venezuela manter intatos acordos que “são importantes para manter seus vínculos e sua influência sobre os países que se beneficiam de sua ajuda”, observou.

Mas Dubé reconheceu que o sucessor de Chávez também enfrentará internamente uma realidade de maiores dificuldades, por demandas de sua própria população, em um contexto econômico com variados problemas represados, como o alto índice de inflação, os impactos da desvalorização monetária de fevereiro ou a queda do poder aquisitivo.

“O cenário da Venezuela é complexo” e isso pode acarretar dificuldades aos países beneficiários de sua cooperação, apontou Dubé. “Nenhum outro país da (Alba) Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América tem capacidade energética ou financeira para dar o apoio que a Venezuela lhes dá agora”, acrescentou. A Alba, atualmente com oito membros plenos, foi promovida por Caracas em 2004 e tem sua ênfase na luta contra a exclusão social na projeção da chamada revolução do século 21.

Um de seus membros, Cuba, poderia ser especialmente afetada por uma mudança de estratégia na política de integração da Venezuela. Atualmente recebe pelo menos 53 mil barris diários de petróleo, em condições especiais, dentro de uma série de acordos bilaterais de cooperação. “A ajuda que o governo de Chávez dá a Cuba é muito importante para a economia cubana. O perigo é que, se esse apoio desaparecer ou diminuir, essa economia fique novamente ressentida”, opinou Dingemans.

Riesco ressaltou que os acordos energéticos estabelecidos por Chávez não representam subsídios unilaterais da Venezuela a outros países. “Por exemplo, os favoráveis mas razoáveis preços de longo prazo no abastecimento de petróleo para Cuba são compensados, em parte, pelo significativo valor da contribuição dos médicos cubanos que trabalham na Venezuela”, detalhou. Dubé, no entanto, concorda que a cooperação entre Caracas e Havana é recíproca, e que os dois países se necessitarão no futuro.

“Politicamente, Maduro precisa do apoio estratégico, político e ideológico dos irmãos Castro (Fidel e Raúl) para manter sua influência continental”, afirmou Dubé. Mas, a seu ver, uma eventual vitória de Capriles poderia causar “uma mudança radical na política externa venezuelana, com um realinhamento com os Estados Unidos e países de economia liberal, e o fim dos subsídios a Cuba e aos países da Alba”. Riesco prevê que as políticas de integração construídas por Chávez continuarão de uma ou de outra forma, “porque obedecem aos interesses estratégicos mais profundos da região e também da Venezuela”. Envolverde/IPS