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“América Latina pode erradicar a fome antes de 2025”

O espanhol Ricareo Rapallo acredita que a América Latina pode acabar com a fome em pouco mais de uma década. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

Valparaíso, Chile, 27/11/2012 – A fome que atinge 49 milhões de pessoas na América Latina pode ser erradicada antes de 2025, afirma o engenheiro agrônomo espanhol Ricardo Rapallo. É possível sim, porque a região produz mais alimentos do que consome, e a agricultura familiar, como grande provedora de comida e empregos, deve ser um dos pilares deste êxito, disse Rapallo, coordenador do Projeto de Apoio à Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome, a cargo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Embora os números indiquem avanços (em 1990 havia 65 milhões de pessoas com fome ou desnutrição), a pobreza é uma das causas que impedem de se pôr fim ao problema. Além disso, para garantir a segurança alimentar, é necessário adaptar-se às variações do clima. A América Central e a região andina da América do Sul são as mais vulneráveis a essas mudanças, afirma Rapallo, entrevistado na cidade chilena de Valparaíso.

IPS: Pode-se erradicar a fome da região?

RICARDO RAPALLO: Os últimos dados apresentados pela FAO indicam que estamos em torno de 49 milhões de pessoas desnutridas, o que representa 10% da população da América Latina e do Caribe. Acreditamos que é possível de fato erradicar a fome. Esta região produz mais do que precisa, não é um problema de produção e não é um problema técnico. Os países desenvolveram capacidade, experiências e têm recursos humanos e financeiros. Mas, efetivamente, o desafio é grande, continuamos em níveis que não correspondem ao grau de crescimento econômico e de recursos que existem na região.

IPS: A América Latina é vista como uma reserva alimentar do mundo. Quais os problemas que nos impedem de avançar?

RR: A região é produtora e contribuinte do sistema alimentar mundial. Os problemas são diversos e mudam de país para país. É a região do planeta com maior desigualdade que existe. Há países que também não dispõem de capacidade fiscal ou de orçamento para desenvolver políticas públicas da dimensão que tem o problema, desde um ângulo de direitos e para mudar condicionantes estruturais, o que daria impulso a médio prazo para erradicar a fome.

IPS: A redução da pobreza e a erradicação da fome seguem juntas. Quais países avançam na região?

RR: São dois fatores que se alimentam. Onde há pobreza há famintos, e quando há fome em geral costuma haver pobreza. Neste sentido, toda política social deve focar a população vulnerável, como também é imprescindível acompanhar com políticas de educação e saúde. Efetivamente, a Nicarágua é um país que está avançando em termos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A Guiana de língua inglesa, Brasil e Peru também fizeram progressos importantes. Mas, ainda há muito por trabalhar nos países que estão concentrados na área do Caribe e da América Central, como Honduras, Guatemala, Bolívia e Paraguai.

IPS: Como funciona a Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome?

RR: A iniciativa foi promovida em 2005 pela liderança e visão que tiveram os então presidentes da Guatemala (Óscar Berger) e do Brasil (Luiz Inácio Lula da Silva). Congrega o restante dos países da região em torno da vontade de erradicar a fome na América Latina e no Caribe no período de uma geração, até 2025. Nasceu da experiência desses dois países que estabeleceram o tema da fome como uma prioridade política e um compromisso de Estado. A FAO funciona como secretaria técnica.

IPS: A experiência do Brasil e de José Graziano com o programa Fome Zero foi preponderante para que se criasse esta iniciativa?

RR: Em 2005, o tema não era tão emergente em muitos países na região. Sem dúvidas, o espírito do Brasil é forte na iniciativa, pois foi um dos primeiros a reconhecer o problema e a desenvolver uma ação multissetorial para enfrentá-lo.

IPS: Desde que Graziano assumiu a direção-geral da FAO, quais  as novas diretrizes da organização?

RR: A iniciativa agora está na África por impulso de Graziano. A FAO tem um histórico de 60 anos, e nos dez meses em que Graziano ocupa a direção-geral começa a haver novas visões e novas propostas, muitas nascidas do modelo brasileiro e latino-americano. Em dezembro a FAO apresentará seus cinco objetivos estratégicos, reflexo da visão que têm os países emergentes do Sul para enfrentar a fome. A redução da má nutrição e da insegurança alimentar, o compromisso político, a governança e a política pública de segurança alimentar são os três grandes eixos.

IPS: É possível relacionar a mudança climática e a segurança alimentar?

RR: Nossa ênfase é entender como a variabilidade climática pode afetar as populações mais vulneráveis. O pequeno produtor costuma ser o mais vulnerável, pois vive com a incerteza em seu planejamento de produção. A volatilidade na tendência dos preços afeta o pequeno produtor e o consumidor urbano pobre, que destinam grande parte de sua renda para o consumo de alimentos.

IPS: Como os pequenos produtores e os agricultores familiares podem se adaptar a essas mudanças?

RR: Está havendo avanços na região com novas variedades e tecnologias adaptadas. E é preciso dar maior ênfase aos mecanismos de adaptação tecnológica destas variedades também para os pequenos produtores. A agricultura familiar é ainda mais vulnerável à mudança climática porque a produção se baseia no clima e é a que tem menor acesso à inovação. Por outro lado, é a grande produtora de alimentos e a grande provedora de empregos na região. É necessário colocar ênfase para desenvolver políticas públicas ajustadas e pensadas para a agricultura familiar. Envolverde/IPS