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Brasil fecha símbolo de degradação ambiental antes da Rio+20

Rio de Janeiro, Brasil, 5/6/2012 – Às vésperas de receber a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que discutirá o rumo da economia verde, o Rio de Janeiro acabou com um de seus maiores crimes ambientais: o gigantesco lixão de Gramacho, na Baía de Guanabara. Durante mais de três décadas, no lixão Jardim Gramacho, foram acumulados 60 milhões de toneladas de lixo sólido, criando uma montanha de 50 metros de altura, sem que houvesse tratamento ou contenção para mitigar a degradação ambiental da Baía, ao norte da cidade do Rio de Janeiro.

Jardim Gramacho é um exemplo do problema das cidades brasileiras no que se refere ao manejo de seu lixo, que afeta muitas famílias em volta de improvisados lixões, além da área onde está situado. “O Rio de Janeiro não admitirá mais violências contra o meio ambiente, como foi este crime ambiental que a cidade cometeu por muito tempo”, afirmou o prefeito Eduardo Paes, quando, no dia 3, junto com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, fechou o que é considerado o maior lixão da América Latina. Em um ato especial, um portão fechou o lixão, que chegou a ocupar 1,3 quilômetros quadrados, e na entrada foi colocado, simbolicamente, um cadeado.

No entanto, seu fechamento não põe fim aos danos ambientais gerados, como o vazamento de líquidos tóxicos no meio ambiente, advertiu à IPS a ecologista Vera Chevalier, diretora da organização não governamental Ecomarapendi. “Gramacho é o exemplo de um grave desastre ambiental no Brasil, que gerou um passivo impossível de ser ressarcido porque é impossível recuperar a área dos danos sofridos”, ressaltou.

Quando foi instalado o lixão em 1978, em plena ditadura militar (1964-1985), projetava-se que receberia no máximo três mil toneladas de resíduos diariamente durante 20 anos. Porém, o fechamento de Jardim Gramacho foi adiado por mais 14 anos e nele eram depositadas diariamente cerca de nove mil toneladas de lixo. Seu fechamento foi finalmente forçado pela instituição, em 2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que determina que antes de 2014 sejam eliminados todos os lixões localizados em áreas impróprias para esse fim.

O fechamento aconteceu faltando poucos dias para o Rio de Janeiro receber a cúpula Rio+20, entre 20 e 22 deste mês, duas décadas depois de ter recebido a Cúpula da Terra. Foi informado pelas autoridades que na área será instalada uma unidade para produção de biogás, a fim de transformar o metano do lixo em decomposição em “gás verde”. Enquanto isso, o lixão será manejado por um Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos, instalado na cidade de Seropédica, a 75 quilômetros do Rio de Janeiro, que, segundo seus defensores, é o mais moderno da América Latina.

Gramacho representa um símbolo da degradação ambiental e social e de trabalho indigno. Cerca de cinco mil pessoas chegaram a sobreviver da reciclagem de seu lixo, que disputavam com os abutres e porcos, em condições de trabalho e de vida muito duras. Horas debaixo de sol e chuva, em jornadas de mais de dez horas, em condições infames, este era seu cotidiano. Cada reciclador tem sua própria história de sofrimento e doenças provocadas pelo contado diário com o lixo e pela contaminação aérea, em um trabalho muitas vezes feito por mulheres.

Glória Cristina dos Santos, de 36 anos, começou como recicladora aos 11, trabalhando com sua mãe e seus irmãos, para ajudar no sustento da família, que seu pai não podia prover sozinho com o trabalho de estivador. “Sou recicladora há 25 anos e minha adolescência foi terrível. Grande parte da minha vida passei em Gramacho. Lembro que, aos 18 anos, era muito difícil andar pela cidade porque as pessoas evitavam o contato com a gente. Éramos empesteados”, contou. Agora, ela é representante de uma cooperativa de recicladores e foi uma das figuras mais ativas no processo de fechamento do lixão e na capacitação de suas colegas para garantir seu futuro em melhores condições de vida e trabalho. “Trabalhar em Gramacho nunca foi desonroso, é uma maneira de apoiar minha família. Agora, seguiremos na cadeia produtiva da reciclagem de uma forma mais organizada e segura”, afirmou Glória Cristina.

No último ano, restavam em Gramachjo 1.700 desses trabalhadores, dos quais 400 manifestaram o desejo de continuar com essa tarefa depois do fechamento do lixão. Na década de 1990, muitos conseguiam US$ 600 mensais, mas nos últimos meses os que restavam conseguiam apenas metade desse valor. As autoridades municipais do Rio de Janeiro acordaram com as cooperativas que destinarão US$ 700 mil para indenizar os recicladores pelo fechamento do lixão.

O presidente de outra cooperativa de Gramacho, Sebastião Carlos dos Santos, o Tião, disse à IPS que é grande defensor da inclusão formal dos recicladores no mercado de trabalho. “É a primeira vez, em 34 anos, que vamos ter voz e ser reconhecidos”, apontou, antes de assegurar que “a nova política de resíduos sólidos vai acabar com os lixões, mas não com os recicladores”. Não queremos que se faça a exclusão da exclusão. “Não defendo quem trabalha em um lixão de maneira desumana, com risco de sua vida e sua saúde”, lamentou Tião. “Espero que possamos deixar Gramacho da melhor maneira possível e mostrar que existe vida após sua desativação”, acrescentou.

Valdenir Pereira da Costa, de 29 anos, trabalha há 18 em Gramacho e até o dia do fechamento manteve a rotina de sempre no lixão. Contudo, afirmou à IPS que não faz parte de nenhuma cooperativa e que terá de buscar outra forma de sobreviver. “Não sei bem para onde ir agora”, reconheceu Costa, que, como seus cinco irmãos, cresceu no lixão, cujo fechamento o deixa “um pouco órfão”.

Apesar dos esforços, o governamental Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) adianta que o Brasil dificilmente poderá cumprir o compromisso de eliminar todos os lixões até 2014, porque no país ainda restam 2.906 lixões espalhados por 2.810 municípios. “O desafio é enorme, mas é importante tentarmos fechar todas as áreas inadequadas para depositar lixo”, observou à IPS um dos pesquisadores do Ipea, Albino Alvarez, que monitora a situação da gestão dos resíduos no país. Porém, adiantou que os lixões se manterão como uma dívida ambiental até 2020. Envolverde/IPS