Arquivo

Comércio de drogas prospera à sombra da internet

As transações de drogas são realizadas na internet, em geral, por intermédio do bitcoin, um meio de pagamento entre pares na rede mundial, que é mantido em depósito até ser transferido ao vendedor uma vez concretizada a entrega do produto. Foto: BTC keychain/cc by 2.0
As transações de drogas são realizadas na internet, em geral, por intermédio do bitcoin, um meio de pagamento entre pares na rede mundial, que é mantido em depósito até ser transferido ao vendedor uma vez concretizada a entrega do produto. Foto: BTC keychain/cc by 2.0

 

Nações Unidas, 4/7/2014 – Em seus dois anos de funcionamento, a companhia de comércio eletrônico Silk Road arrecadou US$ 1,2 bilhão em renda e acumulou cerca de 200 mil usuários registrados na internet, um sucesso que seria o sonho de toda empresa nascente.

Mas o Escritório Federal de Investigações (FBI) dos Estados Unidos fechou o site da empresa na internet em outubro, acusando-a de ser, basicamente, a Amazon.com das drogas ilegais. A medida lançou uma luz sobre a crescente sofisticação do comércio cibernético, que oferece tanto aos compradores como aos traficantes de drogas o anonimato da alta tecnologia.

Em seu Informe Mundial sobre as Drogas 2014, publicado em 23 de junho, o Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (UNODC) adverte que este tipo de tráfico via internet apresenta desafios singulares às autoridades. “O mercado online das drogas ilegais é cada vez maior e mais descarado”, diz o documento. “Se for mantida a tendência do passado, tem o potencial de se converter nos próximos anos em um popular meio de tráfico de substâncias controladas”, acrescenta.

O avanço tecnológico acompanhou o crescimento do tráfico de drogas pela internet. A quantidade de maconha apreendida do serviço postal aumentou 300% entre 2000 e 2011, segundo a UNODC. A maior quantidade das apreensões aconteceu na Europa e na América, referente a drogas de alta qualidade e com substâncias psicoativas novas, acrescenta o informe.

Os esforços dos governos para deter esta prática criminosa desmantelaram várias redes em 2013, e o caso mais destacado foi o da Silk Road (Roda da Seda). O FBI deteve o dono do site, o norte-americano Ross Ulbricht, de 29 anos e formado em física, e apreendeu bitcoins no valor de US$ 33,6 milhões. O Silk Road foi o site comercial mais sofisticado e extenso da internet, onde os traficantes vendiam bens e serviços ilegais, incluídas drogas ilícitas de quase todas as variedades, segundo o FBI.

Até agora, o valor do narcotráfico no ciberespaço continua sendo mínimo em comparação com o tráfico de drogas em geral, que chega às centenas de milhares de milhões de dólares, segundo David Hetu, professor-adjunto de criminologia na Universidade de Montreal, especializado em crimes na internet. Mas a tendência à alta é preocupante. “Vemos um crescimento exponencial do mercado virtual de drogas. Há uma grande quantidade de mercados com forte ênfase nas drogas e nos medicamentos sob receita”, afirmou à IPS.

Todos os anos ocorrem cerca de 200 mil mortes derivadas do narcotráfico, e 39 milhões de pessoas tiveram problemas de consumo ou dependência em 2012, segundo a UNODC. Embora no ano passado o consumo de narcóticos no mundo tenha se estabilizado, a produção ilegal de ópio cresceu a um nível recorde, tendo o Afeganistão como principal produtor.

O comércio de drogas na internet existe desde os primeiros dias da rede mundial de computadores. Entretanto, sua complexidade só se acelerou recentemente, afirmam os especialistas. A tecnologia permitiu aos traficantes a possibilidade de oferecer bens e serviços e de realizar transações de forma anônima.

“Duas tecnologias distintas surgidas na última década, as redes anônimas, como Tor, e os sistemas de pagamento por pseudônimo, como o Bitcoin, possibilitaram a criação de mercados online que proporcionam garantias de anonimato”, explicou Nicolas Christin, professor-adjunto de pesquisa na Universidade Carnegie Mellon, dos Estados Unidos.

“Este é o acontecimento mais importante no tráfico de drogas pela internet nos três últimos anos”, apontou Christin. Em sua monografia Viajando pelo Silk Road: Análise de Um Grande Mercado Anônimo Online, o professor observa que os três principais produtos à venda no site eram maconha, drogas e receitas.

O bitcoin, apresentado em 2009 como moeda virtual, não tem existência física. Estas transações são anônimas e quase impossível de serem rastreadas, pois funcionam em um sistema eletrônico baseado em redes de pares, no qual os usuários estão diretamente conectados, sem passar pelos servidores centrais de um sistema tradicional.

Embora não tenha o reconhecimento oficial de nenhum banco central ou governo, em geral o bitcoin não é considerado um meio de pagamento ilegal. Com ele pode-se comprar qualquer coisa, desde pizza até casas, sempre e quando os vendedores o aceitarem.

O Tor, ou The Onion Router, é um programa informatizado que permite a transmissão de dados em nível mundial quase sem deixar rastros. Assim, os usuários podem se conectar a outro ponto da rede e manter seu endereço de protocolo da internet invisível, algo que é conhecido com a Rede Escura (DarkNet).

Devido a problemas técnicos, a compra de drogas pela internet é mais complicada do que nas ruas, pontuou Hetu. Mas não é muito difícil para quem deseja evitar a lei. Só o que o comprador precisa fazer é adquirir bitcoins online, instalar o Tor, escolher as drogas que deseja e solicitar seu envio pelo serviço postal.

A tecnologia facilitou o negócio dos narcotraficantes. Quando o FBI fechou o Silk Road em outubro, surgiram novos mercados em questão de dias. “Os novos mercados que substituíram o Silk Road podem cifrar todas as comunicações e usar técnicas avançadas para lavagem dos bitcoins utilizados nas transações. Assim, é muito mais difícil para a polícia rastrear compradores e vendedores”, afirmou.

Não há dados confiáveis sobre o número de pessoas que compram drogas pela internet, mas cada vez há mais tipos de substâncias à venda, segundo o informe da UNODC. O Silk Road tinha 13 mil tipos de drogas à venda, informou o FBI. Apesar do anonimato nas transações, este órgão afirma que poderiam ser localizados traficantes em mais de dez países da América do Norte e Europa.

O tráfico na internet é especialmente difícil porque os criminosos podem adaptar suas práticas com velocidade para evitar os riscos legais, destacou Thomas Holt, professor-adjunto na Faculdade de Justiça Penal da Universidade Estatal de Michigan, nos Estados Unidos. Holt, que investiga os crimes na internet e o roubo de identidade, afirmou que as autoridades devem realizar operações encobertas para entender as práticas desse mercado.

“A cooperação internacional é essencial, já que os compradores e vendedores podem estar a meio mundo de distância uns dos outros”, afirmou Holt. “A incorporação dos inspetores dos correios, agentes aduaneiros e outros órgãos é vital para garantir o rompimento efetivo da cadeia de fornecimento e dificultar a compra dos produtos”, acrescentou. Envolverde/IPS