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Controle do sul da Somália entregue às armas maiores

Mogadíscio, Somália, 3/9/2013 – O acordo alcançado no mês passado na Somália, entre o governo e os chefes de alguns clãs do sul do país, parece criar mais problemas do que resolver os existentes. “O pacto, em essência, responde às demandas originais de um único clã, a milícia Ras Kamboni, que procura dominar outras comunidades só porque tem armas maiores. E isso é lamentável”, disse à IPS Mohammad Hassan, idoso de um clã na cidade de Kismayo, no sul do país.

O comandante miliciano Ahmed Mohamed Islam, mais conhecido como xeque Madobe, declarado presidente do Estado autônomo de Jubalândia. Foto: Abdurrahman Warsameh/IPS
O comandante miliciano Ahmed Mohamed Islam, mais conhecido como xeque Madobe, declarado presidente do Estado autônomo de Jubalândia. Foto: Abdurrahman Warsameh/IPS

 

O governo e Ras Kamboni se enfrentam pelo controle das áreas abandonadas pelo grupo insurgente islâmico Al Shabaab, expulso no ano passado de grande parte deste país do Chifre da África. Em 15 de maio, Kamboni elegeu Ahmed Mohammad Islam, conhecido como xeque Madobe, líder do grupo e presidente de um autodeclarado Estado regional autônomo no sul, ao qual deram o nome de Jubalândia, que tem como capital a cidade de Kismayo. Porém, o governo central somaliano se negou a reconhecer a jurisdição, que compreende três regiões do sul: Gedo, Baixo Juba e Juba Médio.

Em julho começaram os enfrentamentos entre Kamboni e vários clãs locais, depois que estes rejeitaram a autoridade de Madobe. A Organização Mundial da Saúde informou que mais de 70 pessoas morreram e centenas ficaram feridas nesses confrontos. Hassan explicou que o acordo, assinado em 27 de agosto na capital etíope, Addis Abeba, não aborda o tema central do conflito e pode causar mais “incerteza futura” para a população das três regiões implicadas.

“Com exceção da mudança de nome do autoproclamado Estado de Jubalândia pelo de Administração Interina de Juba, as disposições do acordo somente incitarão ainda mais o conflito entre as comunidades”, alertou Hassan. O pacto estabelece a criação de uma administração interina por dois anos, que será dirigida por líderes das três regiões do sul. Além disso, inclui as pautas para o manejo das instituições e da infraestrutura da área, compreendendo o porto e o aeroporto, duas das principais fontes de renda para Gedo, Baixo Juba e Juba Médio.

Um soldado somaliano patrulha uma rua na cidade portuária de Kismayo, sul do país. Foto: Ahmed Osman/IPS
Um soldado somaliano patrulha uma rua na cidade portuária de Kismayo, sul do país. Foto: Ahmed Osman/IPS

 

O acordo também prevê a integração das milícias locais ao Exército Nacional Somaliano, e exorta pela reconciliação e pelo incentivo da confiança entre as comunidades. No entanto, Hassan alertou que o acordo institucionaliza a “hegemonia de um clã” em uma das regiões mais diversas do país. “Todos sabemos que essas áreas não estão habitadas por um único clã, mas que são das mais diversas da Somália. Dar prioridade a um sobre os demais é perpetuar o conflito. Assim, peço ao governo e à comunidade internacional que anulem o acordo e organizem uma verdadeira reconciliação entre todos os clãs”, ressaltou à IPS.

“Somos a favor da paz e da fraternidade entre os povos. Não legitimamos o favoritismo entre os clãs. Não aceitaremos nada menos do que justiça, igualdade e respeito para todos”, afirmou Hassan. Yusuf Omar, especialista político e analista independente de Kismayo, contou à IPS que a maioria dos clãs locais não esteve presente nas conversações que terminaram com a assinatura do acordo em 27 de agosto. “O conflito não é entre o governo somaliano e um clã das regiões de Juba. O conflito é entre as comunidades locais sobre o futuro das regiões, e a maior parte destas não esteve representada nas conversações”, afirmou.

No entanto, os líderes dos clãs afirmam que o acordo, na verdade, nada muda no terreno. Tanto o governo quanto os líderes de Ras Kamboni insistem que se garanta que a nova administração interina “seja um órgão inclusivo e representativo de todos os clãs e de todas as jurisdições”. Mas o Heritage Institute for Policy Studies (HIPS), centro de estudos independentes com sede em Mogadíscio, afirmou que o acordo foi deliberadamente “elaborado em termos vagos”, o que é muito preocupante.

“Diante da falta de informação confiável sobre população e de censos recentes, não é possível uma correta distribuição de assentos entre os clãs. A representação está no coração do conflito político da Somália”, destacou o HIPS em um informe. O trabalho, intitulado O Acordo de Juba: Progresso Imperfeito, foi divulgado pouco depois da assinatura do pacto.

Kulmiye Yusuf, acadêmico de Kismayo, concordou que a ambiguidade dos termos do acordo poderia causar problemas para sua implantação. Porém, acredita que representa um novo começo nas relações entre o governo e o xeque Madobe. “Concordo com a avaliação do HIPS de que o obtido até agora é um progresso imperfeito. Entretanto, necessitamos ver como um bom começo para uma genuína reconciliação entre as comunidades locais”, opinou à IPS. Envolverde/IPS