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Debate sobre amianto chega ao Supremo Tribunal Federal

Um pedaço de amianto crisotila. Foto: Domínio público

Rio de Janeiro, Brasil, 3/9/2012 – O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa o grau de periculosidade para a saúde do amianto crisotila. A indústria defende seu uso controlado e associações de vítimas insistem em afirmar que causa câncer e graves doenças respiratórias. As audiências no STF, nos dias 24 e 31 de agosto, incluíram o testemunho de mais de 35 especialistas sobre este mineral extraído de minas brasileiras e foram solicitadas pelo Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), que reúne organizações de trabalhadores e indústrias de um setor que gera 170 mil empregos diretos e US$ 1,5 bilhão por ano.

Após o debate será dada a decisão do STF, prevista para 2013, que deverá determinar se é constitucional uma lei do Estado de São Paulo que proibiu o uso de crisotila, também conhecido como amianto branco, um dos seis diferentes silicatos minerais cujas fibras longas e resistentes suportam bem o calor. Uma lei federal autoriza o uso controlado deste material, presente em mais de três mil produtos, em particular como fibrocimento para telhados, tanques de água e pastilhas para freios. O Brasil é o terceiro maior produtor de amianto, depois de Rússia e China.

“Em nenhum momento dizemos que não é nocivo para a saúde. O que afirmamos é que os brasileiros sabem, há muitos anos, como trabalhar com amianto de forma segura e responsável”, disse à IPS a presidente do IBC, Marina de Aquino. “Quem defende o amianto defende o câncer”, respondeu Eliezer de Souza, de 71 anos, diretor da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), que contraiu câncer de pleura depois de trabalhar em uma fábrica de telhas de amianto crisotila entre 1968 e 1981.

A discussão sobre os danos causados pelo amianto começou a partir de denúncias de trabalhadores que, como Souza, sofrem ou sofreram doenças respiratórias, como a asbestose (endurecimento do tecido pulmonar), câncer de pulmão e mesotelioma, um tumor raro e agressivo que afeta os tecidos que revestem os pulmões, a cavidade torácica, o abdome e seus órgãos. O amianto está proibido em vários países da Europa e também na Turquia, Coreia do Sul, Argentina, Japão, Chile e Uruguai, e é limitado nos Estados Unidos. mas continua sendo utilizado em 140 nações.

A fábrica onde Souza trabalhou, em Osasco, Estado de São Paulo, fechou em 1993. “Catorze anos depois descobrimos que a maioria dos trabalhadores estava contaminada”, recordou Souza. De 1,3 mil trabalhadores doentes, 180 morreram por doenças associadas à exposição ao asbesto. Também foram intoxicadas 12 mulheres que lavam as roupas de trabalho dos maridos, acrescentou. Nessa região, segundo o Ministério da Saúde, o índice de mortalidade por mesotelioma é cinco vezes superior à média nacional.

“Temos certeza absoluta de que o amianto é cancerígeno e que nos enganaram o tempo todo. Fomos envenenados pela empresa”, lamentou Souza. A presidente do IBC esclareceu que a maioria dos casos foi motivada por uma exposição anterior à década de 1980, quando se utilizava majoritariamente o amianto anfibólio importado e sem controle. Desde que, na década de 1970, “foi confirmado que o amianto na Europa estava causando uma epidemia, as empresas brasileiras começaram a desenvolver uma tecnologia de uso seguro”, explicou Marina de Aquino.

Algumas dessas técnicas consistem em eliminar a emissão do pó das fibras de amianto do ar e seu contato físico durante a extração do mineral, a produção, o transporte e a manipulação. Além disso, empresa, trabalhadores e governo realizam exames, inspeções e fiscalizações permanentes, em um regime de acordos que é “modelo” para outros países, acrescentou a presidente do IBC, destacando que, enquanto a lei federal estabelece que ninguém pode estar exposto a mais de duas fibras de amianto por centímetro cúbico, todas as empresas brasileiras trabalham com o limite de 0,1 fibra por centímetro cúbico. Mais da metade dos telhados do país são de fibrocimento, material amplamente utilizado em moradias de famílias pobres.

Um estudo, citado pelo IBC e realizado com 4,2 mil trabalhadores pelo médico Ericson Bagatin, professor da Unicamp, apresentou resultados coincidentes. Este especialista em medicina do trabalho disse à IPS que o estudo “longitudinal” foi feito ao longo de 12 anos em três fases. Na primeira foram avaliados ex-trabalhadores de uma mina da Bahia, que estiveram em contato com diferentes tipos de amianto entre 1940 e 1967, quando ainda não havia controles. Foi encontrada contaminação de 38%.

Na segunda fase foram examinados operários que trabalharam entre 1967 e 1989 em uma mina de amianto crisotila em Goiás, e a proporção de contaminação foi menor. Na terceira, foram estudados trabalhadores dessa mesma mina, mas a partir de 1980, quando já existiam controles. E o número de casos caiu para zero, afirmou o médico. Assim, concluiu-se que diante do amianto crisotila, e “quando o controle de trabalho melhorou, não se observou enfermidade”, ressaltou Bagatin.

Esses argumentos foram questionados na audiência do STF pelo representante do Ministério da Saúde, Guilherme Franco Netto, que recordou que a pasta “recomenda a eliminação de toda forma de uso de amianto crisotila em todo o território nacional”. Franco apresentou dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) segundo os quais há 125 milhões de trabalhadores em todo o mundo expostos aos efeitos do amianto, e um terço dos casos de câncer trabalhista é causado pela inalação de fibras deste mineral. A OMS estima em cem mil as mortes anuais causadas pelo amianto.

“Me sinto tremendamente envergonhado com nossa situação de exportador de risco”, lamentou outro opositor, o médico Eduardo Algranti, pesquisador da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho. Alegranti afirmou que o Brasil comete “racismo ambiental” ao vender o produto a países que não contam com mecanismos adequados de controle. Além disso, “cerca de 140 países usam amianto, mas poucos o utilizam tanto como o Brasil, o que representa um risco acumulativo para sua população”, enfatizou.

O Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 25.093 casos de câncer provocados pelo amianto entre 2008 e 2011, e 2,4 mil mortes entre 2000 e 2011. A Secretaria de Geologia do governo se referiu à importância econômica da indústria de amianto para o Brasil. Entre 1975 e 2009, foram produzidas no país mais de seis milhões de toneladas de amianto, e 80% permanecem no território nacional sob a forma de produtos e resíduos. “Nós já não temos mais esperança. Estamos trabalhando pelas futuras gerações”, destacou Souza. Envolverde/IPS