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Enquanto o Egito arde, queimam igrejas cristãs

As ruínas de uma igreja evangélica na localidade de Menia incendiada por partidários do presidente deposto Mohammad Morsi, no Egito. Foto: Hisham Allam/IPS
As ruínas de uma igreja evangélica na localidade de Menia incendiada por partidários do presidente deposto Mohammad Morsi, no Egito. Foto: Hisham Allam/IPS

 

Cairo, Egito, 23/8/2013 – Numerosas igrejas sofreram atentados no Egito após a mortal repressão contra partidários do deposto presidente Mohammad Morsi. A União Juvenil Maspero, uma organização de cristãos coptos, estima que, desde os enfrentamentos do dia 14, 38 igrejas foram totalmente destruídas pelo fogo em nove localidades, e muitas outras foram saqueadas. Os atacantes foram partidários furiosos da Irmandade Muçulmana, afirmou à IPS Ishaq Ibrahim, pesquisador da Iniciativa Egípcia para os Direitos Pessoais.

“Tentam criar um cisma entre cristãos e muçulmanos para mostrar ao mundo que o Egito está à beira do colapso”, explicou Ibrahim. Os agressores também se voltaram contra residências e lojas de cristãos e tiraram muitas pessoas de suas casas, acrescentou. “Incendiaram e saquearam 58 casas e 85 lojas em todo o país desde a quarta-feira negra”, ressaltou. Cerca de 525 partidários da Irmandade Muçulmana morreram e mais de dois mil ficaram feridos após a brutal repressão por parte das forças de segurança na semana passada.

“A Irmandade Muçulmana assume que os cristãos instigaram a derrubada de Morsi por serem contra a shariá” (lei islâmica), contou Ibrahim, ressaltando que morreram seis cristãos coptos e outros sete foram sequestrados enquanto as igrejas eram incendiadas. “A localidade de Menia, no Alto Egito, foi palco dos piores ataques contra os coptos, 12 igrejas ficaram totalmente destruídas”, afirmou. O porta-voz da Irmandade Muçulmana, Ahmad Ared, condenou a violência contra os cristãos e a destruição de igrejas e acusou o exército de forjar os incidentes para manchar a imagem da organização.

A Igreja Copta, que representa a principal comunidade cristã do país, divulgou um comunicado no qual afirma que apoia a polícia e as forças armadas frente “aos violentos grupos armados” e ao “terrorismo”. “Nunca vimos tanta crueldade”, disse à IPS Anba Makarios, bispo da Igreja Ortodoxa de Menia. Os cristãos coptos sofrem há décadas e têm dificuldades na hora de obter autorização para construir seus templos. “Em menos de três dias foram queimadas e saqueadas mais de 55 igrejas”, ressaltou.

“Gritavam Allahu Akbar (Deus é grande) enquanto queimavam nossas igrejas, orfanatos e hospitais. Agiam com se fosse uma guerra santa contra a cruz. Como as pessoas vão confiar em uma religião depois de ver tanto sangue derramado em nome de Deus?”, questionou Makarios. O bispo acrescentou que os agressores pareciam pertencer a movimentos islâmicos radicais. “Creem que a Igreja apoiou econômica e espiritualmente a derrubada de Morsi e vieram se vingar”, ressaltou.

O bispo rechaçou o pedido de alguns cristãos para recorrer a uma força estrangeira para garantir sua segurança. “O Estado deve proteger as igrejas e as propriedades dos coptos. Rechaçamos esse tipo de interferência apesar de sofrermos há anos discriminação religiosa”, enfatizou Makarios. Numerosos atores locais concordam que os ataques contra os cristãos coptos fazem parte de um jogo político. A Irmandade Muçulmana tentou chamar a atenção do Ocidente de todas as formas possível, disse à IPS Fuad Badrawi, vice-presidente do Novo Partido Wafd, de tendência liberal. A organização “acredita que agredindo os coptos conseguirá a intervenção dos Estados Unidos e da União Europeia”, afirmou.

Os “terroristas” planejaram os ataques no Alto Egito, para onde é difícil enviar forças de segurança, pontuou Badrawi. A estratégia enfraqueceu os esforços da polícia e do exército, afirmou. Por outro lado, prosseguiu, os grupos islâmicos conseguiram uma reação do papa Francisco e de líderes cristãos. Badrawi é neto do falecido líder histórico Fuad Serag al Din. O Novo Partido Wafd nacionalista e liberal está ligado ao Partido Wafd, que foi fundado em 1920. Era o mais popular do Egito até sua dissolução após a revolução de 1952, mas reapareceu em 1983.

Os arqueólogos também condenaram os ataques contra os templos cristãos, pois alguns deles tinham centenas de anos. “Entre as igrejas incendiadas há algumas de particular valor histórico e patrimonial”, lamentou a arqueóloga egípcia Monica Hanna. Um antigo monastério da Virgem Maria, do século 4, ficou em ruínas, acrescentou. “Os saqueadores aproveitaram a falta de segurança e fizeram escavações ilegais em busca de antiguidades no monastério de Deir Mawas, em Menia, que foi queimado pelos partidários de Morsi”, destacou. Envolverde/IPS