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Fome e despojo por viver ao lado do petróleo etíope

Segundo informações não confirmadas, a população ogaden, principalmente pastoril, é expulsa de suas terras próximas a jazidas de petróleo e gás no sudeste da Etiópia. Foto: Rudolph Atallah/IPS
Segundo informações não confirmadas, a população ogaden, principalmente pastoril, é expulsa de suas terras próximas a jazidas de petróleo e gás no sudeste da Etiópia. Foto: Rudolph Atallah/IPS

Adis Abeba, Etiópia, 27/2/2014 – Enquanto capitais estrangeiros se preparam para extrair petróleo e gás no atribulado sudeste da Etiópia, aumentam as denúncias de violentos despejos do povo somaliano de suas terras, agravando velhas tensões separatistas. “Os recursos nessa região tornarão a Etiópia rica, mas nós continuaremos sendo pobres. Tudo o que podemos esperar é um acordo que garanta nossa reclamação de parte dos benefícios econômicos de nossos recursos naturais”, disse à IPS o fundador da Frente para a Libertação Nacional de Ogaden (FLNO), Abdirahman Mahdi.

Os ogaden são clãs da etnia somaliana, um povo que habita a totalidade da Somália, o sudeste da Etiópia e partes do Quênia, Djibuti e Iêmen. A derrubada do ditador etíope Mengistu Haile Mariam, em 1991, desatou um conflito de duas décadas entre o governo e a FLNO, que luta pela autodeterminação de oito entre dez milhões de somalianos etíopes que vivem na bacia de Ogaden, dentro do Estado Regional Somaliano. A forte resposta paramilitar do governo à insurgência criou “uma crise humanitária em toda Ogaden, onde metade da população vive na fome”, explicou Mahdi.

Reportagens sobre despejo forçado e abusos contra os direitos humanos perto de jazidas de petróleo e gás estão criando uma nova onda de descontentamento local contra o governo. “O exército veio à nossa comunidade e queimou nossas casas e nossas plantações. A situação está piorando, pois as forças armadas querem eliminar muitas aldeias para explorar gás”, contou à IPS um homem ogaden que pediu para não ser identificado. “Muitas pessoas dessa área foram presas. Não sabemos onde estão ou se estão vivas”, acrescentou.

* A confirmação de enormes reservas de petróleo e gás em ogaden engrossará a riqueza da Etiópia, enquanto empresas estrangeiras de energia começam a investir.

* Os depósitos de gás de Ogaden representam 2,7 bilhões de pés cúbicos em uma área de 350 mil quilômetros quadrados.

* Três companhias de petróleo estão na fase final da exploração na área: Africa Oil (Canadá), Southwestern Energy (Hong Kong) e GCL Poly Petroleum Investiment (China).

A Etiópia se converteu na economia de mais rápido crescimento na África, e logo poderá ser um país petroleiro. Mas o bloqueio do governo aos ogaden impede que essa população pastoril e nômade se beneficie dos ganhos derivados do desenvolvimento do país. Nessa etapa, é muito pouco provável que sejam consultados sobre a exploração de recursos, observou o professor Tobias Hagmann, especialista em assuntos ogaden da Universidade Roskilde, da Dinamarca. “Não permitem que manifestem suas discrepâncias políticas. Como permitirão que participem das decisões sobre o desenvolvimento?”, questionou à IPS.

O porta-voz do governo, Shimeles Kemal, garantiu à IPS que a riqueza petróleo e gás “contribuirá para o desenvolvimento do Estado Regional Somaliano, incluída a região de Ogaden”. Organizações de direitos humanos afirmam que o governo impede que se preste ajuda humanitária a uma das regiões mais pobres do país e está gerando um êxodo de milhares de refugiados.

Claire Beston, pesquisadora da Anistia Internacional sobre a Etiópia, disse à IPS que a ofensiva do governo contra a população somaliana ogaden “restringe severamente o acesso à região, inclusive para as agências humanitárias, e também impôs importantes limitações à informação que sai dali sobre a verdadeira situação humanitária e de direitos humanos”.

Em dezembro de 2013, a Associação da Diáspora Ogaden Europeia enviou uma carta à União Europeia pedindo que congele a ajuda à Etiópia enquanto persistirem os abusos contra os ogaden. “Vivemos sob um embargo político e econômico. Pedimos que as organizações possam circular livremente, pois a situação humanitária é crítica”, destacou Mahdi, chefe da insurgente FLNO.

A GCL Poly Petroleum Investment, da China, assinou em novembro de 2013 um acordo com a Etiópia para explorar reservas de gás em Calub e Hilala, parte de Ogaden. Um mês depois, a FLNO denunciou que a força de segurança estadual, conhecida como polícia Liyu, queimou pastagens das comunidades próximas às jazidas de Calub e Hilala.  A ofensiva militar na região tornou impossível verificar essas informações.

A organização Human Rights Watch (HRW) informou, em 2012 que a polícia Liyu estava cometendo assassinatos extrajudiciais como forma de castigo coletivo. “A polícia Liyu havia executado sumariamente dez homens em três dias de vandalismo contra uma série de aldeias. Esses ataques, assim como abusos prévios cometidos pelo governo etíope em sua campanha contra a insurgência, ocorrem com total impunidade”, ressaltou à IPS a investigadora Laetitia Bader, da HRW.

O diálogo parece ser a única maneira de combater o descontentamento no principal clã ogaden, o Darod, que representa quase metade da população somaliana na Etiópia e constitui a coluna vertebral da FLNO. Contudo, as conversações de paz entre a FLNO e o governo, que aconteciam no Quênia, foram interrompidas em setembro de 2012 e seu reinício está comprometido pelo sequestro de dois negociadores ogaden, cometido em janeiro por agentes etíopes em Nairóbi.

“A reclamação da FLNO sobre falta de responsabilidade das empresas petroleiras internacionais em Ogaden é válida. Além disso, o principal clã da região está muito frustrado pelo contínuo assédio e pela ausência de direitos políticos e civis”, pontuou Hagmann. “Eles apoiam a FLNO porque é a única oposição organizada. Não é a melhor opção, porque muitos ogaden não a apoiam, mas é a única opção para aqueles que são marginalizados pelas políticas do governo”, enfatizou. Envolverde/IPS