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Futuro do Oriente Médio está no ouro transparente

Crianças, como este garoto de Gaza, sofrem a escassez de água no Oriente Médio. Foto: Eva Bartlett/IPS

 

Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos, 17/1/2013 – A instável situação política no Oriente Médio está há muito tempo determinada pelas flutuações de um único produto: o petróleo. No entanto, quando esta região abençoada por este óleo ficar sem água, haverá uma mudança no panorama político que poderá desatar novos conflitos, conforme foi discutido durante uma cúpula mundial sobre a água, realizada na capital dos Emirados Árabes Unidos.

As futuras guerras, segundo especialistas, serão pela água, não pelo petróleo. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, alertou, no ano passado, que a escassez de água contribuirá não apenas para a pobreza, mas também causará conflitos sociais que impedirão o desenvolvimento. E, alertou, o mais importante é que “gera tensões em regiões propensas a conflitos”, como o Oriente Médio, “e, muito frequentemente, onde necessitamos de água, encontramos armas”.

Isto se aplica em especial às nações do Golfo, cujas compras de armamento, graças aos recursos gerados pela venda de petróleo, estão em alta. O paradoxo da região foi especialmente bem descrito por um funcionário do Kuwait de nome desconhecido, que certa vez afirmou que, “em qualquer lugar onde cavamos em busca de água, encontramos petróleo”.

Na primeira Cúpula Internacional da Água, em Abu Dhabi, mais de 30 mil participantes, incluindo líderes políticos e empresariais, discutiram ontem a formulação de uma estratégia que reconheça a importância desse recurso para a estabilidade política e econômica da região. Como disse no dia 16, ao abrir o encontro, o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, xeque Mohammad bin Zayed Al Nahyan, “para os Emirados Árabes Unidos, a água é atualmente mais importante do que o petróleo”.

Munqeth Meyhar, do escritório para o Oriente Médio da organização Amigos da Terra, disse à IPS que a região sofreu muitos problemas ambientais nos últimos tempos, incluindo a mudança climática. Os recursos hídricos ficam cada vez mais escassos, especialmente para os milhões que já carecem de acesso a água potável, e alguns desses países, como Arábia Saudita, Iraque e Iêmen, enfrentam problemas específicos que exigem uma atenção imediata, acrescentou.

“Um fator compartilhado por todos os países do Oriente Médio é sua falta de recursos hídricos e sua má administração da água”, afirmou Meyhar, que acompanha de perto a crise de água na região. O Oriente Médio tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, produzindo a maior parte da riqueza da região. Ainda assim, o clima e o ambiente tornam a vida difícil para seus habitantes, observou.

A região exige importantes recursos hídricos e terra adequada para a agricultura. Mas grande parte do solo disponível para produzir alimentos ficou arruinada pela desertificação, que é um problema crescente, com vastos efeitos em países como Iraque, Jordânia e Síria, detalhou Meyhar. As causas universais da propagação dos ambientes áridos são as práticas agrícolas inadequadas e o pastoreio excessivo. A agricultura utiliza 70% da água do Oriente Médio. Na região é comum arruinar muitas terras com uma irrigação excessiva, enquanto as secas se tornam cada vez mais frequentes, acrescentou.

Relatórios dos serviços de inteligência dos Estados Unidos projetam um sombrio cenário para o futuro: conflitos étnicos, tensões regionais, instabilidade política e inclusive genocídios por causa da escassez de água. Na próxima década, “muitos países importantes para os Estados Unidos seguramente sofrerão problemas de água, como escassez, má qualidade ou inundações, que contribuirão para o risco de instabilidade e falhas nos Estados, além de aumentar as tensões regionais”, afirma a Avaliação Nacional de Inteligência dos Estados Unidos, de março de 2011.

Em julho desse ano, o presidente do Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos, Chris Kojm, previu que até 2030 quase metade da população mundial, atualmente superior a sete bilhões de habitantes, viverão em áreas com dificuldades relacionadas com a água, aumentando a probabilidade de grandes matanças.

Meyhar afirmou que a árida Jordânia sofre uma severa escassez de água. Seu custo nesse país aumentou 30% nos últimos dez anos, devido à redução dos recursos subterrâneos, explicou. Nesse período a Jordânia não conseguiu produzir alimentos suficientes para sua população. O ativista também apontou que a escassez de água afetou a qualidade de vida dos jordanianos nas áreas rurais, o que causou um grande êxodo para as grandes cidades. Este é um problema comum a todos os países do Oriente Médio. Consultado sobre a dessalinização, o especialista afirmou que as plantas para realizar esse processo fazem um uso excessivo da água no Oriente Médio.

No mundo, 70% dessas unidades estão nessa região, majoritariamente na Arábia Saudita, Bahrein, Emirados e Kuwait. Israel está se aproximando desse grupo em ritmo acelerado. Embora essas plantas produzam a água necessária para essa árida região, geram danos à saúde e ao meio ambiente. A água do mar usada na maioria dessas plantas tem grande quantidade de boro e bromato, e o processo só pode remover minerais essenciais como o cálcio. Além disso, o sal retirado é, em geral, devolvido aos oceanos, aumentando sua salinidade e, assim, afetando ainda mais o meio ambiente.

O processo de dessalinização também consome muita energia, pontuou Meyhar. O alto consumo de energia leva a um aumento dos preços, afetando os consumidores. As plantas de dessalinização podem ajudar a aliviar a carência de água potável, mas também contribuem para um uso excessivo dos recursos naturais. “Em nossa opinião, a reforma do setor da água em seus usos doméstico, agrícola, turístico e industrial é o primeiro passo para a solução dos desafios do Oriente Médio”, acrescentou.

A Cúpula Internacional da Água, que termina hoje, lançou o Project Stream (Projeto Torrente), que procura conectar diferentes atores para encontrar soluções para os problemas da água. Espera-se que os países do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Emirados, Kuwait, Omã e Catar) invistam mais de US$ 100 bilhões na região em favor destas soluções. Envolverde/IPS