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Impulso à pequena agricultura orgânica no Peru

Duas camponesas trabalham na propriedade familiar, na localidade de Padre Rumi, no departamento de Huancavelica, nos Andes peruanos. Foto: Milagros Salazar/IPS
Duas camponesas trabalham na propriedade familiar, na localidade de Padre Rumi, no departamento de Huancavelica, nos Andes peruanos. Foto: Milagros Salazar/IPS

 

Lima, Peru, 9/1/2014 – Um novo organismo vai fortalecer, a partir deste ano, a pequena agricultura orgânica no Peru, apoiando cerca de 43 mil exportadores ecológicos e outros 350 mil dedicados a abastecer o mercado interno com produtos amigáveis com o ambiente. O Conselho Nacional de Produtos Orgânicos (Conapo) nasce para apoiar o elo mais fraco da cadeia alimentar, a pequena agricultura familiar, precisamente no ano dedicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) a esta atividade no mundo, por seu valor social e produtivo.

“Não existe investimento público que priorize os pequenos agricultores. O orçamento para a agricultura diminui a cada ano, apesar de mais de 70% dos alimentos consumidos pelos peruanos procederem destas pequenas propriedades”, disse à IPS o agricultor Moisés Quispe. O último censo agrário, de 2012, indica que 72% das unidades agropecuárias possuem menos de seis hectares e abastecem principalmente o mercado nacional.

Quispe é o diretor-executivo da Associação Nacional de Produtores Ecológicos do Peru (Anpe), que reúne 21 mil produtores ecológicos, 60% deles pequenos agricultores. Para todos eles, o Conselho é uma oportunidade de conseguir com o Estado os acordos que nunca antes foram possíveis, afirmou Quispe, que se dedica há mais de quatro décadas à agricultura no departamento de Cusco.

O setor agrícola representa atualmente 25% do emprego total no Peru, em torno de 7,5% do produto interno bruto e 9% das exportações, segundo os números oficiais. O secretário técnico do Conapo, José Muro, disse à IPS que no dia 24 haverá a primeira reunião de seus integrantes, entre os quais estão representantes dos setores mais importantes do Poder Executivo, dos conselhos regionais de produção orgânica e da sociedade civil.

Segundo a Lei de Promoção da Produção Orgânica ou Ecológica, vigente desde 2008, os governos regionais e locais devem priorizar o apoio à produção orgânica em seus planos, programas e projetos. A lei também exige que o Banco Agropecuário conceda empréstimos aos produtores certificados durante o período de conversão para a modalidade de produção orgânica, e que o governo dê incentivos para promover a produção e comercialização deste tipo de produção.

“A produção orgânica é de extrema importância para o Peru”, disse o ministro da Agricultura, Milton von Hesse, durante a instalação do Conapo, em 22 de dezembro. Hesse destacou que o conselho reconhece que “os pequenos produtores têm um papel fundamental no desenvolvimento do campo”, um dos argumentos que levou a ONU a declarar 2014 Ano Internacional da Agricultura Familiar.

Quispe destacou a urgência no cumprimento integral da lei de 2008, para ampliar as fronteiras agrícolas em benefício da pequena agricultura familiar, que tem diversos problemas: falta de acesso a créditos, escassez de água, baixos preços por sua dependência dos intermediários e a falta de investimento estatal na infraestrutura.

Muro respondeu que o Ministério da Agricultura já avançou em políticas de apoio, graças às quais as exportações de produtos orgânicos, principalmente cacau, banana e café, superam os US$ 350 milhões ao ano. Cerca de 43 mil pequenos produtores estão registrados no Serviço Nacional de Saúde Agrária. Mas este número é baixo, porque só inclui os que estão credenciados para exportar seus produtos.

A diretora-executiva da Rede de Agricultura Ecológica, Alejandra Farfán, disse à IPS que há outro grande contingente de agricultores que atendem o mercado interno, calculado em 350 mil produtores. “Não temos dados oficiais, mas o desafio é ver a forma de torná-los visíveis mediante o Conselho, para que também possam se beneficiar”, afirmou.

Farfán considera “um marco” a criação do Conapo, após anos de espera. Ela é representante da sociedade civil neste órgão e também preside o Consórcio Agroecológico Peruano. “Sabemos que estes pequenos produtores estão marcados pela pobreza. Por esta razão, espera-se que em 2014 entrem na agenda as políticas de infraestrutura produtiva”, afirmou à IPS. Farfán explicou que é necessário incorporá-los aos programas governamentais de agricultura já em andamento, bem como melhorar a produção orgânica com ênfase nas famílias camponesas mais pobres.

Por falta de apoio os camponeses abandonam suas pequenas propriedades para realizar outros trabalhos temporários, para poderem sustentar suas famílias, contou Quispe. A migração para centros de mineração é uma das consequências mais evidentes e dolorosas da desatenção com a agricultura familiar, ressaltou.

Entretanto, mesmo os que se dedicam integralmente à produção orgânica para exportação durante os 12 meses do ano devem enfrentam outro grande desafio: a comercialização. Em média, 30% da produção orgânica de café é vendida como grão convencional devido à falta de mercados, assegurou Miguel Paz, gerente de vendas da Associação Central de Produtores de Pichanaki no central e selvático departamento de Junín.

Dos vales de Junín sai 25% do café consumido nacionalmente, recordou Paz à IPS. Para este especialista, chegou o momento de buscar novos mercados e olhar para outros países, como Japão ou Austrália. Atualmente, a venda do café orgânico se concentra na Alemanha e nos Estados Unidos.

“O governo deve abrir mercados para a produção orgânica sob diversas estratégias, desde a elaboração de um bom folheto em diversos idiomas, até instruir os produtores a participarem de uma rodada de negócios e que conheçam quem é quem”, disse paz, que participou de várias negociações internacionais. Em fevereiro viajará para Alemanha, Bélgica e França com representantes de uma dúzia de cooperativas de várias regiões do país.

A tarefa de abrir mercados recai sobre o Ministério de Comércio Exterior e Turismo, que também integra o Conapo, junto com o Ministério da Produção e o Instituto Nacional de Defesa da Competição e da Proteção da Propriedade Intelectual. Farfán insiste que também deve participar o Ministério do Ambiente, porque a mudança climática tem um efeito grande sobre a produção orgânica.

O que há para o Conselho no curto prazo é a elaboração do Plano Nacional de Produção Orgânica, seu regulamento interno e os regulamentos dos conselhos regionais. A partir disso, o governo deverá destinar o orçamento necessário para realização das ações estabelecidas. “Trata-se de garantir que a população conte com alimentos saudáveis. Uma agricultura limpa beneficiará não apenas os peruanos, mas toda a humanidade”, destacou Quispe. Envolverde/IPS