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Islã místico para dissuadir o fundamentalismo

O mestre Shaykh Hisham fala diante de milhares de seguidores em Jacarta. Foto: Mohammad Revaldi/IPS

 

Jacarta, Indonésia, 9/1/2013 – A Indonésia, o país com maior quantidade de muçulmanos do mundo, encontrou uma forma de dissuadir o fundamentalismo: promover o sufismo (a corrente mística e contemplativa do Islã), cujos fiéis se vestem de forma recatada, os homens usam barba curta e gorro branco e imitam os modos do profeta Maomé. Ao contrário dos fundamentalistas, que podem recorrer à violência para impor suas convicções, os maometanos sufistas pregam o amor.

“O conflito entre as religiões tem a ver com a política e não nos metemos com isso. O profeta Maomé prega o amor e meu mestre espiritual me ensinou a tolerância”, disse à IPS o fotógrafo indonésio Mohammad Revaldi, de 35 anos. “O governo ajuda os sufistas porque teme o fundamentalismo”, acrescentou, lembrando que nas reuniões mais importantes do sufismo na Indonésia se vê funcionários de vários órgãos do Estado, da polícia e militares.

Os movimentos fundamentalistas proliferam na Indonésia desde a década de 1980, em parte uma tendência global que se arraigou em um crescente mal-estar popular pela corrupção, pelo nepotismo e pela indiferença dos governos islâmicos diante da pobreza e da paulatina influência do Ocidente. Os atentados terroristas na localidade turística de Bali de 2002 e 2005, que deixaram mais de 200 mortos, redobraram os esforços do governo em busca de combater o fundamentalismo, não só com medidas severas por parte das forças de segurança, como também com armas suaves, como o sufismo islâmico.

O sufismo é uma vertente mística do Islã que busca o conhecimento e a proximidade de Deus na vida cotidiana. Os fiéis sufis, cujas raízes remontam ao genro do profeta Maomé chamado Ali, acreditam na unidade da existência e respeitam outras religiões. Durante um grande encontro do sufismo em Java oriental, em janeiro de 2012, o presidente da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono, elogiou seu enfoque religioso e disse que é tranquilo e uma forma adequada de lidar com disputas, conflitos e enfrentamentos entre sociedades e nações.

A maior organização muçulmana da Indonésia, a Nahdlatul Ulama, é um pilar para as organizações sufi ou tariqas. Tem cerca de 40 milhões de seguidores, goza de estreita relação com o governo e se opõe ao extremismo islâmico. Em julho de 2011, organizou um encontro internacional que reuniu mais de dez mil fiéis. O governo apoia o sufismo como uma “alternativa ao Islã radical”, disse à IPS o erudito Jalaluddin Rakhmat, professor universitário e escritor com numerosos seguidores na classe alta deste país.

“O islamismo político gerou conflitos nas comunidades. As pessoas com educação, aberta a diferentes correntes de pensamento, precisam de um verdadeiro Islã, sua dimensão interna que não apenas una os países muçulmanos, mas também a humanidade sem importar as religiões”, argumentou Rakhmat. “O Islã da Indonésia é moderado graças ao papel do sufismo”, ressaltou.

O ressurgimento do misticismo islâmico neste país coincidiu com o renascimento do misticismo local conhecido como Aliran Kebatinan, durante o mandato do presidente Suharto, cujo regime de 31 anos terminou em 1998. “Suharto era muito devoto do misticismo javanês. Inclusive, emitiu um decreto reconhecendo o Aliran Kebatinan como parte da religiosidade indonésia, com o mesmo status de outras grandes religiões do mundo”, acrescentou Rakhmat.

“A prosperidade econômica da época, graças ao boom do petróleo dos anos 1980, deu lugar ao nascimento de um grupo de novos ricos que buscavam serenidade espiritual. Nessa época proliferaram grupos de estudos sufis nas grandes cidades, especialmente em Jacarta”, contou Rakhmat, para quem os sufistas “estão mais interessados na purificação do próprio ser do que nos rituais”.

Há 15 anos, quando Revaldi buscava respostas para dúvidas sobre sua própria fé, conheceu o mestre sufi Shaykh Hisham Kabbani, da ordem Naqshbandi Haqqani, que visitava a Indonésia. “Fui documentar um acontecimento religioso, no qual meu mestre falou sobre como nossos ego e sentimentos ególatras desaparecem à luz da orientação de um mestre. No caminho sufi as pessoas pensam que precisamos deixar tudo, mas tudo é sufismo”, afirmou Revaldi.

Como muitos outros sufistas, Revaldi se veste como se vestiam os muçulmanos na época do profeta Maomé, há cerca de 1.300 anos, e muito parecido à vestimenta usada pelos muçulmanos radicais. Quando viajou para Bali após o atentado de 2005, os passageiros e a tripulação ficaram horrorizados com sua presença, temendo que carregasse uma bomba.

Mas, ao contrário do Islã radical, ele acredita na paciência e não na violência. “A um estudante que quis unir-se ao nosso mestre foi pedido que limpasse todas as folhas das árvores do jardim, apenas para dominar a paciência”, contou à IPS Ibu Yati, uma mulher da mesma ordem que Revaldi. “Nosso mestre ensina compaixão e compreensão, enquanto os fundamentalistas julgam as pessoas”, explicou Yati, formada em políticas públicas e que durante anos foi funcionária do Estado.

“O Islã na Indonésia é muito bonito, há muitas vertentes e é muito tolerante”, afirmou Mustafa Daood, vocalista líder da Debu, uma banda sufi que canta poesia mística e cujos membros, na maioria familiares, emigraram dos Estados Unidos para este país em 1999. A Debu, que significa “pó” em indonésio, interpreta canções do patriarca da família, o mestre sufi Shaykh Fattaah, que nos Estados Unidos teve a visão de trazer toda sua família.

Na residência da família em Cirene, ao sul de Jacarta, Fattaah compõe temas místicos em nove línguas, entre elas o indonésio. Seu trabalho, como o do famoso poeta e místico iraniano Jalaludin Rumi, fala de amor, compaixão e unidade de toda a criação. Envolverde/IPS