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Jovens liberianas se prostituem para poder estudar

A jovem Patinece foi expulsa da escola junto com Patricia Kollie porque ficaram grávidas. Foto: Winston Daryoue/IPS

 

Gbarnga, Libéria, 19/7/2012 – Patricia Kollie deveria estar na escola, mas está em casa, em Gbarnga, amassando folhas de mandioca em um pilão. Foi expulsa por engravidar. Sua casa fica bem perto da Escola Secundária Luterana St. Mark, nesta cidade, condado de Bong, a 164 quilômetros de Monróvia. Kollie tem 21 anos mas cursa o 11º grau, porque não era possível estudar durante a guerra civil de 14 anos que terminou em 2003 e destruiu o sistema educacional. O fim da guerra deveria lhe dar a oportunidade de recomeçar os estudos. Porém, no mês passado foi expulsa.

“Éramos cinco grávidas. Nos chamaram na direção e disseram: vocês estão grávidas. Como se sentem adultas, vão para suas casas. Não posso mantê-las em minha escola”, contou Kollie. Ela disse que implorou ao diretor, Peter Jutee, que a deixasse ficar, mas ele se negou, alegando que engravidar e continuar indo às aulas violava os estatutos dessa escola privada. As outras quatro jovens também pediram em vão para completar o ano letivo.

As escolas particulares redigem seus próprios estatutos, e o braço educacional da Igreja Luterana da Libéria cuidou da escola secundária St. Mark. “Tomamos a decisão guiados por nosso manual. O artigo 10.2d estabelece que não podemos manter grávidas na escola. Quando derem à luz, as readmitiremos”, informou Jutee. A Lei de Educação na Libéria nada fala sobre o que deve ocorrer com as jovens que ficam grávidas enquanto estudam.

A gravidez e posterior deserção escolar é apenas um dos muitos problemas que limitam o acesso das liberianas à educação. As que vivem em zonas rurais têm mais obstáculos, com a imposição das práticas tradicionais, a falta de escolas e de apoio financeiro. Em abril, mais de uma centena de jovens do distrito de Mah, no condado de Nimba, foram retiradas à força da escola para serem iniciadas nas tradições. Nas escolas tradicionais as meninas são submetidas à mutilação genital e “preparadas para a vida matrimonial”. A situação em Mah chegou a tal ponto que as autoridades fecharam a escola, retiraram os professores e os enviou para outros lugares.

Quando em abril de 2006 foi lançada a Política Nacional para a Educação das Meninas, a primeira mulher presidente da Libéria, e da África, Ellen Johnson-Sirleaf, disse que a educação feminina seria crucial para o desenvolvimento do país. Seu governo implantou uma Política de Educação Primária Gratuita e Obrigatória para avançar rumo ao segundo dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que propõe alcançar o ensino primário universal até 2015. Nos últimos três anos, conseguiu-se aumentar as matrículas em 50%, mas falta percorrer um longo caminho.

A pobreza, a gravidez de adolescentes, o analfabetismo e as violações fazem estragos entre as jovens liberianas. Segundo a organização britânica Save the Children, uma em cada três liberianas dá à luz antes de completar 20 anos, o que representa uma das maiores prevalências mundiais de maternidade adolescente. Um informe divulgado em fevereiro pela organização Defence for Children International diz que a violação é o crime registrado com maior frequência na Libéria e que as meninas entre dez e 14 anos são suas vítimas mais frequentes.

A situação de Kollie exemplifica os desafios que enfrentam as jovens que querem estudar. Ela disse que ficou grávida porque precisava do apoio financeiro do homem com quem manteve relações sexuais. “O homem que me engravidou estava apenas me ajudando”, afirmou. Agora, em uma virada irônica do destino, carrega no ventre o filho desse homem e por isso mesmo não pode mais se beneficiar dos estudos que ele pagou. Na Libéria, a mensalidade das escolas privadas é de US$ 92, equivalentes ao salário mensal de um funcionário público.

O fenômeno tem proporções de epidemia. Um estudo da Save the Children concluiu que quatro em cada cinco mulheres estudantes mantinham relação sexuais em troca de dinheiro para pagar os estudos. Outra pesquisa, feita em 2011 pela Action Aid Liberia, intitulada As Mulheres e a Cidade, afirma que o “sexo transacional” entre estudantes e professores, em troca de melhores notas, é um problema importante em três das principais universidades da Monróvia.

Muitas estudantes são assediadas por seus professores. Kollie contou que em sua escola nove alunas ficaram grávidas no ano passado, mas algumas não foram expulsas. Perguntado sobre isso, Jutee respondeu que foram perdoadas apenas porque estavam prestes a se formar.

A fundadora do Comitê de Ação Mediática das Mulheres da Libéria, Tovian Estella Nelson, afirma que a expulsão de Kollie deixa à mostra as complexidades de manter as meninas liberianas na escola. O Comitê criou a primeira rádio para as mulheres do país, a FM 91.1 Liberia Women Democracy Radio (LWDR – Rádio Democracia Feminina da Libéria).

Kollie e as outras quatro expulsas haviam pago todo o ano letivo. Quando forem readmitidas, após terem seus filhos, terão que começar o ano novamente, se é que conseguirão reunir dinheiro para pagar o que já haviam pago. Kollie fica indignada pelo fato de as autoridades esperarem tanto tempo, até ter pago todas as suas obrigações, inclusive as de formatura, para informá-la que estava expulsa, apenas algumas semanas antes de concluir o ano letivo, em 30 de junho. Envolverde/IPS